O silenciamento da Fenprof

Ontem, 19 de abril de 2022, a RTP, serviço público de rádio e televisão em Portugal, emitiu o programa “É ou não é” sobre o futuro da Educação. Em debate estiveram, entre outros aspetos, os relativos à falta de professores, à sua carreira e às condições de exercício da profissão. Uma vez mais (!), as organizações sindicais de docentes foram excluídas, o que significa que a RTP voltou a prestar um mau serviço, amputando o debate público de participações e pontos de vista importantes para ele.

[…]

Entendeu a produção do referido programa da RTP que, apesar do trabalho desenvolvido por esta organização que representa cerca de 50 000 docentes, não havia interesse em conhecer os seus pontos de vista, o diagnóstico que faz das atuais situações da Educação e dos professores em Portugal. Poderia pensar-se que a opção da RTP teria sido a de não ter representantes de entidades ou organizações, mas não foi o que aconteceu, uma vez que estiveram no debate, por exemplo, a presidente do Conselho Nacional de Educação e o presidente de uma associação de diretores. Estiveram professores, sim, mas exceção feita aos que desenvolvem determinados projetos, os demais eram representantes de si próprios, condição que não se altera por serem dinamizadores de blogues. Não se vislumbra a justificação para privilegiar representações individuais em detrimento de coletivas e, mais do que isso, para excluir estas no que toca aos professores, grupo profissional determinante para os assuntos em análise.

A continuada tentativa de silenciamento dos sindicatos de professores é uma queixa antiga da Fenprof, a maior e mais activa federação sindical de professores. Integra-se numa estratégia mais vasta, que passa não apenas pela desvalorização do movimento sindical, considerado retrógrado, rotineiro e ultrapassado face aos problemas e desafios do mundo laboral no século XXI, mas da própria classe docente, que se procura desta forma menorizar.

Independentemente das queixas ou das críticas que tenhamos a fazer aos sindicatos que, bem ou mal, nos representam institucionalmente, há que reconhecer as razões da Fenprof e a oportunidade deste comunicado: no debate em causa, que noticiei aqui, estiveram presentes um representante associativo dos directores escolares e a presidente do CNE. Já em relação aos professores, por sinal bem representados pelo Paulo Guinote, o Luís Braga e outros – até o director Filinto Lima invocou, mais de uma vez, a sua condição de professor – não foi seguido o mesmo critério de representação institucional. Esta normalização da exclusão dos sindicatos do espaço mediático não é aceitável numa sociedade democrática, quaisquer que sejam as razões invocadas para a justificar. Muito menos numa televisão pública, financiada com dinheiro dos contribuintes e obrigada a deveres de isenção na prestação do serviço público televisivo.

Escusada era a crítica subliminar à presença, no programa em causa, de professores que apenas se representam a si próprios. É verdade que Guinote e os outros apareceram em nome individual, mas não me parece que a afirmação da Fenprof no espaço público deva fazer-se à custa da exclusão de professores que, por mérito próprio, conquistaram alguma notoriedade pública e dignificam a classe docente, como se viu, com as suas intervenções. Se alguém tivesse a infeliz ideia de me convidar para algo deste género, avesso como sou à exposição mediática, de bom grado delegaria em alguém do meu sindicato a minha representação. Mas outros colegas não o quererão fazer, e estão no seu direito.

Além de que a pluralidade de pessoas e ideias, numa classe profissional tão numerosa e diversificada como é a dos professores, deve ser valorizada. Com uma longa história, de que se deve orgulhar, de defesa e dignificação da classe docente, a Fenprof deveria congratular-se com o reconhecimento público que alguns professores vão alcançando autonomamente. Fica-lhe mal, certamente, este menosprezo, esta inveja mal dissimulada, em relação aos “dinamizadores de blogues”. Os adversários da classe docente podem estar em muitos lados. Mas é mau sinal quando começamos a caça às bruxas entre os próprios professores.

O que nos leva à relação difícil que o sindicalismo docente parece ter com a blogosfera e as redes sociais dos professores. É que nem sempre foi assim: recordo o exemplo pioneiro de um dos primeiros fóruns criados especificamente para professores no site do SPN, ainda antes da popularização dos blogues. Era um espaço largamente participado pela franja, na altura ainda minoritária, dos professores que frequentavam com regularidade a internet. Mas não foi capaz de evoluir e de se adaptar, vindo a perder terreno para os blogues e, mais tarde, as redes sociais, em especial o Facebook, onde hoje se concentra a larga maioria dos professores que frequentam o ciberespaço.

Há um distanciamento crescente dos professores em relação aos seus sindicatos e isto passa, não apenas por alguns erros cometidos na acção sindical, mas também por uma notória dificuldade de comunicação entre as “bases” – os professores imersos no quotidiano escolar – e as direcções sindicais, que não têm sabido renovar e se vêm progressivamente afastando desse quotidiano vivido e sentido nas escolas. Os sindicatos, e falo aqui sobretudo dos da Fenprof, que continuam a ser a referência do sindicalismo docente – os seus detractores raramente ou nunca criticam os restantes, é como se não existissem – devem aproximar-se dos professores que representam, ouvindo-os e dando-lhes voz. Investindo, nomeadamente, numa maior e melhor presença nos media, na internet e nas redes sociais. Que tal, em vez da crítica recorrente aos bloggers, seguir-lhes o exemplo?…

Professores, estrelas televisivas?

rap-estudoemcasaO mediatismo que alguns professores da “telescola” adquiriram nos últimos tempos extravasou das aulas para a presença noutros programas televisivos e para o comentário na imprensa e nas redes sociais. E levou-me a escrever sobre o assunto no balanço da semana que faço habitualmente no blogue ComRegras. Este texto recupera e desenvolve o breve comentário que então fiz.

É tão invulgar a presença de professores do básico ou do secundário na televisão portuguesa que as emissões do “EstudoEmCasa teriam, forçosamente, de dar nisto: o cidadão comum apercebeu-se de que o ensino já não é hoje a tal escola retrógrada e parada no tempo que se tornou cliché de uns quantos charlatães da (semi)nova pedagogia. Afinal, parece que as aulas dos professores formados na “escola do século XX” podem ser dinâmicas, integrar recursos diversificados e recorrer às tecnologias. Os professores podem ser imaginativos e até divertidos, na constante busca de formas eficazes de ensinar e aprender. Mesmo que o ensino continue a ser directivo e expositivo, o que no caso da telescola é uma inevitabilidade, tendo em conta o carácter unidirecional da comunicação pelo meio televisivo.

O #EstudoEmCasa trouxe fama a alguns professores e deu-os a conhecer a outros públicos, além dos alunos da telescola. O caso mais notório foi o da dupla de professoras de Inglês que inventou uma espécie de rap para ensinar os meses do ano. O convite para irem a programas de entretenimento televisivo foi insistente, e as colegas acabaram decidir comparecer.

Durante a semana, o assunto foi amplamente discutido entre os professores. Uma discussão que começou com um post algo polémico no ComRegras, chegou à imprensa e se espraiou pelas redes sociais. Não tendo estado em causa, suponho, a liberdade pedagógica inerente à criação de uma estratégia motivadora para os alunos, a questão colocou-se sobretudo ao nível do estrelato televisivo. Devem os professores expor-se desta forma, a eles e ao seu trabalho, em programas de entretenimento? Discutível, sobretudo quando uma das envolvidas acabou a confessar o seu arrependimento e as pressões a que terá sido sujeita.

Mas… por outro lado, porque não? Estará um professor civicamente diminuído em relação à generalidade dos cidadãos que desta forma se dão a conhecer? Se um ministro, que calhou ser da Educação, pode ir a um programa de entretenimento matinal falar do que não sabe, não fará melhor figura um professor a falar da sua profissão?

Pela minha parte, bato-me há muitos anos por uma maior visibilidade pública da classe docente e por um papel mais influente desta, tanto junto da opinião pública como na definição das políticas educativas. Pelo que só devo congratular-me com o protagonismo dado às colegas, ainda para mais assente no reconhecimento da sua competência profissional.

Contudo, importa estar atento às cedências e compromissos que os quinze minutos de fama televisiva podem implicar. Quer isto dizer que qualquer professor que, sendo convidado nessa qualidade, vá à televisão, deve estar consciente de que, mesmo involuntariamente, está de alguma maneira a representar a sua profissão.

Intervir de uma forma que valorize o nosso trabalho e dignifique a nossa profissão, num ambiente que não é aquele a que estamos habituados, nem sempre é fácil, sobretudo em programas que abusam do tom ligeiro, e às vezes brejeiro, para entreter audiências. Pelo que o desafio é usar com inteligência o meio televisivo, sem se deixar instrumentalizar por ele. Há a considerar que reduzir o trabalho docente à caricatura da sala de aula e à piada fácil, preconceituosa e estereotipada é uma velha tradição do humor à portuguesa. Que vem já do tempo, pelo menos, das Lições do Tonecas

Professores, líderes de audiências

estudo-em-casa-rtp.jpgA RTP Memória foi “líder de mercado” na segunda-feira entre as 09:00 e as 11:20, com 16,3% de ‘share’, no dia do arranque do #EstudoEmCasa, destinado aos alunos do ensino básico, divulgou hoje a RTP.

Ao SAPO Mag, a RTP avançou que a RTP Memória foi o quarto canal mais visto na segunda-feira, quadruplicando a sua audiência média.

Em comunicado, a RTP refere que no dia em que arrancou o projeto de ensino à distância, “a RTP Memória foi o canal mais visto junto do ‘target’ 04-14 anos, registando 42,3 mil espetadores e uma quota de 14,3%”.

Mais detalhadamente, no ‘target’ 04-14 anos, a faixa horária entre as 08:00 e as 12:00, a RTP Memória registou 37,6% de ‘share’ [quota de mercado], entre as 12:00 e as 15:00 teve 21,8% de ‘share’ e no período das 15:00 e 18:00, a quota de mercado foi de 15,4%.

Produzidas em tempo recorde, as aulas da nova telescola estão a dar nova vida à televisão, um meio de comunicação que as novas gerações já quase tinham abandonado. E basta dar uma volta pelos comentários nas redes sociais para ver como são admirados e elogiados os professores que, de um dia para o outro, aceitaram o enorme desafio de reinventar a profissão e enfrentar as câmaras, para poderem chegar a uma enorme plateia de alunos virtuais.

A verdade é que o seu trabalho, quase sempre invisível ou olhado com preconceito pela opinião que se publica, está agora a merecer uma apreciação muito positiva por parte de quem, por mera curiosidade ou assumindo responsabilidades parentais, espreita as aulas da RTP.

Claro que um olhar clínico – ou cínico! -, sobre as aulas televisivas, não demorará a encontrar defeitos. Uma hesitação aqui, uma frase imprecisa acolá, uma quantidade enorme de matéria despejada a mata-cavalos nalgumas aulas, o natural e perfeitamente justificado nervosismo de quem se vê pela primeira vez metido nestes apertos. Mas é evidente que muito disto também está presente nas aulas reais, feitas por pessoas de carne e osso, que não são nem têm de ser actores, entertainers ou conferencistas. Os professores, mais do que quaisquer outros, deveriam sabê-lo. Curiosamente, são eles os que, aparentemente, se têm mostrado mais críticos da prestação dos colegas. O que, no momento em que a profissão é justamente valorizada e enaltecida, põe em evidência que há uma velha especialidade docente em que continuamos mestres: a de dar tiros nos pés.

Violência escolar no Prós e Prós

pros-pros.JPGA violência escolar esteve em debate na RTP na passada segunda-feira. Reconhecendo a importância e oportunidade do tema, não gosto do formato do programa, que mais apropriadamente se deveria chamar Prós e Prós. Embora se tente ensaiar o confronto de ideias e a polémica, o que dali resulta quase sempre é a insinuação de falsos consensos e, muitas vezes, a sensação de superficialidade e tempo perdido que invade o espectador atento e interessado no tema do debate.

Um ponto sensível deste tipo de debates é a cuidadosa hierarquização dos convidados. Os VIPs, com direito a ocupar um dos dois palanques no palco. Seguem-se os de segunda categoria, que se sentam na parte da frente da plateia e que, com sorte, poderão ser chamados a animar a festa com as suas intervenções. Dos restantes, apenas se espera que componham o auditório e que vão pontuando com palmas as intervenções mais ousadas ou polémicas. Ou que pretendam passar por tal.

No caso em apreço, seguiram-se as regras não escritas habituais em todos os debates sobre Educação. Embora os professores sejam quem melhor conhece os alunos e avalia o que se passa nas escolas, a teorização sobre os problemas existentes é sempre remetida para outros profissionais: psicólogos, psiquiatras, economistas, académicos, encarregados de educação. Qualquer olhar exterior sobre a escola é sempre mais valorizado do que a experiência vivida no seu interior. Não é por isso de estranhar que os professores estivessem em minoria no palco e representados por situações de excepcionalidade: uma directora que ali foi chamada nesta qualidade e um professor que ganhou legitimidade para falar pelos restantes por ter ganho um prémio de “professor do ano” – atribuído por não professores.

Contudo, se no palco se desfiaram sobretudo vulgaridades e lugares-comuns, da plateia vieram algumas boas intervenções. Destaco, entre todas, a do Luís Braga, nome bem conhecido na blogosfera docente e nos grupos de professores nas redes sociais, pela forma clara e incisiva do seu discurso, aproveitando bem os “minutos de fama” que a televisão pública aceitou conceder-lhe.

Entre as ausências, foi especialmente notada a de um representante ministerial, o que reforça duas ideias que deverão ser centrais à nova governação: o low profile mediático, evitando o desgaste perante as câmaras e procurando adormecer o debate público sobre temas educativos – aquilo a que alguns ingénuos chamarão a pacificação do sector da Educação. E a ideia de que os professores deverão continuar a ser o saco de pancada e a válvula de escape do sistema, aqueles a quem se deverá poder pedir sempre mais um sacrifício ou impor, como obrigação, o que não passa de intolerável humilhação.

Num momento-chave do debate, uma frase de uma anterior ministra da Educação socialista foi oportunamente recordada. A governante, que se gabou de ter perdido os professores, mas ganho a opinião pública, assumiu pela primeira vez a escola pública como um campo de batalha, onde se degladiam forças e interesses contraditórios. Os frutos dessa conflitualidade criada quando se olhou para a escola como terreno de luta política vieram a colher-se mais tarde com a progressiva erosão da autoridade e da dignidade profissional dos professores, abandonados e hostilizados por quem os deveria valorizar e defender. E desenganem-se os pais que achem porventura que isto de os professores também estarem sujeitos a “levar no focinho” é mais democrático: o caos violento subjacente a este modelo de escola acabará por virar-se, de forma mais violenta ainda, contra os próprios alunos.

De resto, a discussão foi, como é habitual nos Prós e Prós, inconclusiva, fugindo demasiadas vezes do tema central do debate – a violência escolar – para se centrar em assuntos paralelos, lugares-comuns e, por vezes, algum narcisismo de intervenientes demasiado contentes consigo próprios. Um debate morno sublinhou a ideia de que a violência escolar está longe de ser uma preocupação nacional. E ainda mais preocupante é o número de professores que acham que ser agredido é uma coisa que só sucede a professores inflexíveis, chatos e antiquados. Ou que já ousam pensar que nada que um aluno lhes diga, ou faça, os deve incomodar ou ofender.

É para isto que servem as ordens profissionais?

liliana-santos.JPGA Ordem dos Enfermeiros (OE) pagou 36.080 euros, mais IVA, para ter uma personagem enfermeira na telenovela da SIC Nazaré. Trata-se da enfermeira Cláudia, personagem interpretada pela actriz Liliana Santos.

De acordo com o contrato, publicado em Agosto no portal BASE de contratação pública e assinado a 25 de Julho de 2019, o “objectivo é a aquisição de serviços de promoção e difusão da profissão de enfermeiro em programa televisivo”.

Esta aquisição foi confirmada ao PÚBLICO pela própria bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco. “Sim, é verdade. Esta situação está inscrita na estratégia de divulgação e dignificação da profissão”, afirmou a bastonária, sublinhando que “não foi por acaso que a palavra ‘enfermeiro’ foi escolhida como a palavra do ano em 2018”.

Se calhar, é.

Sinto alguma perplexidade perante esta ideia de defender o prestígio e a dignidade de uma profissão patrocinando uma novela. Admito que a iniciativa possa ter alguma eficácia, pelo menos entre o público-alvo destes programas televisivos. Noto no entanto que esta coisa de obrigar todos os enfermeiros que exercem a profissão em Portugal a quotizar-se para sustentar uma ordem profissional gera um apreciável fundo de maneio cuja gestão, em proveito de todos, deveria talvez ser mais criteriosa e consensual. Mas há mais…

No portal BASE também foram publicados dois contratos, um de 50 mil euros e outro de 20 mil, que visam a aquisição de pareceres relacionados com a sindicância ordenada pelo Ministério da Saúde em Abril, e que concluiu que há fundamentos para dissolver os órgãos da ordem.

Um dos pareceres foi sobre questões jurídico-administrativas e jurídico-constitucionais resultantes da sindicância e foi contratado ao professor Catedrático na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Paulo Manuel Cunha da Costa Otero, por 50 mil euros.

Ainda assim, confesso que me chocam mais os 50 mil euros pagos a um só jurista do que os 36 mil que apesar de tudo contribuem para criar e manter emprego no sector da produção televisiva.

Que uma ordem precise de gastar somas avultadas para se defender das litigâncias de um Governo que não lhe perdoa o protagonismo político que tem assumido, é um facto, só por si, bastante lamentável. Mas que este seja o “valor de mercado” que é preciso desembolsar para lutar por justiça nos tribunais portugueses, diz bem da qualidade da nossa justiça e da permeabilidade dos tribunais à influência dos ricos e poderosos. Pois se se pagam pareceres da ordem das dezenas de milhares de euros é porque muito mais se ganha, dessa forma, na barra dos tribunais. Ou se perde, caso não haja dinheiro para pagar a interminável festa da advocacia…

Sobre o Prós e Prós dedicado à Educação

pros.JPGSeguindo a mesma linha de sempre – a construção de falsos consensos destinados a legitimar as políticas e os interesses que se impõem nas diversas áreas da economia e da sociedade – o programa de ontem lá tentou reinventar a santa aliança entre governo, empresários e famílias rumo à Educação do século XXI.

Do conjunto de participantes, destaco a intervenção irrepreensível de Paulo Guinote, que era, bem vistas as coisas, o único que verdadeiramente sabia do que estava a falar.

Pois é muito fácil, olhando a escola a partir de fora, elaborar teorias acerca dos seus malefícios actuais e do que deveria ser. É fácil dar largas à imaginação, sabendo que não se irá ser confrontado, no terreno, com a concretização dos miríficos projectos.

Contudo, se invertermos a lógica da coisa, à maneira das flipped classrooms agora na moda, e exercitarmos nós, professores, a observação clínica destes pedagogos instantâneos, também conseguiremos perceber, com relativa facilidade, ao que é que eles andam.

A educação é uma potencial área de negócio e as oportunidades no sector surgem essencialmente de duas formas. Uma, relativamente benigna, convencendo os decisores a comprar determinados zingarelhos indispensáveis à educação do futuro. A outra, verdadeiramente maligna, degradando a qualidade da escola pública até que esta chegue a um nível tão baixo que crie por si só o mercado para os projectos educativos diferenciados que actualmente não se conseguem impor.

Pelo meio disto tudo, há uma ideia perigosa que vai fazendo o seu caminho: a ilusão de que as aprendizagens devem ser fáceis e divertidas, que as crianças não precisam de se esforçar para serem boas naquilo que fazem, não devem ser contrariadas e só precisam de estudar aquilo de que gostam. O embate com a realidade vai ser terrível – já está a ser – para muitos jovens criados nesta redoma de facilitismos e proteccionismos.

Uma palavra ainda para os senhores directores que marcaram ontem presença e que comprovaram uma vez mais que é mais fácil estar do lado dos decisores, a impor toda e qualquer reorganização curricular, do que do lado dos professores que a terão de executar. O entusiasmo com que defendem os projectos não os leva a largar os gabinetes da direcção para serem seus executores no terreno.

Finalmente, o secretário de Estado: confirmou a ideia que tinha dele, um demagogo hábil e insinuante. O que, tendo em conta as ideias que defende e a gente de que se rodeia, não augura nada de bom para os próximos tempos. A João Costa têm sido apontadas nos últimos tempos as estreitas ligações à OCDE. Pois bem, talvez a ambicionada carreira internacional nessa organização nos libertasse dos excessos de flexibilidade que ameaçam pôr de rastos a martirizada Educação portuguesa.

Transferências televisivas

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© Henricartoon

Babysitters electrónicos

tablets.jpgEntre adolescentes e pré-adolescentes, todos sabemos da omnipresença dos telemóveis e de outros dispositivos electrónicos que se tornaram o principal meio de acesso às redes sociais, aos jogos online e a outros conteúdos mais ou menos recreativos, informativos e interactivos. Mas, e o que dizer da relação com os aparelhos providos de ecrã durante a infância, aquele período entre os 3 e os 8 anos, em que já não são bebés, mas a adolescência ainda vem longe?

99% das casas dos portugueses dispõem de televisor, 92% de telemóvel, 70% de computador portátil e 68% de tablet. “Estes equipamentos estão nos espaços comuns da casa, ao alcance das crianças e, em alguns casos, até lhes pertencem. As crianças apropriam-se dos dispositivos comuns e conseguem manuseá-los com facilidade”, especifica a ERC. Em dois terços dos domicílios com tablet, as crianças usam o equipamento sem a vigilância dos pais e dos irmãos mais velhos e, em 63% dos casos, o tablet pertence-lhes.

Os dados são de um estudo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, que concluiu também que 94% das crianças vêem televisão diariamente em casa, em média mais de uma hora por dia e mais ainda ao fim de semana. Os pais admitem que muitas vezes a TV, tal como o telemóvel ou o tablet, funcionam como “babysitter”, entretendo os filhos enquanto eles estão ocupados com outras tarefas.

Menos razoável é estes aparelhos serem levados para a mesa durante as refeições, sendo usados para distrair a criança enquanto lhe metem comida na boca ou para estar entretida sem incomodar os pais. Que, não raro, se entretêm também, eles próprios, cada um com o respectivo telemóvel. É aliás uma cena que recorrentemente se observa nos restaurantes, uma família a almoçar ou a jantar e em vez de conversarem e conviverem está cada um de olhos fixos e dedos deslizantes no respectivo ecrã.

Quem não tem filhos pequenos fica ainda a saber que o telemóvel também dá jeito quando a criança está a ser vestida e quando é preciso adormecê-la ou acordá-la. O babysitter electrónico, é claro, pode ser cedido como recompensa do bom comportamento ou dos bons resultados escolares. Embora para algumas o prémio seja permanente: 18% das crianças dos três aos oito anos têm já o seu próprio telemóvel.

Em jeito de consolação acrescente-se que as famílias parecem revelar algum cuidado em relação aos conteúdos a que os filhos acedem. Os pais mais escolarizados tendem a evitar as telenovelas e os reality shows da TV generalista que os de menor instrução vêem com os filhos, preferindo a bonecada do Canal Panda e similares. Mas todos querem evitar que os filhos sejam expostos à violência, à linguagem obscena e a conteúdos de natureza sexual. Nos telemóveis e tablets o acesso à internet tende a ser direccionado para jogos e vídeos adequados à idade dos miúdos. Para mais tarde ficará a descoberta do admirável mundo das redes sociais…

 

Fidelizações conjugais e das outras

fidelizacao.jpgCada um é livre de casar e descasar as vezes que entender, obviamente, mas quando um casamento dura menos do que o período de fidelização de um contrato com um operador de telecomunicações, alguma coisa deixou de fazer sentido.

Se um casal, ao fim de oito meses, se fartou do casamento e decide, sem penalizações, voltar à vida de solteiro, por que raio é que a contratação de um serviço de internet ou TV por cabo, ou às vezes até uma simples alteração nos serviços ou no tarifário, obriga o consumidor a dois anos de fidelidade à empresa com a qual contratou?

Durante dois anos, o consumidor não é livre de se interessar por uma box mais inteligente, um pacote mais bem recheado ou uma internet com maior capacidade, ou simplesmente acabar com a relação tecnológica, pois o fim antecipado do contrato pode implicar uma penalização de centenas de euros.

Pior do que a forma de actuação das três ou quatro operadoras que dominam o mercado  e que obviamente procuram aumentar os lucros e reter a clientela, será a inoperância das entidades reguladoras, neste caso a ANACOM, cujos dirigentes principescamente pagos se mostram coniventes com as práticas abusivas das empresas, mudando as regras para que tudo continue na mesma, ou fique ainda pior.

Amarelo televisivo

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Será possível que os jornalistas das televisões nacionais desconheçam os apelos públicos dos defensores dos contratos com os colégios para que toda a gente se vista de amarelo em sinal de solidariedade com a sua causa?

E será função de um jornalista isento tomar partido de uma forma tão óbvia num tema que deveria tratar com objectividade e rigor?

Ou vamos concluir que as três toilettes  exibidas no mesmo dia, perante as câmaras das três principais televisões, foram mera coincidência, e que os pivôs dos noticiários  agiram com ingenuidade e ignorando por completo o significado da cor da roupa escolhida?

O que, se for o caso, também não abona muito a favor das suas qualidades profissionais e intelectuais.

Os Truques da Imprensa Portuguesa, onde o caso foi denunciado e amplamente comentado, é uma página no Facebook e no Twitter que se dedica a desmontar as múltiplas facetas do jornalismo manipulador e tendencioso que não raras vezes encontramos nos media portugueses.