Fazer justiça aos professores

As polémicas em torno da recuperação do tempo de serviço parecem não ter fim, mesmo quando o Governo anuncia a recuperação integral até 2027. Mas há razões para isso: não foi só com o congelamento que os professores viram descontado tempo de serviço para progressão. Uns perderam tempo nas transições de carreiras, a outros não foi contabilizado serviço prestado antes da entrada nos quadros, outros ficaram anos estagnados nas listas de progressão. Os mais azarados apanharam de tudo um pouco, e por isso há hoje professores com idade e tempo de serviço próximos em posições muito diferentes da carreira. Como corrigir, passados quase vinte anos desde que começaram estas manigâncias, as evidentes injustiças?

Paulo Prudêncio propõe a única solução que, eventualmente, poderia trazer alguma equidade e justiça à carreira dos professores. Simples, ainda por cima: contar todo o tempo de serviço de cada docente e posicioná-lo no lugar correspondente de uma carreira que deveria desenvolver-se em 34 anos.

Financeiramente incomportável, dir-se-á. Talvez não. Aplicada faseadamente, não traria acréscimos substanciais relativamente aos mecanismos complexos e rebuscados que têm sido adoptados para as recuperações e “acelerações” já levadas a cabo. E teria a enorme vantagem da transparência e da eficácia na sua aplicação.

Que o Governo se mostre interessado nesta proposta, já é outra conversa. Para quê simplificar o que se pode, enredando-o em burocracia kafkiana, complicar até ao infinito? E porque não continuar uma política de iniquidade e discriminação, se dividir continua a ser uma das melhores formas de conseguir reinar?…

Antes do mais, o tratamento político da carreira dos professores foi indecente. Permitiu contas certas e nunca se assumiu nem agradeceu o facto. Foi, de 2011 a 2024, o grupo que mais contribuiu na administração pública. Sublinhe-se que a ideia vigente de recuperação do tempo de serviço é uma vitória notável dos professores.

Além disso, esta decisão reporia efectivamente um primeiro passo para alguma justiça numa luta de duas décadas contra os 4 eixos da proletarização: carreira, avaliação Kafkiana, gestão autocrática e inferno da burocracia. Estas duas décadas são, incontestavelmente, uma longa história de indignidades, brutais injustiças, oportunismos, autocracias e caudilhismos.

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Do sofrimento ético ao sentido de justiça

Ontem no aeroporto de Munique, espaços onde jamais pensamos ter uma conversa humanizada, perguntei à empregada se podia pedir outro copo de vinho, mas meio, uma vez que um seria demais. Ela disse que não, “não estava na cara”, agradeci, antevendo que seria assim. Passado uns minutos trouxe-me meio copo de vinho e deu-me uma piscadela de olho. Ficámos a conversar, é siciliana. Em Portugal isto acontece-me muito, trabalhadores nos mais variados lugares descumprirem regras absurdas e fazerem o que acham que é correcto e não o que lhes mandaram fazer. Não as posso contar porque implicava muitas vezes pela história identificar o trabalhador, mas todas elas são recheadas de uma ideia maravilhosa, justiça contra a lei. […]

Uma relação laboral baseia-se num princípio, teoricamente, muito simples: o trabalhador cumpre uma tarefa seguindo regras e procedimentos estabelecidos pela entidade patronal, recebendo em troca uma remuneração pelo seu trabalho. Mas há situações em que, confrontado com o abuso, a desumanidade ou a injustiça, um dilema ético pode perturbar o trabalhador: deve seguir as regras absurdas que superiormente foram determinadas, ou fazer, em certas circunstâncias, o que a sua consciência lhe diz ser o mais justo e correcto?

Agir repetidamente contra a sua consciência, sentindo-se cúmplice de uma organização social e laboral injusta, pode colocar o trabalhador numa situação que os especialistas designam como sofrimento ético. Raquel Varela reconhece que este sofrimento pode, em situações extremas, ser bastante penoso e destrutivo. Mas convida-nos a agir sobre ele, de uma forma que pode interessar também aos professores: estaremos condenados a ser paus mandados de ministros demagogos e directores prepotentes, cumprindo burocracias insanas, alinhando em macacadas pseudo-pedagógicas e no facilitismo em toda a linha? Devemos deixar que a máquina trituradora vá desfazendo aos poucos a nossa consciência, a nossa ética, o nosso profissionalismo? Ou, em vez disso, seguir o conselho sábio de transformar o sofrimento em arte de conspirar e ir colocando na máquina, com cautela, as pedrinhas e os pauzinhos que acabarão por emperrar a engrenagem?…

No caso, a economia moral aqui (o sentido de justiça) é que eu tinha pago 10 euros por um copo de vinho num aeroporto, pelo que na realidade tudo já estava pago – o vinho, o trabalho, e muito lucro de muita gente que não trabalha. É claro que eu fui buscar um exemplo descabido, o sofrimento ético é o do jornalista obrigado a tratar o genocídio em Gaza como mais uma guerra entre iguais; o médico que segue um protocolo que o protege juridicamente mas coloca em risco a saúde do doente; o professor que dá uma matéria absurda e esvaziada de interesse científico porque o Ministério assim decidiu, o juiz que despacha a metro.

Quando o professor Dejours esteve connosco num dos estudos em Portugal disse em público numa conferência onde isto foi abordado, para uma audiência de centenas de professores, está gravado, quando lhe perguntaram o que fazer, “conspirem, não se deixem apanhar para não sofrerem as consequências, mas têm que conspirar para mudar, se não vão sofrer”. […]

Pensamento do dia

Ontem chamavam-me terrorista, mas quando saí da prisão muitas pessoas me abraçaram, incluindo os meus inimigos.
É isso que conto àquelas pessoas que dizem que os que lutam pela libertação do seu país são terroristas.

Nelson Mandela

Em defesa da paz

Londres, 28 de Outubro

Quando por todo o mundo vamos assistindo a enormes manifestações populares de solidariedade com o martirizado povo da Palestina, torna-se evidente que a narrativa dominante nos media, impulsionada pela propaganda sionista, já deixou de convencer. Mesmo o dramatismo que se tenta explorar em torno das duas centenas de reféns feitos pelo Hamas perde o seu efeito quando confrontamos as perdas israelitas com o massacre que está a ser cometido em Gaza por um estado dito de direito e democrático, ainda para mais, em completa impunidade e perante a passividade da comunidade internacional. É certo que todo o sofrimento humano merece solidariedade e respeito e todos os crimes, incluindo os que são cometidos em nome da alegada “segurança nacional”, merecem castigo, mas o foco deveria estar naquilo que ainda poderíamos evitar, que é a catástrofe humanitária em Gaza: nos próximos dias, se não houver um cessar-fogo para assistência humanitária, poderão morrer dezenas, senão centenas de milhares de pessoas, não apenas devido aos bombardeamentos mas também à falta de água potável, alimentos e medicamentos.

Entretanto, a irracionalidade campeia, e se os mais fanáticos sionistas já apelam abertamente ao extermínio dos palestinianos, noutras partes do mundo ressurgem correntes anti-semitas que ameaçam ressuscitar perseguições e pogroms, não augurando nada de bom. No meio da desgraça, talvez o mais encorajador sinal de esperança dos últimos dias seja a demonstração de que os povos, ao contrário dos seus líderes, quer a paz. Uma evidência na velha Europa, sempre pronta a dar lições ao mundo de liberdade, democracia e direitos humanos, mas onde até já se proíbem, nalguns países, as manifestações de solidariedade com o povo palestiniano. Em vão, pois as proibições apenas serviram para chamar os cidadãos às ruas, desafiando e desautorizando estadistas medíocres, que não sabem nem estar à altura das suas responsabilidades nem interpretar os sentimentos e a vontade do povo que representam, preferindo alinhar politicamente ao lado do governo corrupto e genocida de Israel.

Mesmo em Israel, largas facções da sociedade israelita não se deixaram instrumentalizar e fanatizar pelas políticas extremistas de Netanyahu. É nelas que julgo poderem depositar-se algumas moderadas esperanças de que um melhor futuro seja possível para a israelitas e palestinianos. Quando não desistimos de ser humanos e racionais e recusamos embarcar na espiral do ódio, da violência e da vingança, é possível ver a realidade com outra clareza. Ao fim de 75 anos de conflitos, já deu para perceber que nem Israel vai ser capaz de expulsar ou matar todos os árabes da Palestina nem os palestinianos vão conseguir exterminar ou empurrar para o mar os judeus israelitas. Estão, assim, esperemos que mais cedo do que tarde, condenados a entender-se.

Como se depreende da análise de Gershon Baskin, um moderado israelita com vasto conhecimento dos bastidores da política no Médio Oriente, que diversas vezes actuou como mediador entre o governo do seu país e o Hamas: não é possível enjaular um povo na nossa vizinhança e esperar ter paz. Negociações sérias para chegar a uma paz doradoura e digna para ambos os povos não serão possíveis agora, mas não podem continuar a ser eternamente adiadas. Campanhas punitivas de pacificação provocam mais mártires, formam a próxima leva de combatentes e apenas conseguirão alcançar a paz dos cemitérios. E mesmo essa não durará para sempre.

Nós, israelitas, temos de começar finalmente a enfrentar a ilusão em que temos vivido durante décadas com uma aceitação quase total. Deve tornar-se claro para todos nós que não se pode ocupar outro povo durante 56 anos e esperar ter paz. Não se pode encerrar mais de 2 milhões de pessoas numa jaula humana e esperar ter sossego. 17 000 trabalhadores palestinianos em Israel foi um bom começo do Governo Bennett-Lapid, mas é muito pouco e demasiado tarde para começar a mudar a realidade em Gaza e para criar um verdadeiro interesse em manter uma relativa calma. A ideia errada de que o Hamas poderia ser travado está finalmente a ser compreendida, mas pelas razões erradas. Tenho-me pronunciado contra a ideia da possibilidade de dissuadir o Hamas durante e após cada ronda de combates com o Hamas e a Jihad Islâmica em Gaza. Tenho dito repetidamente nos estúdios da televisão israelita que Israel não pode criar dissuasão contra o Hamas. Não só os combatentes e os líderes do Hamas não têm medo de morrer, como recrutam combatentes do Hamas desde tenra idade, de famílias enlutadas, imediatamente após cada ronda de conflito. Estes são então educados nos valores islâmicos (distorcidos) de morrer pela Palestina, por Alá, pelo Islão, por Al Aqsa e para se vingarem da morte do pai, do irmão, da mãe, da irmã, etc. Acreditam verdadeiramente que a vida na terra é curta e só tem verdadeiro significado se nos tornarmos mártires, um shaheed por Alá, pela Palestina, por Al Aqsa, pelo Islão e para conseguir vingança. Tornar-se um shaheed é a garantia do paraíso eterno, que é muito mais importante do que a curta vida neste mundo. Como é que se pode exercer dissuasão contra isto? Mas os generais reformados nos estúdios de televisão nunca concordaram e nunca ouviram, assim como os generais e os políticos que tomam as verdadeiras decisões sobre o que Israel faz.

Excerto traduzido daqui.

Em paz com os professores

Na reação a Pedro Nuno Santos, o ministro da Educação diz que o Orçamento do Estado não se pode comprometer com o que não é possível fazer. Mas, João Costa diz que está em paz com os professores.

Em tempos de guerra, João Costa opta pela postura pacifista: afirma-se em paz com os professores. E, na verdade, nem terá muitas razões de queixa: os professores engoliram as xaropadas da flexibilidade curricular, da inclusão faz de conta e da avaliação maiata; continuam a dar o litro nas escolas, inventando projectos e tretas avulsas com que ocupam tempo que deveriam dedicar à sua vida pessoal; aguentam as prepotências dos directores e às exigências da administração escolar; aceitam até como coisa normal que só ao fim de muitos meses o ME lhes pague os aumentos de vencimento, as subidas de escalão ou as ajudas de custo a que têm direito.

Enquanto foi Tiago «Nulo» Rodrigues o testa-de-ferro à frente dos destinos da Educação, o então secretário de Estado era até bastante popular entre os professores, e só quando teve de ser ele a assumir a recusa radical do Governo em devolver um dia mais que fosse do tempo de serviço dos professores é que o novo ministro passou, rapidamente, de bestial a besta.

A paz é uma ideia louvável e um objectivo que a humanidade deverá sempre perseguir. Mas uma paz verdadeira e duradoura é indissociável da ideia de justiça. Para o opressor – e as guerras recentes demonstram isso mesmo – a paz assente na humilhação e na exploração dos mais fracos, quando não no seu extermínio puro e simples, é uma ideia tentadora para todos os poderosos. Porque não ficam os habitantes de Gaza sossegadinhos, acotovelando-se no exíguo cantinho de Palestina que Israel lhes destinou? Porque não deixam os israelitas viver em paz nos territórios que lhes roubaram?

A realidade concreta é muito diferente, mas a mesma lógica se pode aplicar à luta dos professores: sentem-se injustiçados com o muito que, ao longo dos anos, lhes roubaram. E não estão dispostos a dar paz ao ministro, nem ao governo a que pertence ou ao partido que o apoia, enquanto não lhes fizerem a justiça a que têm direito, devolvendo o que lhes retiraram.

Igualdade, equidade, justiça

O boneco é um dos muitos que pretendem explorar, na perspectiva educativa, o velho tema do combate às desigualdades. Dar a todos as mesmas condições de acesso – neste caso, escadotes com as mesmas dimensões – parece ser uma boa aplicação do princípio da igualdade; na prática, está-se a ignorar que as crianças não estão todas nas mesmas condições. Para chegar às maçãs, que do seu lado estão mais altas ou mais esparsas, algumas crianças precisarão de escadotes maiores – o que nos leva ao princípio da equidade, ou seja, em vez de dar o mesmo a todos, dar a cada um aquilo de que precisa.

Melhor do que igualdade ou equidade, é a ideia de justiça: corrigir o sistema – neste caso, a árvore inclinada para um dos lados – de forma a proporcionar, com idênticas ferramentas, as mesmas oportunidades a todos.

Claro que os bonecos retratam uma situação ideal: a árvore carregada de frutos, que apenas é preciso apanhar e comer. Na vida real, qualquer economista nos dirá que não existem almoços grátis. A árvore cresce no terreno de alguém, teve de ser plantada e continuará a ter regada e cuidada para que continue a dar frutos. Ora é precisamente aqui que nascem a desigualdade e a injustiça, na exploração do trabalho e na concentração de riqueza nos detentores dos meios de produção. O dono da árvore irá sempre comer mais e melhores maçãs…