João Reis é um jovem escritor português que despertou, nesta entrevista ao JN, a minha atenção. No seu livro mais recente, Cadernos da Água, explora uma realidade que parece incontornável num futuro cada vez mais próximo e, se calhar, já presente: a escassez global de água potável e as secas e alterações climáticas que a potenciam.
Vai para a minha lista dos autores a ler proximamente enquanto por aqui ficam, para já, alguns dos excertos mais lúcidos e pertinentes de uma longa entrevista que se espraia sobre temas vastos e interessantes: política, civilização, cultura, sociedade, elitismos, natureza humana ou literatura. Em suma, uma reflexão estimulante e que dá que pensar…
Basta pensarmos no que sucedeu previamente à Segunda Guerra Mundial, só para referir um dos exemplos mais óbvios, para percebermos que os políticos não são, em geral, sujeitos dotados de uma grande visão de futuro ou sequer de uma inteligência mediana. Penso que a maioria dos políticos tem como principal objetivo a garantia do seu bem-estar pessoal, não o da sociedade, pelo que lhe falta a necessária capacidade de reflexão a longo prazo. O mesmo se aplica à generalidade da população, que vive de modas e concentrada, de modo por vezes quase doentio, na exaltação do seu ego e daquilo que vê como grandes feitos individuais. Pensar em outrem, noutros povos, noutras espécies, no mundo não é algo inato a muita gente.
O progresso deve-se quase sempre a uma minoria que tenta inculcar um certo tipo de pensamento e de mudanças à sociedade. É curioso refletir sobre quem pertence a esta minoria; ao contrário do que se possa pensar, não é o assim designado «povo» que leva a alterações sociais. Esse esteve sempre sob o jugo das contenções físicas e económicas impostas por uma minoria que sobre ele exerce violência (física e económica, precisamente), e demasiado preso à luta pela sobrevivência e, por conseguinte, atolado em problemas que o impedem de pensar nestas eventuais conquistas civilizacionais. E, como é evidente, os mais poderosos, vulgo, os mais ricos, nunca tiveram nenhum interesse em mudar o que quer que fosse, daí estarem sempre aliados ao pensamento político conservador, às religiões, etc. Quem sempre propagou as ideias mais progressivas foi uma minoria que viveu ou vive acima do limiar da luta pela sobrevivência, mas que também não pertence ao clube restrito dos mais ricos. Não é por acaso que a classe média tem sido destruída: a classe média lia mais, inquiria mais, exigia mais. Se se tiver uma população pobre, que não lê nem estuda, e vive entre o polo da mera subsistência e o da luta pela riqueza material, sem que a esta riqueza material esteja sequer associado qualquer interesse por cultura ou política, temos caminho aberto para políticas retrógradas, para a expansão da extrema direita, e para a violência e o tradicional pensamento mesquinho dos políticos.
Não creio que o homem seja naturalmente bom, isso foi uma patetice de Rousseau. Naturalmente, o homem nem é bom nem é mau, porque para se saber se é bom ou mau, precisamos de lhe aplicar conceitos éticos, artificiais, que ao longo da História foram transmitidos sobretudo sob a forma de religiões ou outras mitologias. A sociedade, no sentido de civilização, é na verdade a tentativa de conter os – digamos assim – maus instintos do indivíduo, que no fundo não são bons nem maus instintos, mas apenas o que são. O facto de termos de viver em comunidades de centenas, milhares, milhões de pessoas obriga-nos a sujeitar estas pessoas a um determinado código de valores, e nada mais. Não creio que a maioria das pessoas seja «má» no sentido ético que por norma atribuímos à palavra. No entanto, também não creio na extrema bondade do indivíduo, que acho capaz de cometer as maiores atrocidades se os seus atos permanecerem ocultos, e muito menos na da sociedade, que mastiga e cospe os indivíduos que a constituem sem qualquer problema. Todavia, a sociedade é necessária para que os indivíduos receiem um qualquer tipo de castigo e se coíbam de agir sem pensar nas consequências. Se a sociedade não aplicar leis, normas e proibições, não creio que seja possível fazer progredir a humanidade.
Temos uma elite cultural fechada em si mesma, retrógrada, quase toda proveniente de um meio privilegiado, que ignora e até enxovalha tudo o que é novo e diferente, em especial os grandes temas que preocupam as novas gerações por todo o mundo, como as alterações climáticas, a globalização, a transição para um mundo de trabalho mais precário, a incapacidade de um jovem trabalhador se sustentar a si mesmo, etc. Continuam a publicar obras e mais obras sobre factos ocorridos há décadas, revisitando temas batidos a que nada acrescentam, e quando tentam abordar a atualidade, fazem-no com pinças e uma sobranceria que lhes é característica em tudo o que escrevem.
Há uma tendência geral para se encurtar a narrativa, por forma a tentar atrair o leitor contemporâneo. No meu caso, não é algo que me incomode, porque o estilo que uso se coaduna com livros mais curtos, exigindo que a obra não se alongue demasiado, e de resto prefiro romances curtos a calhamaços que poderiam ser reduzidos a metade em muitos dos casos. No entanto, é com inquietação que assisto a uma cada vez maior incapacidade para se ler, e sobretudo para se entender o que se leu. As pessoas passam demasiado tempo nas redes sociais, em partilhas de conteúdo desprovido de conteúdo, em beijos e abraços virtuais, e decerto sobrará pouco tempo para ler.
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