Já não há criadas como antigamente!

Que isto das empregadas está pela hora da morte. Exigem direitos disto e daquilo, à mínima coisa despedem-se, não querem trabalhar!

Já um jovem casal não consegue ter a vida descansada que no tempo da Mãe se fazia. Se ao menos o Estado subsidiasse o colégio dos piquenos

Enfim… No dia em que algum politólogo quiser estudar a sério as causas do desaparecimento da representação parlamentar do CDS, pode começar por aqui. É todo um auto-retrato da bolha em que vive esta gente sem noção…

Cimeira do Clima

A parte da cimeira que não passa nas notícias: os jactos privados em que se deslocam os participantes, demonstração clara de que, quando se trata de passar da teoria à prática, a “emergência climática” é no mínimo muito relativa. Também se percebe que as elites que se declaram preocupadas com as alterações climáticas continuam a colocar-se de fora das medidas drásticas de que necessitamos para parar o aquecimento global.

“Uma elite cultural fechada em si mesma”

João Reis é um jovem escritor português que despertou, nesta entrevista ao JN, a minha atenção. No seu livro mais recente, Cadernos da Água, explora uma realidade que parece incontornável num futuro cada vez mais próximo e, se calhar, já presente: a escassez global de água potável e as secas e alterações climáticas que a potenciam.

Vai para a minha lista dos autores a ler proximamente enquanto por aqui ficam, para já, alguns dos excertos mais lúcidos e pertinentes de uma longa entrevista que se espraia sobre temas vastos e interessantes: política, civilização, cultura, sociedade, elitismos, natureza humana ou literatura. Em suma, uma reflexão estimulante e que dá que pensar…

Basta pensarmos no que sucedeu previamente à Segunda Guerra Mundial, só para referir um dos exemplos mais óbvios, para percebermos que os políticos não são, em geral, sujeitos dotados de uma grande visão de futuro ou sequer de uma inteligência mediana. Penso que a maioria dos políticos tem como principal objetivo a garantia do seu bem-estar pessoal, não o da sociedade, pelo que lhe falta a necessária capacidade de reflexão a longo prazo. O mesmo se aplica à generalidade da população, que vive de modas e concentrada, de modo por vezes quase doentio, na exaltação do seu ego e daquilo que vê como grandes feitos individuais. Pensar em outrem, noutros povos, noutras espécies, no mundo não é algo inato a muita gente.

O progresso deve-se quase sempre a uma minoria que tenta inculcar um certo tipo de pensamento e de mudanças à sociedade. É curioso refletir sobre quem pertence a esta minoria; ao contrário do que se possa pensar, não é o assim designado «povo» que leva a alterações sociais. Esse esteve sempre sob o jugo das contenções físicas e económicas impostas por uma minoria que sobre ele exerce violência (física e económica, precisamente), e demasiado preso à luta pela sobrevivência e, por conseguinte, atolado em problemas que o impedem de pensar nestas eventuais conquistas civilizacionais. E, como é evidente, os mais poderosos, vulgo, os mais ricos, nunca tiveram nenhum interesse em mudar o que quer que fosse, daí estarem sempre aliados ao pensamento político conservador, às religiões, etc. Quem sempre propagou as ideias mais progressivas foi uma minoria que viveu ou vive acima do limiar da luta pela sobrevivência, mas que também não pertence ao clube restrito dos mais ricos. Não é por acaso que a classe média tem sido destruída: a classe média lia mais, inquiria mais, exigia mais. Se se tiver uma população pobre, que não lê nem estuda, e vive entre o polo da mera subsistência e o da luta pela riqueza material, sem que a esta riqueza material esteja sequer associado qualquer interesse por cultura ou política, temos caminho aberto para políticas retrógradas, para a expansão da extrema direita, e para a violência e o tradicional pensamento mesquinho dos políticos.

Não creio que o homem seja naturalmente bom, isso foi uma patetice de Rousseau. Naturalmente, o homem nem é bom nem é mau, porque para se saber se é bom ou mau, precisamos de lhe aplicar conceitos éticos, artificiais, que ao longo da História foram transmitidos sobretudo sob a forma de religiões ou outras mitologias. A sociedade, no sentido de civilização, é na verdade a tentativa de conter os – digamos assim – maus instintos do indivíduo, que no fundo não são bons nem maus instintos, mas apenas o que são. O facto de termos de viver em comunidades de centenas, milhares, milhões de pessoas obriga-nos a sujeitar estas pessoas a um determinado código de valores, e nada mais. Não creio que a maioria das pessoas seja «má» no sentido ético que por norma atribuímos à palavra. No entanto, também não creio na extrema bondade do indivíduo, que acho capaz de cometer as maiores atrocidades se os seus atos permanecerem ocultos, e muito menos na da sociedade, que mastiga e cospe os indivíduos que a constituem sem qualquer problema. Todavia, a sociedade é necessária para que os indivíduos receiem um qualquer tipo de castigo e se coíbam de agir sem pensar nas consequências. Se a sociedade não aplicar leis, normas e proibições, não creio que seja possível fazer progredir a humanidade.

Temos uma elite cultural fechada em si mesma, retrógrada, quase toda proveniente de um meio privilegiado, que ignora e até enxovalha tudo o que é novo e diferente, em especial os grandes temas que preocupam as novas gerações por todo o mundo, como as alterações climáticas, a globalização, a transição para um mundo de trabalho mais precário, a incapacidade de um jovem trabalhador se sustentar a si mesmo, etc. Continuam a publicar obras e mais obras sobre factos ocorridos há décadas, revisitando temas batidos a que nada acrescentam, e quando tentam abordar a atualidade, fazem-no com pinças e uma sobranceria que lhes é característica em tudo o que escrevem.

Há uma tendência geral para se encurtar a narrativa, por forma a tentar atrair o leitor contemporâneo. No meu caso, não é algo que me incomode, porque o estilo que uso se coaduna com livros mais curtos, exigindo que a obra não se alongue demasiado, e de resto prefiro romances curtos a calhamaços que poderiam ser reduzidos a metade em muitos dos casos. No entanto, é com inquietação que assisto a uma cada vez maior incapacidade para se ler, e sobretudo para se entender o que se leu. As pessoas passam demasiado tempo nas redes sociais, em partilhas de conteúdo desprovido de conteúdo, em beijos e abraços virtuais, e decerto sobrará pouco tempo para ler.

Educação e desigualdades

Desde os anos oitenta do século XX que os EUA criaram uma hierarquia económica através de uma armadilha meritocrática sustentada em competições na escola e no trabalho que se alastrou às democracias ocidentais. Ou seja, o investimento financeiro acrescentou experiências curriculares mais prestigiadas que, num registo de bola de neve, tornaram a educação no factor determinante do aumento brutal das desigualdades.

Dá ideia que, no mundo global e com o peso das instituições norte-americanas, é muito difícil evitar que outras nações não caiam na desigualdade meritocrática. Mas nada se perde em discutir o assunto. Aliás, o que história nos ensina é que para onde caminharem os sistemas dos EUA irão mais lentamente os europeus. O Reino Unido já navega há muito nos mesmos mares das desigualdades educativas e da falta de professores e a França e a Alemanha vão-se aproximando. Por cá, a contaminação por estas políticas iniciou-se no início do milénio com mudanças bem identificadas na trágica quebra da solidariedade no ambiente escolar: avaliação, e precarização, dos professores numa degradante farsa meritocrática; modelo autocrático de gestão das escolas; rankings de escolas que serviram os interesses comerciais do ensino privado de elites; aumento do número de alunos por turma.

Chegados aqui, impõe-se a interrogação. E nada há a fazer?

Obviamente que há. Há mudanças sustentáveis que se devem dirigir a eixos nucleares com efeito aglutinador: alunos por turma, falta estrutural de professores e requalificação de escolas. Desde logo, eliminar a armadilha meritocrática na organização da avaliação e da gestão das escolas e perseguir a redução de alunos por turma como critério decisivo da avaliação da municipalização.

Continua…

As reflexões sempre estimulantes de Paulo Prudêncio levam-me a revisitar a tese da escola púbica como poderoso elevador social: proporcionando educação de qualidade aos filhos das classes trabalhadoras, a escola gratuita e, até certo ponto, obrigatória, dá-lhes a oportunidade de aceder a profissões mais qualificadas, até então praticamente reservadas às elites. O problema é que este elevador, que funcionou incansavelmente durante a segunda metade do século XX, fomentando a mobilidade social, o crescimento das classes médias, o aumento da produtividade, o desenvolvimento económico e o progresso social, este elevador, dizia, começou a emperrar com o advento das políticas neoliberais que levaram à mercantilização da Educação e reconduziram progressivamente os sistemas educativos à sua missão tradicional de reprodução da desigualdade.

O Paulo centra a sua análise na realidade dos Estados Unidos, um país que, nestas e noutras coisas, tem marcado as tendências e linhas de rumo que, deste lado do Atlântico, se acabam também por seguir: os colégios e universidades super-elitistas, com mensalidades de valor astronómico e escolas públicas cronicamente subfinanciadas e muito condicionadas às condições do meio social e cultural envolvente. Um sistema educativo capaz de elevar as universidades de referência ao topo dos rankings mundiais, mas incapaz de, no seu todo, ultrapassar a mediania, quando comparado com os congéneres dos outros países desenvolvidos.

Em Portugal, nem é preciso enveredarmos pela discussão extemporânea do cheque-ensino, trazida à liça eleitoral por alguns partidos de direita, para constatarmos o avanço das tendências elitistas e privatizadoras no ensino. A grande maioria dos empresários, académicos ou dirigentes políticos que andam hoje pelos 50-60 anos estudaram em escolas públicas. Mas a maior parte dos seus filhos, e seguramente a quase totalidade dos seus netos foram inscritos em escolas privadas. Quando apenas os filhos da burguesia estudavam, o liceu parecia bastante digno para o efeito. Mas quando a prol das classes inferiores invadiu as escolas básicas e secundárias, estas deixaram de ser suficientemente boas para a gente com pretensões. A ideia de base é sempre a mesma, dar aos filhos uma educação diferenciadora. Antes, uma escolarização que poucos poderiam ter. Agora, uma escola diferente e, supostamente, melhor.

Mas o que faz realmente a diferença nestas escolas? Para além da origem de classe privilegiada dos seus alunos, garantida pelas propinas cobradas à entrada, conta, como nota Paulo Prudêncio, a atenção individualizada dada aos alunos, o que só se consegue com turmas pequenas. Uma vantagem muito bem paga nos colégios de elite, mas que tem sido impossível de reproduzir nas escolas públicas, face aos orçamentos minguados e às regras restritivas que lhe são impostas.

Sendo um combate difícil, defender a escola pública de qualidade e combater a desigualdade no acesso à Educação é fundamental. Além da necessidade de valorizar o mais importante activo de qualquer escola – o seu corpo docente – o nosso colega Paulo Prudêncio aponta uma medida essencial: acabar com as turmas numerosas, impondo limites sensatos, em torno dos 20 alunos por turma, na sua constituição.

Pensamento do dia

Há uma diversidade na elite desportiva de Portugal que não encontramos noutras elites, nomeadamente as que dominam a nossa vida política, económica, judicial e financeira.

Aparentemente, se em vez de feitos desportivos o apuramento para os Jogos se pudesse obter com cunhas, nomes de família ou contas bancárias recheadas, haveria muito menor diversidade – e certamente piores resultados competitivos – na selecção olímpica portuguesa…

A filantropia das elites

A filantropia das elites dos tempos modernos serve o mesmo propósito que tinha no tempo dos barões-ladrões: reforçar o poder dos ricos.

A tese da generosidade dos homens ricos, que usam parte da sua fortuna a financiar obras de caridade e causas humanitárias, há muito que funciona como uma espécie de alibi moral do capitalismo. Depois de atingirem posições dominantes nos sectores económicos em que operam, estes bilionários gananciosos são quase sempre acometidos de um sentimento de generosidade. E resolvem partilhar o seu sucesso individual com o resto da sociedade, devolvendo-lhe uma parcela significativa do muito que ela lhes permitiu usufruir.

A criação de fundações que perpetuam a memória do fundador e financiam as causas em que ele quis apostar, o financiamento de alas de hospitais e universidades ou de projectos de ajuda ao desenvolvimento são bons exemplos da filantropia dos bilionários. Para os que ainda conservam alguns escrúpulos morais, esta é também a forma de se redimirem da exploração desenfreada dos seus trabalhadores, das práticas anti-concorrenciais que adoptaram, da destruição da natureza e dos recursos naturais que as suas actividades desencadearam. Mas são também a demonstração de que “o mercado funciona” e que podemos bem dispensar um Estado social forte, assistencialista e regulador, porque os próprios empresários assumem a responsabilidade social de olhar pelos mais fracos e desprotegidos, atenuando a desigualdade extrema a que conduz a exploração capitalista.

No entanto, como nos lembra Luke Savage, esta filantropia das elites está longe de ser desinteressada. Os filantropos têm muito a ganhar, não em dinheiro, mas noutras formas, não menos valiosas, de capital. Ao poder do dinheiro que nunca deixam de ter – mesmo quando anunciam aos quatro ventos que irão doar quase toda a sua fortuna a causas sociais, como fez há uns anos Bill Gates – juntam o soft power da boa reputação e do capital político.

A filantropia das elites, longe de ser apenas uma solução inadequada para os problemas sociais, acaba por servir para os enraizar e perpetuar – oferecendo a um pequeno punhado de elites um veículo útil para a compra da virtude e do soft power que a acompanha, à custa do resto da população.

Talvez seja altura de tentarmos antes a democracia.

De ambulância ou de helicóptero, sôtor?

heli.gif…Ao fim destes anos, temos um SNS degradado e caótico onde: se morre em longas listas de espera de meses ou anos para consultas ou cirurgia, consoante a especialidade; há legionella que mata em hospitais públicos; doentes com cancro sem poder fazer exames e que morrem à espera; equipamentos alugados a hospitais privados por serem obsoletos ou estarem avariados; não há roupas de cama lavadas nem material médico suficiente e faltam medicamentos; não há acesso aos melhores tratamentos oncológicos por serem caros; as instalações hospitalares estão degradadas por falta de manutenção; não há pessoal de enfermagem ou médico suficientes por isso centenas de doentes são tratados em corredores ou salas de espera por um único enfermeiro… 

Nem de propósito: no mesmo dia em que no site do partido Aliança se publicava este arrazoado, dizendo cobras e lagartos do Serviço Nacional de Saúde, o Estado esbanjava recursos públicos para cuidar de que nada faltasse ao dr. Santana Lopes, depois do aparatoso acidente que protagonizou ao despistar-se na auto-estrada ao volante do seu automóvel.

Tratamento de luxo, de facto: digam os responsáveis do INEM o que disserem, a verdade é que não há memória de se deslocar um helicóptero para transportar um doente sem mazelas graves nem risco de vida, que chegaria mais depressa ao hospital na ambulância, com suporte avançado de vida, que já se encontrava no local do acidente, do que no helicóptero estacionado a quase cem quilómetros de distância.

No dia anterior, uma jovem de 23 anos despistou-se e caiu por uma ravina abaixo na Serra da Lousã. Aqui, apesar da gravidade do acidente, ninguém tratou de mobilizar o helicóptero de Santa Comba. E a jovem, com múltiplas fracturas, lá seguiu de ambulância, por sinuosas e esburacadas secundárias, para o hospital onde veio a falecer umas horas antes de dar entrada nesse mesmo  hospital, helitransportado, o doente VIP.

Embora a elite goste de se tratar bem, a verdade é que as cufes e as cruzes vermelhas não dispõem de meios para acudir a acidentes ou outras emergências súbitas que ocorram por esse país fora. E assim, quando o inesperado surge, ou as coisas se complicam, é aos hospitais públicos que até os liberais mais empedernidos acabam por recorrer.

Pelo que, no fundo, as duas realidades aqui em confronto – as críticas ao mau funcionamento do SNS e o tratamento diferenciado de alguns doentes, sem justificação clínica para tal – são, afinal de contas, duas faces da mesma moeda. O SNS poderia funcionar melhor se, além de ser adequadamente financiado, estivesse mais orientado para servir bem todos cidadãos. Usando os recursos disponíveis de acordo com as necessidades, sem que as cunhas, os conhecimentos ou a notoriedade pública de quem precisa de assistência fossem determinantes para ser bem tratado.

Afinal de contas, e como se comentava há pouco no Twitter…

Os Hospitais de Coimbra são, provavelmente, os melhores do país. Ainda ontem receberam uma vítima helitransportada e já lhe deram alta!

Ladrões de Portugal

Se fosse verdade, daria uma colecção deveras interessante.

E bastante completa, pois devem conhecê-los a todos..

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Tudo em família

Explorada até à exaustão pela oposição de direita, com a prestimosa ajuda da comunicação social, a polémica baseada nas conhecidas ligações familiares entre ministros do actual governo evoluiu para as acusações de nepotismo praticado pelos governantes socialistas. E levou, para já, à demissão de um secretário de Estado e do primo que este havia nomeado.

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Contudo, esta está longe de ser uma realidade circunscrita a este governo ou ao partido actualmente no poder. As elites políticas e económicas sempre se reproduziram entre nós de uma forma bastante endogâmica. Num país pequeno, de recursos limitados e fortemente dependente do exterior, a solidez das fortunas e das teias de poder e de influência sempre dependeu muito da capacidade de controlar e instrumentalizar em benefício próprio o exercício dos cargos públicos.

Nem mesmo a ruptura política concretizada pela Revolução de Abril conseguiu contrariar, de forma duradoura, o poder das famílias de outrora. Menos de meio século volvido, temos hoje um Presidente que é filho do antigo ministro das Colónias de Marcelo Caetano. Boa parte dos influentes que usam hoje o duplo apelido pertencem a famílias que pontificavam no tempo do anterior regime. E nem a queda estrondosa do grupo BES, que continuaremos por muitos anos a pagar, teria a dimensão que teve sem a teia de dependências e cumplicidades que a família de banqueiros alimentou, durante décadas, à sua volta.

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Ainda assim, a democracia trouxe novos intervenientes à política e à gestão das maiores empresas e grupos económicos. Mas o que se verificou a seguir foi mais uma recomposição das elites, aglutinando velhos e novos protagonistas, do que uma mudança definitiva nas práticas dinásticas ou na traficância de influências.

Por isso, quando se aponta hoje o dedo ao nepotismo na política ou, ainda pior, a promiscuidade entre a política, o mundo empresarial, a justiça e a advocacia de negócios, não é difícil recordar um passado recente onde tudo isto se encontrava já bem presente.

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O que haverá hoje é, talvez, uma maior visibilidade das situações. A maior presença das mulheres na política, um maior fechamento dos partidos à influência da sociedade civil, um certo sentimento de impunidade que também existe – tudo isto facilita o recurso mais frequente à “prata da casa” nas nomeações políticas. O escrutínio e a denúncia pública por jornalistas e cidadãos informados, a partilha de informação através das redes sociais, fazem o resto.

Contudo, a censura pública não é suficiente. Uma mudança efectiva desta situação só acontecerá quando os cidadãos penalizarem fortemente, nas urnas, os partidos que insistem em levar a votos os representantes das velhas dinastias políticas passadas da validade. Quando a renovação política passar a ser, para todos os partidos, um imperativo de sobrevivência. E não apenas uma intenção piedosa de que rapidamente se descartam quando chegam ao poder.

Fraude no acesso à universidade

stanfordA notícia já tem alguns dias, mas as ondas de choque continuam a propagar-se por terras do Tio Sam. Num país que gosta de acreditar na meritocracia, na igualdade de oportunidades e noutras fábulas neoliberais, descobrir que os ricos, além de serem naturalmente beneficiados no acesso à Educação, ainda fazem batota quando nem tudo corre de feição, é naturalmente perturbador…

Meia centena de pessoas foram acusadas, nesta terça-feira, de envolvimento num gigantesco esquema fraudulento que garantiu a entrada a inúmeros alunos em universidades conceituadas dos Estados Unidos — como Yale, Stanford, Georgetown, a Universidade do Sul da Califórnia (USC) e a Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) — através do pagamento de milhões de dólares.

Entre figuras de Hollywood e directores executivos de grandes empresas, pelo menos 33 pais são acusados de terem pago elevadas quantias para garantir que os seus filhos eram aceites em determinadas universidades dos EUA, segundo a acusação judicial agora conhecida. Mas no esquema estariam também envolvidos treinadores desportivos de universidades de topo, que são acusados de aceitar subornos de milhões de dólares para garantir que determinados alunos fossem aceites nas instituições de ensino, ao abrigo de programas teoricamente reservados para jovens atletas promissores, acabando por acolher estudantes que não preenchiam os requisitos académicos e atléticos necessários.

Segundo o diário New York Times, este é o maior processo relacionado com candidaturas universitárias alguma vez movido pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos. A investigação mobilizou 200 agentes a nível nacional e resultou em acusações contra 50 pessoas em seis estados norte-americanos.

O ensino superior dos EUA, embora de qualidade mundialmente reconhecida, sobretudo nas suas instituições de topo, é um sistema duplamente elitista: no acesso às universidades mais prestigiadas, onde os candidatos excedem largamente as vagas disponíveis e nos valores proibitivos das propinas cobradas, dificultando o acesso, não apenas aos pobres, mas também a quase todos os que não fazem parte daquele 1% da população norte-americana para quem o dinheiro nunca constitui problema.

A mega-fraude no acesso às universidades está a ter ampla discussão e diversas leituras. Do que li, partilho convosco um excerto da que me pareceu mais pertinente, incisiva e esclarecedora.

Os filhos da classe trabalhadora aprenderam uma lição brutal esta semana, quando os procuradores federais acusaram criminalmente pessoas ricas de comprar o ingresso em universidades de elite para os seus filhos não-tão-brilhantes.

A lição é que não importa o quanto trabalhes duro, não importa o quão inteligente ou talentoso fores, porque no fim um garoto burro, preguiçoso e rico vai-te vencer.

É crucial que todos os que não são estrelas de cinema, gestores de fundos de risco ou executivos – ou seja, 99% de todos os americanos – vejam o escândalo das admissões na faculdade pelo que ele é realmente: um microcosmo do mais vasto e corrupto sistema que funciona contra os trabalhadores, esmagando as suas oportunidades de progredir.

Esse sistema é o motivo pelo qual as pessoas ricas e as corporações receberam cortes fiscais massivos no ano passado, enquanto para os 99% eles foram insignificantes. É a razão pela qual o salário mínimo federal e o limite de horas extraordinárias estão fixos em níveis de pobreza. É a razão pela qual os sindicatos diminuíram nas últimas quatro décadas.

Este sistema é a razão pela qual não podemos ter coisas boas. Apesar de toda essa treta da terra da igualdade de oportunidades, os ricos garantem que só eles podem ter coisas boas, começando com o que podem comprar legalmente e ilegalmente para seus filhos e continuando com o que podem comprar legalmente e ilegalmente aos políticos que fazem as regras que tiram dinheiro dos bolsos de trabalhadores e o depositam nas contas bancárias dos fabulosamente ricos.

Quando o mentor do esquema de admissão em universidades de elite, William Singer, se declarou culpado esta semana, ele expôs a plataforma de lançamento disponível para os bem sucedidos garantirem que seus filhos serão bem sucedidos. Mesmo depois que os ricos pagarem para os seus herdeiros frequentar academias preparatórias proibitivamente caras, as suas notas, os resultados de testes e as actividades extra-curriculares podem não ser suficientes para entrar nas universidades da Ivy League, nas quais um diploma praticamente garante uma posição bem paga em Wall Street e, com isso, uma nova geração de acumulação de riqueza.