Os professores faltam, ou há falta de professores?

Todos os dias faltam em média 11 mil professores nas escolas

Professores faltam cerca de dois milhões de dias por ano

Cinco mil turmas por dia têm furos no horário por faltas dos professores

Quando se fala novamente, e com demasiada insistência, na recuperação do tempo de serviço dos professores; quando se vai consensualizando a importância de valorizar esta classe profissional, dignificando-a como merece, já se sabe o que esperar: aí está, bem afinado, o coro da campanha negra contra os professores, desta vez na modalidade do “faltam que se fartam!”.

O estudo, pago pela Sonae através do seu tanque-de-pensar dedicado ao sector educativo, área de negócio pela qual a Sonae tem vindo a demonstrar um crescente interesse, foi realizado por investigadores do ISCTE, a universidade do PS, à qual estão ou estiveram ligados a maioria dos decisores que têm inspirado as políticas educativas socialistas. E embora procure caracterizar uma realidade complexa e multifacetada, percebe-se que, para as parangonas da imprensa, o que interessa são os títulos bombásticos que fazem dos professores absentistas, e não do ministério imprevidente, os culpados de todos os dias haver alunos sem aulas. Tal como, para os nazis, tudo o que corria mal na Grande Alemanha era culpa dos judeus, assim também na educação portuguesa, quando as brilhantes ideias dos grandes educadores falham miseravelmente no confronto com a realidade, a culpa, de quem há-de ser? Obviamente, dos professores!

Evitando a demagogia fácil dos professores que faltam que se desunham, a realidade é relativamente simples de compreender, até por uma opinião pública geralmente distraída destas matérias: as pessoas adoecem, por vezes, e quando isso sucede não podem trabalhar, situação que é atestada por um médico. Uma classe docente envelhecida é, pela ordem natural das coisas, mais vulnerável ao absentismo por doença, e esta tende a ser mais demorada a debelar. Trabalhar em escolas que tantas vezes nos adoecem, às ordens de um ministério empenhado em degradar as condições de trabalho dos professores – e em permitir que directores prepotentes o façam – também contribui, e de que maneira, para o aumento das faltas por doença.

Continuar a apostar em horários incompletos, temporários ou dispersos por duas ou mais escolas também não permite atrair docentes desempregados para assegurar de forma precária as substituições dos colegas de baixa, sobretudo quando estes surgem em zonas geograficamente distantes da residência habitual e não são dados quaisquer apoios à deslocação. Insistir na distribuição de serviço lectivo a professores à beira da reforma é igualmente estar a comprar um problema a curto prazo, assim que estes profissionais passarem à merecida aposentação. Achar que, perante isto, alguma responsabilidade ou culpa se pode assacar aos professores, significa o quê? Que devem ir trabalhar, mesmo doentes? Prescindir dos seus direitos à aposentação ou à redução da componente lectiva? Aceitar pagar para trabalhar, vivendo em condições degradantes, longe da família, para daí a dois ou três meses serem sumariamente dispensados?

Evidentemente, o raciocínio está errado: não são os professores que faltam “demasiado”, é o sistema que não está organizado de forma a garantir que os professores ausentes sejam rapidamente substituídos. Para este fim, poderá ser necessário criar uma bolsa de professores substitutos, com vínculo e remuneração permanente, para assegurar necessidades transitórias e permanentes que surjam ao longo do ano. Uma ideia que surge neste estudo, mas nem sequer é original: esteve na base da criação dos quadros de zona pedagógica na década de 90. A contratação, que não fixa professores ao sistema nem dá garantias de celeridade e eficácia na colocação, deveria ser sempre o último recurso e não uma necessidade rotineira a que as carências de profissionais docentes obrigam a recorrer cada vez com mais frequência e com menos sucesso.

Mas isto sai caro, dir-me-ão, e este costuma ser o argumento decisivo para não se fazer o que deve ser feito. Ao que há a contrapor que a falta estrutural de professores, alunos sem aulas meses a fio a algumas disciplinas e os prejuízos, nalguns casos irreversíveis, nas aprendizagens, tudo isto terá, a prazo, um custo bem mais elevado. Como já se disse muitas vezes, se a educação é cara, experimentem a ignorância!…

Mais uma defensora da escola pública

A nova ministra da Educação francesa – o seu antecessor levou há dias o pontapé para cima, ascendendo ao cargo de primeiro-ministro – ainda não aqueceu o lugar, mas já é alvo de polémica. Os mais indignados pedem mesmo a sua demissão…

Amélie Oudéa-Castéra, a nova ministra da Educação francesa, está a envolvida em polémica, depois de ter transferido os seus filhos da escola pública para uma instituição privada exclusiva. Opinião pública pede a demissão da ministra.

O caso remonta ao ano de 2009, quando o filho mais velho de Oudéa-Castéra, na altura com três anos, foi transferido de uma escola pública para uma escola privada. Quando confrontada publicamente com a decisão, a nova ministra disse que ela e o marido “não suportaram a frustração” de ver a quantidade de aulas que o filho perdia devido ao elevado nível de absentismo de professores não substituídos em sala de aula.

Foi por essa razão que Oudéa-Castéra e o marido decidiram colocar os filhos na escola privada, conhecida por ser elitista e ultraconservadora. De acordo com a ministra, esta decisão levou os filhos a receberem “os fundamentos básicos de uma boa educação”, a crescerem “em segurança, num ambiente zen” e a serem “felizes”.

Em algum momento, ficamos fartos, como centenas de milhares de famílias que optaram por procurar uma solução diferente”, afirmou a ministra, citada pelo Telegraph.

Estas declarações acabaram por não ser bem aceites pelos professores e pelos sindicatos. Para Guislaine David, do sindicato dos professores Snuipp-FSU, a ministra “já está a atacar as escolas públicas”, algo que considera ser “alucinatório”. “Se os professores não foram substituídos, é porque milhares de empregos foram cortados”, completou.

Responsáveis pelo ensino público que, à cautela, colocam os filhos em exclusivistas escolas privadas: está longe de ser caso único, e não faltará quem alegue o direito dos pais a escolherem a educação que querem dar aos filhos, desde que a paguem do seu bolso sendo caso disso. O que, no colégio católico e ultraconservador “Stanislas”, nem é nada barato: os preços actuais andam entre os 1000 e os 1500 euros mensais, consoante o nível de ensino. Apesar de o colégio receber ainda uma subvenção estatal a juntar ao que cobra aos pais dos alunos.

Acresce que os factos agora divulgados remontam a 2009, muito antes portanto de se perspectivar o cargo ministerial que agora ocupa. Na verdade, o que escandalizou os professores franceses e boa parte da opinião pública foi o comentário acintoso da ministra acerca do absentismo docente. Primeiro, porque é falso: a educadora responsável pelo grupo em que o filho da ministra esteve integrado já veio esclarecer que não faltou no período em causa. Em segundo lugar, porque é calunioso: no sistema educativo francês está prevista uma dotação de pessoal docente nas escolas que permita suprir as ausências de professores nas baixas por doença ou outras situações de falta justificada. Lá como cá, as pessoas não faltam porque lhes apetece, mas porque razões de força maior as obrigam a faltar. Ora o ministério, em vez de dotar adequadamente os quadros de pessoal, tem permitido que as escolas estejam a funcionar com o mínimo de pessoal, o que inviabiliza as substituições temporárias.

Apesar do pedido de desculpas que entretanto apresentou, Amélie Oudéa-Castéra não se livrará facilmente da contestação: além de uma manifestação e de uma greve já marcadas, terá de enfrentar um processo por difamação à classe docente movido por um dos principais sindicatos de professores franceses.

Cura de Natal

Todos os anos se assiste a casos destes: docentes em baixa prolongada, há meses afastados da profissão, recuperam subitamente a saúde com a chegada da interrupção natalícia. E apresentam-se nas escolas quando os alunos entram de férias, prontos para todo o serviço.

Por vezes a recuperação é definitiva. Mas talvez mais frequentes são as recaídas, lá para Janeiro, assim que o frio aperta e os alunos regressam às aulas. Episódios destes podem repetir-se, depois, na altura da Páscoa ou, de forma mais intensa e prolongada, com o término do ano lectivo.

Há, evidentemente, por detrás das baixas médicas, um mundo de diferentes situações. Colegas em situações gravíssimas de saúde, por vezes com doenças terminais, que paradoxalmente chegam a ser, por vezes, dos que mais desumanamente são tratados pelas juntas médicas que os avaliam e os declaram aptos para trabalhar. Casos em que as más condições de trabalho, o mau ambiente escolar, por vezes o assédio laboral de directores autocratas e de “lideranças intermédias” tóxicas deixam de rastos profissionais que, se vissem respeitados os seus direitos e a sua dignidade, poderiam dar um bom contributo às suas escolas. Pessoas que poderiam ser excelentes profissionais noutras áreas mas que o exercício continuado da docência deixa doentes. E também, claro, situações abusivas ou fraudulentas de que, aqui e além, todos vamos ouvindo falar ou nos vamos mesmo apercebendo directamente.

Sendo um problema tão sério quanto complexo, o absentismo docente deveria ser seriamente debatido. Não necessariamente na praça pública, pelos aproveitamentos demagógicos a que se presta. Mas não pode ser ignorado, até porque os números, quer das baixas médicas prolongadas, quer das mobilidades por doença, quer das situações de redução da componente lectiva, tendem a aumentar. As soluções vão desde controlos mais efectivos dos eventuais abusos a ambientes laborais mais sãos, que não destruam a saúde dos professores. Mas também por uma maior flexibilidade na antecipação da aposentação, sem penalizações excessivas a quem já muito deu à escola pública mas já não está em condições de o continuar a fazer. É preciso criar melhores condições de trabalho e de acesso à profissão e à carreira, que atraiam professores jovens e qualificados, permitindo uma saída digna aos mais idosos e desgastados. E é preciso que, também entre os próprios professores, se vá falando destas coisas…

Menos alunos e mais professores?

demagogia.jpgPegando no comunicado do Governo, a imprensa faz a leitura mais óbvia dos números mais recentes do recenseamento escolar: há cada vez menos alunos e mais professores nas escolas portuguesas…

Escolas perderam 13 mil alunos mas ganharam dois mil professores no ano passado

A propaganda governamental tenta associar o maior número de professores ao serviço com as políticas e reformas educativas que têm vindo a ser promovidas. No fim, só falta insinuar que querem ganhar mais trabalhando cada vez menos e fazer a pergunta sacramental: a caminho do melhor dos mundos educativos, do que é que ainda se queixam?…

Estes primeiros dados mostram que os efeitos acumulados da quebra da natalidade, particularmente severa durante o período da crise económica, não impediram um aumento significativo do número de docentes, refletindo o investimento do Estado nas condições de trabalho dos seus profissionais, nas oportunidades de aprendizagem dos alunos, logo, na qualidade e equidade educativas.

Assim, em 2017/18, a rede pública foi reforçada, com mais 2 mil docentes do que no ano anterior, um reforço fundamental para aprofundar a qualidade e inclusão do sistema educativo, através de medidas como o Plano Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, o Apoio Tutorial Específico, a Redução do Número de Alunos por Turma, o reforço de crédito horário para as escolas TEIP e para o Programa de Educação Estética e Artística, o Desporto Escolar, entre outras. Trata-se de medidas com impactos diretos na redução do insucesso escolar e, a prazo, nas competências e qualificações dos portugueses.

Seria mais honesto referir que a imensa maioria dos “reforços” ocorridos no corpo docente se tornaram necessários devido ao número crescente de baixas médicas prolongadas e de destacamentos por doença. Sendo ambas as situações consequências directas do elevado desgaste físico e mental que afecta uma classe profissional cada vez mais envelhecida.

Na grande maioria dos casos, os novos professores que chegam às escolas não vêm para aliviar o trabalho dos que lá estão, mas para substituir os que se encontram ausentes.

Não seria complicado reconhecer a verdade, mas o PS e o seu governo parecem cada vez mais convencidos de que, em Educação, a demagogia e as verdades alternativas rendem votos. Quando assim é, e os exemplos vêm de cima, fica escancarado o caminho da manipulação e da mentira…

Faltam professores no Parque das Nações

ebvg_1_1024_2500.pngHá uma escola no Parque das Nações em Lisboa que não tem professores quase dois meses depois do início do ano lectivo. Os pais cansados de esperar decidiram eles próprios resolver o problema. Assim, a partir de agora vão ser os próprios pais a dar as aulas de inglês ou físico-química aos filhos e a todos os outros alunos.

A falta de professores para substituições temporárias é um problema cada vez mais frequente em escolas de todo o país. E cada vez mais difícil de disfarçar.

Claro que quando são os filhos da classe média-alta residente no Parque das Nações a ficar sem professores e sem aulas, a situação adquire um mediatismo que nunca tem quando acontece com as crianças de uma qualquer vila ou aldeia do interior.

A verdade é que o “exército de reserva” formado por milhares de professores qualificados e desempregados, a aguardar pacientemente por uma colocação, tende a desaparecer. Há cada vez menos candidatos à docência, e muitos dos que ainda não desistiram de ser professores também já não o querem ser a qualquer preço.

O voluntariado que alguns pais preocupados se propõem fazer na escola, leccionando disciplinas em que se sentem mais à vontade, lembra-nos dos tempos, ainda não tão distantes assim, em que muitos professores provisórios, como então se dizia, pouco mais habilitações tinham do que os alunos que ensinavam. Professores com o 12.º ano a leccionar o 3º ciclo, ou estudantes universitários a fazer uma perninha nas aulas do secundário, eram uma realidade comum, sobretudo fora dos grandes centros.

Nos nossos dias, mesmo as escolas de zonas centrais da capital não escapam à falta pontual de alguns professores. Uma consequência de vários factores, como é referido na notícia. Mas há uma realidade que é incontornável: o preço proibitivo dos alojamentos em Lisboa está a condicionar a mobilidade de docentes de outras zonas do país.

Evidentemente, a dificuldade de colocação de professores a meio do ano lectivo é apenas um sintoma de um problema de fundo para o qual não há soluções fáceis: o aumento das baixas por doença, grande parte delas prolongadas, que infelizmente afectam um número crescente de professores. Para resolver uma crise que, com a passagem do tempo, só tenderá a agravar, há pelo menos três campos em que se deveria pensar e actuar seriamente:

  • Alargar os quadros das escolas, aproximando-os das necessidades reais, promovendo a fixação e a estabilidade dos professores:
  • Rejuvenescer o corpo docente, permitindo a saída digna, sem penalizações, dos professores mais desgastados e com mais tempo de serviço;
  • Tornar a carreira e a profissão docente mais atractiva para os jovens professores, o que passa não só por atrair bons estudantes e vocações docentes para a profissão, também por dignificar a forma como são tratados os professores há mais tempo no sistema.

Lamentavelmente, já se percebeu tudo isto terá de esperar. Mais preocupado com a  implantação de uma pseudo-reforma educativa para OCDE ver, do que com as verdadeiras necessidades do nosso sistema educativo, o actual ME não parece minimamente sensibilizado para os problemas da profissão docente.

Alunos sem professores

EscolaSantaMariaOs 26 alunos de uma turma do sétimo ano da Escola Básica de Santa Maria, em Beja, estão sem professor em sete das 15 disciplinas que constituem a sua matriz curricular desde o início do presente ano lectivo, devido à inexistência de docentes colocados.

A situação foi denunciada em comunicado pelos pais e encarregados de educação dos alunos, lamentando a inexistência de colocação de sete docentes, “inclusive de director/a de turma, correspondentes às disciplinas de Português, Inglês I, História, Complemento à Educação Artística, Cidadania e Desenvolvimento, Mundo Actual e Educação Moral e Religiosa Católica”, sendo que o docente da disciplina de Francês II aceitou a sua colocação apenas na passada semana.

O caso desta turma de Beja tornou-se notícia na semana passada, face ao elevado número de professores em falta. Entretanto a situação já se terá, pelo menos parcialmente, resolvido, mas o problema de fundo subsiste: há uma necessidade crescente de substituir professores durante o ano lectivo. E uma dificuldade cada vez maior de o fazer de forma célere, devido à falta de candidatos ou às sucessivas desistências.

Quando comecei a ensinar, éramos todos muito mais jovens e saudáveis e os ambientes escolares, de uma maneira geral, menos tóxicos – apesar dos revestimentos com amianto então existentes em inúmeras escolas! Nessa altura, a maioria das substituições temporárias ocorriam por uma boa razão: professoras que entravam em licença de maternidade. Hoje, uma professora grávida é uma raridade na maior parte das escolas; em contrapartida, são muitos os professores de ambos os sexos doentes e exaustos, que não conseguem aguentar o stress e o excesso de trabalho durante todo um ano lectivo. Calcula-se que as baixas por doença atinjam já perto de 10% da classe docente, sendo metade delas de longa duração.

À medida que o envelhecimento da classe se acentua e o acesso à aposentação é dificultado ou desencorajado pelos cortes elevados no valor das pensões, o número de professores que deixa de estar em condições de suportar as exigências da profissão não deixará de aumentar. As pseudo-reformas da flexibilidade e da inclusão são essencialmente, como de dia para dia se vai tornando mais claro, formas de sobrecarregar com mais trabalho, responsabilidades e burocracias o quotidiano docente, tornando-o ainda mais penoso para os professores.

Por outro lado, o imenso “exército de reserva” constituído por dezenas de milhares de professores qualificados e desempregados, sempre prontos a ocupar qualquer vaga surgida durante o ano, é uma realidade que está a desaparecer rapidamente. Sem um lugar estável no ensino, a maioria dos jovens professores acabarão por seguir outras carreiras mais compensadoras, em Portugal ou no estrangeiro. A escassa procura, que já hoje se nota, dos cursos de formação de professores, significa que de ano para ano o número de novos profissionais irá diminuir. E é bem sabido que, dentro de uma década, os actuais professores começarão a sair em massa do sistema, por atingirem a idade da aposentação. Voltaremos, se nada for feito entretanto, aos tempos das “habilitações suficientes” e “mínimas”, em que, perante a falta de docentes habilitados, qualquer pessoa que tivesse concluído o secundário podia ir dar umas aulas…

Perante isto tudo, não duvido de que a forma como o ME despreza e maltrata os profissionais da Educação e ignora os seus problemas, anseios e necessidades é um problema bem mais grave e premente do que as cosméticas curriculares que se vão elegendo como prioridade de actuação no sector.

Os professores são o activo mais importante de um ministério que se diz da Educação. É com eles que os alunos aprendem. Estimá-los, valorizar o seu trabalho e a sua carreira, fornecer-lhes meios e recursos, deveria ser preocupação central de qualquer governo. Não que o ME deva ser o ministério dos professores. Mas quem o gere deveria ser capaz de compreender que quem efectivamente ensina e educa nas escolas não são os cientistas, tecnocratas e burocratas da Educação – são os professores. Deveria, por essa razão, gerir a Educação com os professores. Não, como demasiadas vezes sucede, contra eles.

Falta de professores, alunos sem aulas

As turmas sem professor a uma ou mais disciplinas eram uma situação comum nos anos 70 e 80 do século passado, período de maior expansão da rede escolar e de falta de profissionais qualificados. Com a estabilização da rede e da profissão docente e o excesso de oferta na formação de professores, a situação inverteu-se: passou a haver um verdadeiro “exército de reserva” de professores desempregados, disponíveis para aceitar horários incompletos e colocações precárias em qualquer parte do país. Contudo, a falta de professores para assegurar substituições temporárias está a ressurgir: eis um problema que o envelhecimento da classe acentua, que o ME teima em desvalorizar e a que a comunicação social não estará a dar a atenção devida.

Já os encarregados de educação, sabendo que está em causa a qualidade da educação dos seus filhos, mostram-se mais atentos e não hesitam em denunciar as situações, quando elas se tornam prolongadas e recorrentes.

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O aparente paradoxo de, enquanto continuamos a ter milhares de professores desempregados, haver lugares por preencher que não são aceites por qualquer candidato tem, afinal de contas uma explicação simples: muitos dos horários disponíveis são incompletos, temporários – quase sempre a 30 dias, renováveis ou não – e surgem em escolas distantes da residência dos potenciais interessados – o que implica despesas elevadas em deslocações e/ou alojamento. Feitas as contas, o candidato pode chegar à conclusão de que pagaria para trabalhar, o que é pura e simplesmente incomportável.

Curiosamente, muitos destes horários que ficam sucessivas semanas, às vezes meses, por preencher, já não surgem só em escolas isoladas e periféricas do interior desertificado: este ano, estão a aparecer com alguma frequência na cidade de Lisboa, o que certamente se relaciona com o crescimento especulativo do mercado de arrendamento na capital: quem se sujeita a pagar 500 ou 600 euros por um T0 ou um quarto com um mínimo de condições, sabendo que é isso, pouco mais ou menos, que irá receber de salário mensal?…

Encostados às boxes?

profs.jpgQuem acompanha, há longos anos, o que se diz e se escreve a respeito dos professores, não pode deixar de reparar numa nuance significativa na forma como é encarado o absentismo docente. Já houve tempos em que foi moda criticar os professores porque, alegadamente, faltavam muito. E tinham muitas férias. Hoje em dia, no entanto, vai-se percebendo que não é por irresponsabilidade ou capricho que tantos professores se ausentam, às vezes por períodos prolongados, das suas actividades lectivas. Mesmo os mais distraídos dão conta de que o excesso de tarefas atribuídas, as condições por vezes penosas e stressantes em que se trabalha e o peso da idade e das doenças são causas directas do elevado absentismo que afecta hoje a profissão.

Ao longo dos últimos anos as escolas queixam-se de sobrecarga burocrática e de um aumento generalizado da indisciplina que torna mais violenta e exigente a missão de ensinar. Há um paradoxo difícil de explicar à volta da figura do professor. Todos temos memórias de aulas marcantes, daquelas capazes de perdurarem no tempo e de nos ajudarem a decidir caminhos a trilhar. E no entanto são muitas as ideias feitas que rodeiam a profissão de uma carga negativa. Quem nunca ouviu, por exemplo, dizer que os professores têm mais férias do que a generalidade dos profissionais?

Um bom professor, no entanto, trabalha muito para lá do horário. As tarefas não se esgotam no tempo letivo, porque em casa há aulas a preparar, leituras a fazer, testes para corrigir. Um professor motivado faz toda a diferença no percurso dos alunos, tanta que pode influenciar decisivamente o seu futuro. Este é um dos exemplos crassos de atividades em que o fator humano se sobrepõe a qualquer outro.

Os professores “encostados às boxes” de que nos fala a edição de hoje do JN precisam de apoio, compreensão e respeito. Algo que sentem que lhes tem faltado, sobretudo da parte da tutela, que deveria dar o exemplo na dignificação e valorização dos profissionais da educação. E isso passa por melhorar as condições em que se trabalha nas escolas, combatendo a indisciplina e o excesso de burocracia, reduzindo o tamanho das turmas, simplificando, em vez de complicar, os programas e a organização curricular.

Para além das doenças que afectam um corpo docente que vai envelhecendo, há entre a classe um insidioso mal-estar que tarda em ser debelado e que vai acentuando o desgaste físico e mental dos professores.

Esperemos que o reconhecimento público do problema possa ser o primeiro passo para o começar a resolver.

Mais de seis mil professores de baixa

doenca-mental.JPGMais de seis mil professores estavam em casa durante o mês de março com baixas superiores a dois meses a aguardar por uma chamada às juntas médicas. As associações de diretores de escolas e Federação Nacional de Professores (Fenprof) notam que o problema tem vindo a aumentar nos últimos anos devido ao envelhecimento da classe docente e ao desgaste da profissão.

Segundo avança o “Jornal de Notícias”, a ADSE, que passou a tutelar as juntas médicas, recebeu a 19 de março, “um stock em atraso superior a seis mil” juntas da Direção-Geral de Estabelecimentos Escolares. Estima-se a avaliação destes casos esteja concluída até maio. No entanto, a seção do Porto só deverá ter o processo terminado no final de junho, uma vez que tem um número “significativamente maior” de juntas para realizar.

O número peca pela falta de rigor, o que é provavelmente sinal de que interessou a alguém plantar esta notícia, não se dando sequer ao trabalho de informar quantos são exactamente os docentes em situação de baixa prolongada, aguardando a ida à junta médica. De qualquer forma, o número apontado representa um valor elevado: cerca de 5% dos docentes em funções no ensino público enfrentam problemas graves de saúde que os impedem de exercer a profissão.

O envelhecimento da classe, numa altura em que perto de metade dos professores atingiu ou ultrapassou já os cinquenta anos de idade e em que é residual o número de docentes com menos de trinta anos ao serviço, costuma ser a principal causa apontada para o elevado absentismo.

Mas o estado de esgotamento físico e mental em que muitos docentes se encontram será certamente a causa directa de um elevado número destas baixas. Consequência das condições difíceis e desgastantes em que a profissão é exercida em muitas escolas, da instabilidade ao nível das colocações que ainda afecta muitos docentes, da falta de reconhecimento do seu trabalho e da ausência de medidas concretas para combater a burocracia escolar, a indisciplina e outros problemas que alimentam o chamado mal-estar docente.

Teria por isso todo o interesse que a ADSE, agora que assumiu a responsabilidade pelas juntas médicas aos professores, não se limitasse a atirar números genéricos para o ar mas, indo mais longe, e em resultado do seu trabalho, nos pudesse oportunamente elucidar sobre as causas mais comuns do absentismo por doença entre os professores. Pois seria importante perceber-se quantos, destes mais de seis mil professores de baixa, estão a ser afectados por doenças que se declararam ou agravaram em consequência directa do exercício da profissão.

Seria transparência a mais ou é apenas, e tão só, a verdade a que temos direito?…

Combater o absentismo

doenteA questão do absentismo é recorrente na administração pública e presta-se facilmente a aproveitamentos demagógicos de vários tipos. Dos detractores do funcionalismo do Estado, que acham que só no privado é que se é produtivo, enquanto no sector público se trabalha pouco e se falta muito. Mas também dos governos, que não desdenham, em determinadas conjunturas, usar os indicadores de assiduidade como instrumento de pressão sobre os funcionários públicos.

Ora este uso instrumental do absentismo é especialmente eficaz contra classes profissionais como a dos professores. Uma ausência de um docente num dia típico de aulas, em que tenha, vamos supor, quatro turmas, ainda que absolutamente necessária e devidamente justificada, poderá estar a ser comentada, no final do dia, por uma centena de famílias, tantas quantos os alunos que ficaram sem uma das aulas previstas. Já a ausência de um funcionário que não está exposto ao olhar do público ou que, estando, é facilmente substituível, tende a passar despercebida e não se presta a grandes aproveitamentos junto da opinião pública.

Vem tudo isto a propósito da intenção anunciada pelo governo de combater o absentismo entre os trabalhadores do Estado. A notícia do Público não entra em pormenores sobre a forma como Mário Centeno o pretende fazer, mas assinala – lá está! – que os professores são uma das classes profissionais em que o problema estará a ter maior expressão.

No relatório que acompanha o Orçamento do Estado para 2018, o executivo alerta para “o impacto que o absentismo (e emergente presentismo) representa na conjuntura actual, pelo elevado custo humano e orçamental para o país”. E compromete-se a desenvolver mecanismos de incentivo às boas práticas nos domínios da gestão de pessoas, programas de saúde ocupacional e o reforço dos processos de auditoria e fiscalização para tentar contrariar o problema.

O objectivo é que no final do ano seja possível concretizar uma poupança de 60 milhões de euros, sendo que uma fatia – de 10 milhões – vem do sector da Educação.

No relatório, o Governo não apresenta dados sobre a taxa de absentismo nos vários sectores do Estado, mas destaca a Educação como um dos sectores onde o problema tem expressão. O Ministério da Educação, por outro lado, também não apresenta dados sobre o número de faltas dado pelos professores, nem sobre quantos docentes estão de baixa.

Quanto às causas do absentismo docente, não será precisa bola de cristal para adivinhar a principal: a maioria das faltas, e todas as que implicam ausência prolongada, são dadas por motivo de doença, facto a que não é alheio o acentuado envelhecimento da classe. E sendo esta a razão, também não serão precisos dotes de adivinho para antever que, a não ser que se resolva o problema de base, a tendência é para que elas continuem a aumentar.

Também as colocações longe de casa de um número significativo de docentes dos QZP estarão a fazer disparar as baixas por doença: muitos destes colegas não conseguem suportar o desgaste físico e emocional das colocações distantes e inesperadas e entram de baixa.

Claro que, para as escolas e os alunos, o impacto destas ausências dos professores é diminuto: num contexto de elevado desemprego docente, é relativamente fácil e rápido substituir os professores doentes. O problema, para o governo e para as finanças públicas, reside na duplicação de vencimentos, pois está-se a pagar em simultâneo ao titular do lugar e a quem o substitui.

Percebo o ponto de vista governamental, mas deixo o conselho: sem condições de trabalho mais amigáveis e menos desgastantes nas escolas, sem mudanças na legislação de concursos, que tornem mais justas as colocações dos professores, sem um regime mais favorável de aposentações, a saúde física e mental dos professores só poderá continuar a degradar-se.

Esperemos que, sendo o combate ao problema do absentismo um objectivo sério, e não um ataque à classe docente digno de tempos de má memória do PS no poder, haja o discernimento para enveredar por medidas realmente adequadas e eficazes para o resolver.