O inimigo dos “pedabobos”

Inimigo dos pedabobos, é desta forma que Diogo Vaz Pinto evoca a figura e a intervenção do professor Santana Castilho, recentemente falecido. Os pedabobos são, claro, os pedagogos do regime, um grupo algo heterogéneo, mas com uma característica em comum: a fuga precoce à sala de aula, que alguns nem chegaram a frequentar. Avessos ao toque da campainha e às vinte a tal horas lectivas semanais com turmas nem sempre dispostas a aprender, rapidamente se arvoraram especialistas de uma ciência que se recusam a praticar.

Santana Castilho, que os reconhecia à légua, não os poupava na sua prosa cáustica e sarcástica. Melhor do que muitos professores do básico e do secundário, assertivos e reivindicativos quando se trata de exigir a recuperação justa do tempo de serviço, mas demasiadamente amorfos e condescendentes perante as idiotices dos ditos pedabobos. Habituados a respeitar os mestres, mesmo quando estes não os respeitam, predomina entre os professores o respeitinho pelos autoproclamados cientistas da Educação. Mesmo quando os seus programas educativos de científico nada têm, recorrendo à demagogia e ao emotivismo e, inevitavelmente, ao denegrir do trabalho dos professores, para abrir espaço para mais uma reforma ou contra-reforma educativa que lhes massaje o ego e engrosse o currículo. Precisamos de mais professores capazes de pensar sem amarras nem reverências, com rigor e espírito crítico!…

Nas últimas décadas, o campo da educação tornou-se uma espécie de teatro que oferece aos voyeurs da decadência um laboratório de experiências sociais absurdas, uma engrenagem insana em que, a partir desses planos formulados por atores tão imbecis quanto bem-intencionados, as instituições formativas vão ficando à mercê do ritmo e das aspirações empresariais e económicas. No fundo, já ninguém acredita que a aprendizagem de hoje resolve os problemas de amanhã; é quase certo, pelo contrário, que os desencadeia. E diante desse sem-fim de diagnósticos e propostas, serpentinas retóricas, enquanto se retira autonomia aos professores e se abatem os horizontes de possibilidades dos programas escolares, forçando-a a adotar a normatividade economicista e funcionalista, e tudo isto ilustra aquela noção de Nietzsche de que o Estado é o mais frio dos monstros frios. (…) Face a este contexto de gestão de crises engatilhadas umas nas outras, justificadas umas pelas outras, o mal-estar nas escolas foi servindo como um programa de desmoralização e de afastamento dos melhores, atraindo os espíritos mais impreparados e aqueles que se dão em regimes de submissão. Assim, todo o esforço de crítica foi-se deixando abafar por vagos humores. Apesar disso, e da geral demissão da crítica, surgiam entre nós algumas vozes que acompanhavam e denunciaram todo este processo, e uma das mais destacadas foi certamente o professor Santana Castilho. Nas suas crónicas, sempre escritas num registo combativo e informado, foi denunciando a vontade de promover uma gestão voltada para os números, as metas de ordem estatística, adotando-se um regime de moral numérica, onde tudo se quantifica, conta, mede, pesa, computa, ordena, categoriza, cataloga, para disso fazer objetivos, metas, avaliações, discriminações, imposições, veredictos… «A escola que nos estão a impor serve acefalamente essa sociedade e visa o homem sem humanidade», alertava ele há uns bons anos. Em tantas das suas intervenções, instigava os professores a uma forma de desobediência e rejeição das diretivas dos sucessivos governos e dos modelos de submissão e degradação a que a profissão estava sujeita…». «Cabe aos professores rejeitarem vigorosamente o papel de simples sujeitos – mercadoria que o ‘gadgetismo’ irresponsável lhes reserva, impondo-lhes, como se desejo seu fosse, toda a sorte de porcaria perniciosa».

Continuar a ler…

Comentar

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.