Deus, Pátria, Família

licao-de-salazar.jpgEis a trilogia que, pelo menos desde os tempos do Estado Novo, tem guiado a direita conservadora portuguesa. Não tanto na forma como vive; sobretudo na representação exterior que as classes dominantes tentam dar de si próprias.

Deus, já era. Com a religião convertida num bem-parecer, a alta sociedade que ainda vai à missa é para ver e ser vista com o fato domingueiro. Os outros nem isso, são católicos não-praticantes que entram na igreja apenas para encomendar a Deus os falecidos e baptizar ou casar os filhos com pompa e circunstância.

Vendidas as empresas e boa parte do património aos estrangeiros, hipotecada a soberania aos eurocratas de Bruxelas em troca de subsídios, a nossa burguesia internacionalista é bem capaz de vender também a Pátria se ganhar algo com isso, e nem seria, na nossa longa história, a primeira traição perpetrada pelas nossas falsas e interesseiras elites.

Mesmo a Família já não tem a solidez de outrora. As novas gerações aderiram ao controle da natalidade e às modernas formas de conjugalidade. Entre os mais velhos multiplicam-se os casos de primos e irmãos desavindos, sobretudo quando os negócios correm mal e o rendimento, outrora abundante, deixa de correr com o caudal desejado para todos os numerosos ramos da família. E assim se vão esboroando os velhos clãs, dos Champalimaud aos Espírito Santo.

O que sobra então? Os bens materiais, mas não tanto as mobílias carunchosas, as pratas enegrecidas ou a roupa comida pelas traças. Verdadeiro valor têm as moradias na Lapa ou na Foz, as quintas do Douro ou os montes alentejanos, as casas de férias em Vilamoura ou no Estoril.

Perdidos os valores espirituais que, em boa verdade, sempre foram mais para impingir aos outros do que para consumo próprio, é aos bens imóveis que se agarra a direita materialista. Com o egoísmo e a avareza de sempre, toda ela se assanha com a remota perspectiva de ter de pagar mais impostos, pelos bens ao luar, ao Estado de que sempre se habituou a servir-se.

 

Sobre terrorismo, educação e o futuro da Europa

Terrorism4[1]…Ou de como isto anda tudo ligado.

Uma excelente prosa de António Carlos Cortez, no Público, que merece ser lida integralmente.

Em rigor, poderão as gerações mais velhas orgulhar-se da sociedade televisiva, superficial, mediática e computacional que ergueram? Já se sabe que o avanço tecnológico e a economia global são imparáveis, mas a indústria mediática, nas mais diversas áreas em que actua, em vez de sacrificar tudo ao futebol e ao sexo, aos concursos alienantes e à ditadura da publicidade, não deveria parar e repensar a sua função? Que cultura se tem vindo a edificar nos últimos 30 a 40 anos em Portugal e na Europa, senão a cultura inculta? Que democracia podem os povos viver quando à crise financeira e à austeridade sobrevém a ideologia do terror, a porta por onde poderão entrar de novo na Europa regimes fascistas, ao abrigo da vertigem securitária? Tendo em conta quanto temos vivido desde o 11/9, para me servir de uma data que simbolicamente nos fez entrar no século XXI, não será este o momento de – da escola e das universidades, aos mídia e às empresas – relacionarmos a tão propalada “crise de valores” com a “crise das humanidades”? […] Neste tempo de terrorismo global, quando o boomerang da História se volta contra uma Europa que traiu ou ignorou ressentimentos e injustiças de vários povos, importa não fugir ao combate: nas escolas e nas universidades é tempo de ler a Filosofia, cultivar o saber sincrético, não desconhecer quanto a Europa ficou a dever à cultura árabe, da matemática à poesia, da geografia à astronomia.