Greve Climática Estudantil

Ameaça prolongar-se, sem fim à vista, a greve climática que os activistas do clima tinham marcado para esta semana. Focando as acções de protesto em instituições universitárias, os activistas esbarraram com a obtusidade das autoridades académicas: em vez de ouvirem os estudantes, aceitando as preocupações legítimas e o exercício da cidadania activa com a mesma paciência e compreensão que costumam ter perante as alarvidades das praxes e os excessos das festas académicas, acharam que resolviam o assunto tratando-o como um mero caso de polícia: está na hora de fechar o expediente, saiam imediatamente ou chamamos a polícia! E assim reeditaram, do pé para a mão, cenas que já não víamos desde o 25 de Abril: polícias a invadir a faculdade e estudantes a serem expulsos, com recurso à força física, do interior das instalações. Claro que isto só serviu para inflamar os ânimos e amplificar o protesto…

A Greve Climática Estudantil, que prometeu no início da semana parar escolas, universidades e instituições governamentais, bloqueou na manhã desta sexta-feira as entradas de um dos edifícios da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa.

Esta é mais uma etapa dos protestos pelo fim aos combustíveis fósseis, após o coletivo de estudantes ter garantido que não vai parar enquanto as suas reivindicações não forem ouvidas.

A porta-voz do movimento, Catarina Bio, conta à TSF qual é o objetivo desta ação, sublinhando a importância de encarar a emergência climática como uma verdadeira ameaça.

“Na noite de ontem [quinta-feira] para hoje [sexta-feira], estudantes entraram num dos edifícios da faculdade, o edifício C, barricaram todas as entradas e alguns ficaram fechados lá dentro, outros estão do lado de fora, mas fecharam a faculdade em protesto porque dizem que é necessário nós levarmos esta emergência – que é a emergência climática – como verdadeira emergência que é”, explica.

Há, como é evidente, uma enorme dose tanto de ingenuidade como de voluntarismo entre os jovens defensores do clima. E muitos equívocos, a começar na ideia de que uma mudança global dos modos de produção e consumo de energia é coisa que se consegue fazer em meia dúzia de anos e a acabar na ilusão de que é possível compatibilizar o modelo económico do capitalismo globalizado, assente na ideia da infinitude de recursos e do crescimento económico ilimitado, com a preservação do clima, do ambiente e dos recursos naturais não renováveis.

Outra ilusão, menos óbvia mas não menos real, é a convicção destes jovens de que estão a lutar pelo seu futuro. A verdade é que, mesmo que conseguíssemos parar já hoje as emissões nocivas que lançamos para a atmosfera, continuaremos durante décadas, e ao longo de toda a vida adulta dos jovens actuais, a sofrer os efeitos das alterações climáticas e do aquecimento global. Eles são, não o resultado directo do que estamos a fazer agora, mas da acumulação dos efeitos de duzentos anos de industrialização, durante os quais lançámos, despreocupadamente, milhões de toneladas de carbono na atmosfera. Viver num planeta mais quente, com mais desertos, menos água potável e fenómenos climáticos extremos mais frequentes será uma realidade incontornável pelo menos para os próximos cem anos. O que ainda depende de nós é agir para evitar o agravamento dos males que já sofremos, não reverter a emergência climática que irresponsavelmente criámos.

O planeta saudável pelo qual estes jovens lutam empenhadamente, já não será para eles; eventualmente para os seus netos, se os vierem a ter: talvez isto não tenha de lhes ser dito com esta crueza, mas o certo é que as suas inquietações e exigências são legítimas, o problema climático é sério e merece estar na ordem do dia. Ignorados pelos responsáveis políticos, reprimidos nas suas acções de rua, os jovens activistas do clima tentam fazer, nas universidades, o debate urgente e necessário. Fechar-lhes as portas será a solução?

A “infantilização” chegou à universidade

Professores universitários queixam-se de uma interferência cada vez maior de pais na vida académica dos estudantes. Especialistas alertam para a progressiva diminuição da autonomia e aumento da imaturidade dos jovens

Na semana passada, a coordenadora da licenciatura em Ciências da Comunicação da Universidade Nova de Lisboa mandou aos 383 estudantes do curso um e-mail taxativo: “Mensagens enviadas por pais de alunos não terão resposta.” O objetivo foi travar a interferência das famílias na vida académica dos jovens, que Marisa Torres da Silva garante ser cada vez maior. “Os contactos por parte de pais, que antes não existiam, estão a tornar-se comuns. Os exemplos sucedem-se. O pai de uma aluna mandou um e-mail a refilar por causa de uma nota. Outro queixou-se a todos os órgãos da faculdade porque a filha não tinha vaga numa disciplina opcional. Uma mãe escreveu a reclamar por não ter sido dada equivalência ao filho numa determinada cadeira”, enumera. Perante a multiplicação dos casos, a professora optou agora por impor limites à comunicação. “Sentimos necessidade de deixar claro que, por princípio, não respondemos a pais. Os alunos são maiores de idade e não devem ser infantilizados. Não alinhamos numa dinâmica que contribua para lhes retirar autonomia e maturidade.”

Não sei o que mais me surpreende: se os estudantes e as famílias que tentam reproduzir, no ensino superior, o modelo do “encarregado de educação” que mantinham na escola secundária, se a perplexidade dos doutores do superior, achando que a desresponsabilização e o facilitismo que se tem andado a promover na comunidade escolar nunca haveria de chegar até eles.

Claro que têm 18 ou mais anos e, sendo maiores de idade, deveriam responsabilizar-se inteiramente pela sua vida escolar e resolver os seus próprios assuntos. Mas quando a maioridade é sentida sobretudo como um conjunto de direitos e liberdades, e não como um assumir das correspondentes responsabilidades e obrigações, é natural que os jovens universitários se interessem mais pelo folclore académico – as praxes, as noitadas, os trajes, as festas estudantis – do que pela frequência escolar e a aplicação nos estudos e nos trabalhos. Claro que depois, quando a coisa corre mal e os resultados não são os esperados, é sempre mais fácil dizer que o professor é que não sei quê…

O reverso da medalha também merece ser considerado: a academia, com os seus departamentos das chamadas ciências da Educação, tem sido fértil no desenvolvimento de teorias sobre currículo, planificação e avaliação pedagógica, teorias essas que surgem geralmente para aplicação nas escolas básicas e secundárias; raramente ou nunca vemos os nossos cientistas da Educação a aplicarem no seu próprio magistério, ou a sugerir aos colegas, aquilo que impingem aos “básicos”. Mas, se calhar, deviam…

Pela minha parte, sem querer incorrer no mesmo vício, propondo aos académicos a adopção de algo, por exemplo um sucedâneo do famigerado projecto MAIA, que não quero para mim, questiono-me se algumas instituições do ensino superior não deveriam rever as suas metodologias pedagógicas no sentido de alcançarem maior objectividade, rigor e justiça no processo avaliativo. Afinal de contas, esse é um exercício que as escolas do ensino não superior fazem rotineiramente, ano após ano, revendo, ajustando e divulgando critérios e métodos de avaliação, tornando-os claros e compreensíveis aos alunos e a todos os interessados. Pois é aqui, como todos sabemos, que tende a concentrar-se o grosso das reclamações de alunos e encarregados de educação.

Uma geração flor de estufa

A cultura de cancelamento chegou às conversas privadas. (…)
E não vamos ter futuro se debater ou conversar passa automaticamente a ofensa, se o outro lado decide ofender-se por discordar.
E por as verdades serem inconvenientes para a auto-imagem fragilmente construída.
E a conversa do “tom” é uma coisa cansativa e realmente aborrecida. Uma cara a arremeter a sete do outro lado é mais que um tom numa voz grave.
E o que mais vejo é “aborrecidos” por lhes incomodarem as certezas.
Aborrecimento que é a negação do progresso.
Aliás, as ideias (factuais) são consideradas ataques indignos e as pessoas não se coíbem de os difundir distorcidos, etiquetados como tal.
A geração que anda agora nos 20/30 anos é muito assim. Tudo ofende e tudo magoa.
A superproteção em que se cresce gera má cara a tudo o que incomode e desassossegue. Tudo o que não seja conversa fofinha é ataque à dignidade.
Afinal esta malta sai toda do ensino superior com Mestrado. Muitos levados ao colo. E isto de ser ser Mestre quase instantâneo devia dar o direito a ser ouvido sem ser incomodado nas suas certezas profundas, certo?
Na frente, não comentam. Por trás, caluniam. A cicuta felizmente saiu de moda.
Criados a questionar tudo, mas, se questionados, isso é ofensa e, no limite, dá choro, que é bom refúgio para a falta de argumentos. Na sociedade barroca da emoção chorar num debate faz ganhar um debate. Mas debate-se para ganhar?

Do Facebook de Luís Sottomaior Braga

Nunca fui muito adepto de discussões assentes em mitos geracionais. Mas encontro, na argumentação de Luís Braga, constatações indesmentíveis do que poderemos chamar, à falta de melhor, sinais dos tempos. Será uma atitude mental que encontraremos com mais frequência entre as gerações mais novas, mas que não é incomum em quarentões, cinquentões ou até mais velhos: interpretar uma divergência de ideias como um ataque pessoal, confundir opiniões, as quais cada um tem direito à sua, com factos objectivos e verificáveis, ofender-se com qualquer verdade incómoda que venha beliscar a sua realidade alternativa. Flores de estufa no que toca a capacidade argumentativa, expostos perante as fragilidades ou as contradições do seu pensamento ou do seu discurso, refugiam-se na irracionalidade, na fantasia, no emotivismo.

Nunca se passou tantos anos da vida em escolas e universidades, nunca houve tantas formaturas e tão boas médias de curso – mas nem por isso as novas gerações de diplomados parecem mais bem preparadas quando se trata de aplicar o muito que supostamente aprenderam. Falta, a maioria das vezes, o mais importante, que não é o que aprenderam em cada uma das cadeiras do curso e que rapidamente esqueceram, mas o aprender a aprender. Dotar os estudantes das ferramentas mentais que os capacitam para aprender ao longo da vida é porventura o legado mais valioso da universidade aos seus alunos, aquilo que lhes fica depois de terem esquecido quase tudo o que estudaram para testes e exames. O misto de ignorância, arrogância e preguiça mental que forma o caldo de cultura de muitos formados bolonheses nada augura de bom para o futuro de mais uma “geração mais qualificada de sempre”….

Leituras: A mercantilização do saber

Não me parece que as empresas procurem um determinado modelo de educação e de competências, parece-me ser-lhes indiferente, porque o que procuram são licenciaturas em universidades de prestígio que ofereçam alunos com percursos aceitáveis, quer pela sua origem social, quer pela seleção prévia dessas instituições.

O que acontece é que se criaram protocolos globais que tentam homogeneizar a formação imitando o imaginário das universidades de “excelência” (que na realidade, dado que já seleccionaram os alunos “excelentes”, costumam ser muito mais abertas do que o resto das imitadoras).

O que se criou foi uma enorme burocracia que vive da imposição de indicadores de qualidade que inventa para a sua própria existência. Infelizmente, este é um mal que afecta não só a educação, mas todas as instituições (a protocolização dos cuidados de saúde, de todos os serviços públicos, etc.). Na realidade, nada disto tem a ver com a economia real, mas sim com a economia imaginária (as empresas de consultoria estão a fazer coisas semelhantes com as empresas). Não há receitas fáceis para inverter este processo, mas há formas de resistir, fazendo da sala de aula um espaço e um tempo de liberdade, de crítica e de compromisso com a verdade e o conhecimento.

Fernando Broncano

Vistas curtas

Dizem os nossos sapientíssimos ministros que os problemas de fundo da Educação não se resolvem de imediato, o que serve de desculpa para nada fazerem enquanto nos vão prometendo amanhãs que cantam. Mas é um raciocínio errado.

Pego em dois exemplos. Sendo verdade que não se constroem alojamentos para estudantes nem se formam professores de um dia para o outro, o que isto significa é que tem de haver capacidade de antecipação e planeamento: prever as necessidades futuras e preparar atempadamente as respostas adequadas.

E é isto que falha clamorosamente nos nossos decisores, apenas interessados em gerir a conjuntura e tendo como horizonte máximo das suas políticas o próximo acto eleitoral. Basta recuar uma década para recordar Nuno Crato a congratular-se com o excesso de professores e, pensando na poupança imediata sem acautelar o futuro, afastar da profissão cerca de 30 mil docentes, grande parte dos quais, os que agora nos faltam, terão desistido definitivamente da profissão. Ou o reitor da Universidade Nova a afirmar, há meia dúzia de anos, o seu desinteresse pela construção de residências universitárias.

Quando as pessoas que supostamente detêm o estudo, o conhecimento, a informação detalhada e a visão de conjunto que escapa ao cidadão comum, e a quem confiamos a capacidade de decidir, não dão mais do que isto, que futuro esperar deste país?…

Lixo académico que ninguém lê

A referência ao lixo académico no título do ensaio é provocadora, mas a tese de Daniel Lattier apoia-se em evidências difíceis de contestar: cada vez mais docentes universitários constroem o seu currículo e garantem os seus empregos publicando com regularidade, mesmo que não tenham nada de verdadeiramente relevante ou interessante a divulgar. Os números falam por si:

  • Os professores despendem entre 3 a 6 meses (por vezes mais) pesquisando e escrevendo um artigo de 25 páginas a submeter a uma revista académica;
  • Os artigos que passam no crivo da aceitação para publicação são lidos, em média, por… 10 pessoas;
  • Cerca de 82% dos artigos na área de Humanidades não são citados uma única vez nos cinco anos subsequentes à publicação;
  • Dos que são citados, apenas 20% foram efectivamente lidos;
  • Metade dos papers académicos são lidos apenas pelos autores, pares revisores e editores.

Daniel Lattier tenta explicar as razões do que considera uma loucura, a publicação anual de perto de dois milhões de artigos científicos que, na sua grande maioria, quase ninguém lê: as carreiras académicas quase inteiramente construídas com base no que se publica; a hiper-especialização do conhecimento académico, que leva cada novo departamento ou centro de investigação a publicar para legitimar a sua existência e utilidade. A verdade é que o conhecimento produzido é tão especializado e por vezes tão esotérico que se torna desinteressante e inacessível ao grande público e eventualmente até a outros académicos.

Para encerrar com uma nota de optimismo, acrescente-se que não advogo de forma alguma o fecho das universidades nem subscrevo as teorias pós-modernas que afirmam o primado do saber utilitário e rejeitam os “conhecimentos inúteis”. Continuando a ser fundamentais e a desempenhar um papel insubstituível no mundo em que vivemos, o que se nota é que, aparentemente, as universidades já contribuíram mais, no passado, para o progresso económico, social e cultural do que o fazem hoje: em vez de procurarem respostas para os problemas e desafios da sociedade, as academias desperdiçam boa parte do seu imenso capital cultural e humano a responder a perguntas que ninguém fez, em artigos que ninguém lê.

Para saber mais: Why Academics Are Writing Junk That Nobody Reads

OCDE propõe aumento de propinas

Portugal deveria adotar um sistema diferenciado de propinas em que o valor pago pelos estudantes do ensino superior seria definido com base em critérios socioeconómicos, recomenda a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

A recomendação da OCDE consta do relatório “Resourcing Higher Education in Portugal”, divulgado e apresentado esta segunda-feira, sobre o modelo de financiamento do ensino superior.

O estudo foi solicitado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que pretende rever o modelo de financiamento, e entre as mais de 30 sugestões, os peritos fazem referência às propinas, defendendo alterações ao modelo atual.

Atualmente, o valor máximo das propinas para o 1.º ciclo do ensino superior está fixado em 697 euros e todos os estudantes pagam o mesmo. Em vez disso, o relatório propõe um sistema diferenciado, em que o nível de propinas é associado a critérios socioeconómicos.

Nesse caso, os alunos bolseiros pagariam um valor mais baixo, enquanto os estudantes com baixos níveis de rendimento, mas não elegíveis para bolsa, pagam um nível médio, fixando-se um valor mais elevado para os restantes.

A estratégia já não é nova, e tem servido adequadamente os governos desejosos de fazer reformas sem grande discussão à sua volta: encomendam-se estudos supostamente técnicos e independentes, que convenientemente recomendam aquilo que o respectivo ministério já tinha na ideia. E assim se tenta construir um consenso alargado que evite tanto o debate público alargado como a discussão parlamentar de diferentes alternativas. Os consultores é que variam: no caso da Educação, governos de direita preferem geralmente aconselhar-se com a Universidade Católica, as fundações privadas ou certas universidades norte-americanas; o PS tem uma clara preferência pelos estudos encomendados à OCDE.

O relatório sobre o financiamento do ensino superior português (disponível, em inglês, no site da OCDE) defende ideias longe de consensuais e que nalguns casos contrariam mesmo a Constituição e a LBSE. Por exemplo, quando se defende uma diferenciação no valor das propinas em função dos rendimentos familiares. Na verdade, esse ajustamento já é feito por via fiscal: cobrar mais às famílias de classe média ou média-alta, que já sustentam o ensino superior através de parte dos impostos que pagam é restringir e penalizar ainda mais o acesso ao ensino superior, o que se torna ainda mais grave se tivermos em conta os custos elevados, e que continuam a aumentar, dos alojamentos nas cidades universitárias. Por outro lado, uma propina ainda maior para os rendimentos mais elevados, fazendo-os pagar algo próximo do custo real do seu curso, é uma forma não muito subtil de empurrar estes alunos para as universidades particulares, dando assim uma mãozinha ao negócio da educação privada.

O aumento das propinas – e consequentemente a redução do financiamento estatal das instituições – é uma velha aspiração da direita, que nunca se conformou com o acesso massificado dos filhos das classes trabalhadoras a um ensino superior de qualidade. Uma ideia que, à esquerda, sempre se contestou. Ainda em 2019, lembra Joana Mortágua, governantes socialistas defendiam a progressiva gratuitidade do ensino superior, com a consequente abolição das propinas. O que mudou, de então para cá, que tornou o PS refém das teses made in OCDE, focadas na redução de despesa pública, na segmentação dos públicos escolares e no princípio do utilizador-pagador? Várias coisas, mas a mudança fundamental deu-se nas urnas, com o fim definitivo da geringonça e o PS em maioria absoluta…

O mito das baixas qualificações

Historicamente, Portugal tem sido um país de analfabetismo e baixa escolarização, o que em termos laborais resulta numa estrutura económica assente em actividades tradicionais, com pouco valor acrescentado, tirando partido de uma mão-de-obra barata e pouco qualificada.

Mas esta realidade mudou rapidamente nas últimas décadas: os 12 anos de escolaridade obrigatória, a massificação do acesso ao ensino superior, onde também se diversificou a oferta formativa, tanto em termos de dispersão pelo território como da variedade e disponibilidade de cursos, a competência e o profissionalismo do corpo docente, tudo isto contribuiu para um crescimento rápido da população jovem com formação superior.

O gráfico, produzido com dados do Eurostat referentes a 2021, que retirei daqui, é elucidativo. Quase metade adultos jovens portugueses – 25 a 34 anos – detêm um grau académico de nível superior. Um valor que supera tanto a média da União Europeia como o objectivo de 45% definido pela UE para 2030. Estamos, neste ranking, à frente da Alemanha e de outros países onde ter uma população maioritariamente formada por doutores e engenheiros não parece ser prioridade.

O que nos leva à questão incómoda, raramente discutida com seriedade, de perceber para que queremos tantos licenciados, mestres e doutores como os que andamos a produzir. É certo que ninguém vai obrigado para os estudos superiores, e longe de mim pôr em causa o direito de cada um de investir na sua formação pessoal, académica e profissional ou a necessária democratização do acesso ao ensino superior. Pergunto apenas o que se faz neste país para dar resposta às expectativas destes jovens, quando nos continuamos a deparar com uma economia rotineira e pouco produtiva, assente no turismo e nos serviços pouco qualificados, onde o investimento de nacionais e estrangeiros parece continuar focado na especulação imobiliária, em vez da aposta em novas empresas e investimentos que tirem partido do imenso capital humano que vimos produzindo. E que apenas se valoriza, como temos visto, recorrendo à emigração. Iremos continuar, enquanto país, a alimentar a nossa vocação recente de exportadores de mão-de-obra qualificada que não somos capazes de valorizar?…

Escolas públicas preparam melhor para a Universidade

Um estudante formado numa escola secundária pública tem 63% mais probabilidades de obter boas notas na Universidade Complutense de Madrid do que um estudante que vem de uma escola privada (subsidiada ou não). Esta é a conclusão a que chegaram os investigadores María Fernández Mellizo-Soto e Alexander Constante num artigo baseado em dados sobre as cadeiras em que foram aprovados 8.660 estudantes inscritos no primeiro ano da sua licenciatura que concluíram o ensino secundário no ano académico 2017/2018. Mas os dados da Complutense, que cruza todo o tipo de indicadores, não são isolados e podem ser extrapolados para outras universidades públicas em Espanha. Num estudo posterior, Análisis del abandono de los estudiantes de grado en las universidades presenciales en España (2021), Fernández Mellizo-Soto concluiu novamente o mesmo para os 240.500 estudantes do primeiro ano matriculados em 2015-2016, embora nesse caso a professora de Sociologia Aplicada não tenha estabelecido um modelo, porque a solicitação do Ministério das Universidades se concentrou no número de estudantes que tinham deixado o ensino superior quatro anos mais tarde.

O elemento que mais determina o desempenho de um estudante universitário em Espanha é a nota com que ele ou ela entrou no curso de licenciatura, mas também é influenciado pelo facto de ter sido a primeira opção escolhida ou pelo género (as mulheres inscrevem-se em mais disciplinas e passam mais). Na Complutense, a probabilidade mais baixa de ter um bom desempenho (13%) é para um homem que obteve um 5 (em 10), estudou numa escola secundária privada e cuja família não vive em Madrid.

“Os alunos das escolas públicas têm melhor desempenho do que os das escolas privadas quando têm a mesma nota na EBAU [Evaluación del Bachillerato para el Acceso a la Universidad]. Colocámos então três hipóteses que ainda não foram provadas”, explica Fernández Mellizo-Soto, uma economista por formação. “Pode ser que o ensino seja de melhor qualidade [na escola pública]; ou que os da privada tenham dificuldade em adaptar-se à universidade, porque no colégio os professores andaram muito em cima deles e na universidade é preciso demonstrar outras competências – mais autonomia, mais fazer-se à vida… – que talvez a secundária pública lhe dê”. E aponta uma terceira hipótese: “Pode ser que no sector privado inflacionem as notas para que os alunos entrem em determinados cursos”.

O estudo agora divulgado pela imprensa espanhola confirma as conclusões de uma investigação da Universidade de Porto publicada em 2018: os bons alunos das escolas públicas mostram-se, em média, mais bem preparados para enfrentar as dificuldades e os desafios da universidade do que os provenientes das escolas privadas. Um resultado que pouco varia, sejam estas colégios de elite, ou o ensino privado ao gosto neoliberal, aquele em que as despesas são pagas pelos contribuintes mas os lucros ficam para os donos das escolas.

Estes resultados, que os autores consideram extrapoláveis para o resto de Espanha, assumem um especial significado por terem sido obtidos numa das comunidades autonómicas onde o ensino concertado – escolas privadas com financiamento público – mais tem sido promovido. As políticas neoliberais da presidente Ayuso, subfinanciando as escolas públicas e reduzindo a sua oferta educativa, ao mesmo tempo que promove a expansão das escolas privadas, não estão a melhorar globalmente a qualidade do sistema educativo. Mas promovem a segregação dos públicos escolares e o aumento das desigualdades: num país onde a gestão da Educação está quase inteiramente entregue ao poder regional, a Comunidade de Madrid é presentemente a campeã espanhola da segregação escolar e das desigualdades no acesso à Educação. Só suplantada, no contexto europeu, pela Turquia

Sapateiros a tocar rabecão

A música da rabeca é, aqui, a leccionação no ensino básico e secundário. Os sapateiros, sem desprimor para o prestimoso ofício da sapataria, são a maioria dos docentes do ensino superior que nunca deram aulas aos níveis de ensino para os quais formam professores. Ensinam a teoria, que leram nuns livros ou nuns papers quase sempre desactualizados, mas nunca experimentaram na prática se e como ela funciona.

Este desfasamento está na origem de inúmeros males de que padece o nosso sistema educativo e transporta consigo uma forte agravante: estes mestres eduqueses, profes do superior que desconhecem a prática lectiva do ensino inferior, ou que a abandonaram há muitos anos, querem distância das salas de aula. E por isso estão dispostos a caucionar todas as teorias e modas educativas do agrado dos seus superiores ou dos governantes de turno, apenas para poderem conservar os seus lugares e a sua zona de conforto na ESE, na universidade ou num qualquer centro de investigação ou “observatório” bem instalado à mesa do Orçamento. Ou seja, a mediocridade está patente não apenas ao nível do que ensinam mas também da investigação que (não) fazem, algo que o estudo do EDULOG vem igualmente demonstrar.

Tantas vezes tenho criticado a agenda e os interesses das fundações do regime dedicadas à área da Educação, que haveria de chegar a vez de elogiar uma iniciativa. Eis que finalmente surge, através de uma fundação ligada à SONAE, um estudo sobre algo verdadeiramente relevante, que não se limita a reproduzir, pela enésima vez, as patacoadas e lugares comuns que vimos lendo e ouvindo há décadas.

Acrescente-se apenas que nada disto é isento ou inocente. Um novo paradigma na formação e recrutamento de professores estará na ordem do dia, mais tarde ou mais cedo, e os interesses privados que se movimentam no sector vão tomando posições. Desacreditar a formação pedagógica dos professores – que na verdade já se vem desacreditando, por si própria, há bastante tempo – é meio caminho andado para afirmar a sua irrelevância. Que havendo uma adequada formação científica, a pedagogia é algo que se aprende fazendo, dirão. Isto significa, é claro, um retrocesso de 30 ou 40 anos na política de formação de professores. Mas é o que convém aos interesses convergentes, públicos e privados, numa carreira docente ainda mais precarizada e desvalorizada. Aberta aos fracassados de outras profissões que decidam, como último recurso, ir dar umas aulas…

Apenas cerca de um terço dos docentes que asseguram a formação inicial de futuros professores tem experiência de lecionação nos ensinos básicos e secundário. E um terço não tem formação no ramo educacional, estando os perfis académicos desajustados às componentes de formação. Uma radiografia ao perfil dos professores do Ensino Superior feita pelo EDULOG, da Fundação Belmiro de Azevedo, com várias recomendações. Desde logo, investir na progressão da carreira académica, bem como o desenvolvimento de atividades de desenvolvimento profissional relacionadas com o exercício da docência.

Como ponto prévio, o “Perfil académico profissional de professores do Ensino Superior que asseguram a Formação Inicial de Professores” (FIP), levado a cabo pelo Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Universidade do Porto, sublinha que a maioria dos docentes possui doutoramento. Contudo, o estudo apurou “uma dimensão teórica excessiva nestes cursos e que valeria a pena haver um reforço da formação em contexto de trabalho ou simulado”, explica ao JN David Justino, membro do Conselho Consultivo do EDULOG. O que significa que “há margem para melhorar”.

[…]

Acresce, frisa o ex-ministro da Educação, “o défice de investigação aplicada”. Com o estudo a concluir por um “volume de publicação de artigos baixo”, sendo as “publicações de ordem didática, de que são exemplo os manuais escolares e cadernos didáticos, em número residual”. Para David Justino, “vale a pena criar incentivos para que haja mais investigação aplicada, porque é isso que faz falta”.