1.º de Maio de 1974

Completam-se hoje 50 anos após o primeiro Dia do Trabalhador celebrado em democracia. Embora não completamente esquecido no tempo da ditadura, era vivido pela generalidade da população como um dia normal de trabalho. O Estado Novo proibia expressamente as manifestações, a não ser as supostamente “espontâneas” de apoio ao regime e ao ditador. As outras eram geralmente dispersadas a cassetete, embora se possa dizer que a ditadura também celebrava, à sua maneira, a festa proibida: umas semanas antes do 1.º de Maio, a PIDE ia prendendo, para interrogatórios e investigações, reais ou supostos agitadores que pudessem desencadear actos de protesto no Dia do Trabalhador.

Comemorando a liberdade recém-conquistada com a Revolução dos Cravos, o povo saiu à rua em Lisboa e noutras cidades do país. Embora não haja números rigorosos, calcula-se que mais de um milhão de pessoas terá participado nas concentrações e desfiles do 1.º de Maio de 1974, e que faz desse dia, muito provavelmente, o da maior manifestação de sempre realizada em Portugal. Sem tempo ainda para se afirmarem as diferenças entre partidos e tendências sindicais que haveriam de marcar o PREC e o período pós-revolucionário, o que ressalta da festa dos trabalhadores de 1974 é, a par da imensa alegria de um povo que finalmente se sentia livre, o espírito de unidade: todos rejeitavam a ditadura, a guerra, a miséria e olhavam com esperança e optimismo o futuro a construir.

Se o número de pessoas que saíram à rua se constitui como algo inédito e expressivo, este dia foi mais do que isso. Tantas vezes chamado “Primeiro 1º de Maio” – inaugural na sua celebração em liberdade, depois de 48 anos de ditadura – foi uma coisa nunca vista. João Abel Manta desenha este acontecimento para a primeira página do Diário de Lisboa: ao centro da imagem um casal jovem, com uma criança aos ombros, sorridentes, de punhos erguidos. Sem medo, felizes, vitoriosos. Festa e luta.

As ruas foram, assim, tomadas pelos corpos e pelas vozes, por todos aqueles que se constituíam, ou estavam em processo de se constituir, como sujeitos políticos. Como na canção de Zeca Afonso: O Povo é quem mais ordena. Ou ainda como titularam vários do jornais coevos que mostravam as manifestações desse Maio, remetendo para a palavra de ordem que se tornou tão central: O Povo Unido jamais será vencido. Palavra de ordem que se ouve, por exemplo, na reportagem da RTP sobre as manifestações em vários locais do país, com destaque para Lisboa.

A rua deixou de ser interdita – porque o era para os que não apoiavam ou eram arregimentados e enquadrados pela ditadura. Interdita, é certo, a rua nunca deixou de ser um território de confronto, no qual se materializava o combate desigual entre o aparato policial e repressivo do Estado e os corpos dos opositores. Mas depois da revolução de Abril, as manifestações já não podiam ser proibidas. O espaço foi reconquistado. É, assim, político e politizado.

As pessoas que saíram à rua nesse Maio trazem as suas reivindicações para o espaço público, tornam-se visíveis, audíveis e presentes. Flutuam bandeiras, os braços seguram faixas e cartazes. E há cravos. Há uma pluralidade de mensagens escritas nas faixas e cartazes, que se fazem ouvir nas entrevistas que foram feitas, que se recordam nas memórias de quem viveu o momento. Até mesmo, como se pode ver no filme As Armas e o Povo (1975), um cartaz no qual se lê: “A poesia está na rua”. São as reivindicações do mundo do trabalho, mas são muito mais do que isso. Deitam fora o velho, o bafiento, a ditadura e a guerra. Para dar lugar ao novo. Para dar lugar à construção do novo. A todas as possibilidades do que poderia ser esse novo. Este momento pode, assim, ser visto como uma irrupção popular que anuncia e materializa a nova dinâmica política. Nos meses seguintes, vivia-se em Portugal o PREC (Período Revolucionário em Curso).

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Dia Internacional da Educação

Havendo muitas coisas sem as quais não podemos passar, há uma que é incontornável para o futuro da humanidade: a Educação. Tudo o que de melhor podemos ambicionar para o nosso futuro colectivo – a paz, o progresso social, a solidariedade, o desenvolvimento sustentável – dependem do acesso generalizado das populações ao conhecimento e à cultura, um caminho que começa a ser desbravado na escola e deverá prosseguir, desejavelmente, ao longo da vida.

No dia em que internacionalmente se celebra a Educação, a UNESCO sublinha a importância crucial da Educação no combate à intolerância e ao discurso de ódio, em prol de um mundo pacífico e tolerante, onde as liberdades individuais e colectivas caminhem a par com a justiça e o progresso de todos os povos.

A UNESCO dedica o Dia Internacional da Educação, celebrado a 24 de janeiro de 2024, ao papel crucial que a educação e os professores desempenham na luta contra o discurso de ódio, um fenómeno que se multiplicou nos últimos anos com a utilização dos meios de comunicação social, prejudicando o tecido das nossas sociedades.

O mundo está a assistir a uma onda de conflitos violentos, paralelamente a um aumento alarmante da discriminação, do racismo, da xenofobia e dos discursos de ódio. O impacto desta violência transcende qualquer fronteira geográfica, de género, raça, religião, política, offline e online. Um compromisso ativo a favor da paz é hoje mais urgente do que nunca: A educação é fundamental para este objetivo, tal como sublinhado na Recomendação da UNESCO sobre a Educação para a Paz, os Direitos Humanos e o Desenvolvimento Sustentável. A aprendizagem para a paz deve ser transformadora e ajudar a capacitar os alunos com os conhecimentos, os valores, as atitudes, as competências e os comportamentos necessários para se tornarem agentes da paz nas suas comunidades.

“Porque se o ódio começa com palavras, a paz começa com a educação. O que aprendemos muda a forma como vemos o mundo e influencia a forma como tratamos os outros. A educação deve, portanto, estar no centro dos nossos esforços para alcançar e manter a paz mundial.”

© UNESCO

Feliz Ano Novo!

Após um ano marcado, internamente, por sucessivas crises sociais e políticas e, a nível internacional, pelo recrudescer da guerra, da violência e de pulsões genocidas e totalitárias, algumas vindas de onde os ingénuos menos esperariam, esperemos que 2024 traga algum desanuviamento à cena política nacional e mundial.

E, sendo este um blogue dedicado à Educação, também não ficará mal desejar novos e melhores rumos a um sector que nos últimos anos tem sido verdadeiramente deixado ao deus-dará. No mínimo, que se arrepie caminho em relação a algumas das mais calamitosas e evidentes asneiras dos últimos anos…

Um Bom Ano Novo a todos os leitores!

Leituras: Saramago em defesa dos Direitos Humanos

Excerto do discurso proferido em Estocolmo a 10 de Dezembro de 1998, ano em que Saramago foi agraciado com o Prémio Nobel da Literatura e na data em que se celebravam os 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. No dia de hoje cumprem-se já 75 aniversários, mas nem por isso os direitos humanos parecem ser mais respeitados e defendidos no mundo global do que eram nessa altura. E se nalgumas partes privilegiadas do mundo se discutem os pronomes de cada um ou que casa de banho têm direito de usar, noutros lados os direitos mais básicos como a vida, a segurança ou a acesso a água potável, alimentos e abrigo que são ostensivamente negados a quem tenta sobreviver nessas paragens.

Nestes cinquenta anos não parece que os governos tenham feito pelos direitos humanos tudo aquilo a que, moralmente, quando não por força da lei, estavam obrigados. As injustiças multiplicam-se no mundo, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrénica humanidade que é capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte neste tempo do que ao nosso próprio semelhante.

Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os governos, seja porque não sabem, seja porque não podem, seja porque não querem. Ou porque não lho permitem os que
efetivamente governam, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não democrático, reduziu a uma casca sem conteúdo o que ainda restava de ideal de democracia. Mas também não estão a cumprir o seu dever os cidadãos que somos. Foi-nos proposta uma Declaração Universal de Direitos Humanos, e com isso julgámos ter tudo, sem repararmos que nenhuns direitos poderão subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem, o primeiro dos quais será exigir que esses direitos sejam não só reconhecidos, mas também respeitados e satisfeitos. Não é de esperar que os governos façam nos próximos cinquenta anos o que não fizeram nestes que comemoramos. Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra e a iniciativa. Com a mesma veemência e a mesma força com que reivindicarmos os nossos direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa começar a tornar-se um pouco melhor.

Aqui, a versão integral de um discurso tão actual que poderia ter sido escrito hoje, se o seu autor ainda estivesse entre nós.

Um Halloween com sentido

A despropósito, dirão alguns, eis a minha proposta alternativa, vinda a pretexto de uma festa importada do mundo anglo-saxónico, sem raízes nas tradições portuguesas mas que o poder dos media e das redes sociais – e dos professores de Inglês, já agora, admito que com a melhor das intenções – vem promovendo desde há décadas. A imagem não é minha; apenas amplifico, por aqui, o que me parece ser uma ideia feliz.

Bem sei que os sindicatos estão fora de moda, em detrimento de movimentos inorgânicos, organizados em torno de activistas, bloguers ou outros influenciadores carismáticos. Contudo, não tenhamos ilusões: todas essas formas de mobilização colectiva complementam, não substituem, a representação organizada e institucional dos trabalhadores, através dos seus sindicatos.

Como a História demonstra amplamente, os países e os períodos em que se registaram maiores conquistas dos trabalhadores foram precisamente aqueles em que estes puderam dispor, além de outras circunstâncias conjunturalmente favoráveis, de sindicatos fortes, representativos e bem sintonizados com as aspirações dos seus associados. Já o oposto, a convicção de que nos safamos melhor indo cada um por si, rasteirando o próximo se preciso for para agradar ao patrão, é meio caminho andado, numa relação naturalmente desigual como é a relação de trabalho, para que este os coma a todos de cebolada.

Os professores de que precisamos

…para a Educação que queremos!

Sendo a falta de professores um problema real, existe sempre o risco de que políticos impreparados e políticas improvisadas o tentem resolver da pior maneira: confundindo o direito a uma Educação de qualidade, que só pode ser garantida por profissionais qualificados, com a guarda de crianças e adolescentes em salas de aula, por professores improvisados, onde se tenta que passem o tempo de forma agradável e, se possível, aprendam alguma coisa.

A Fenprof associa-se às comemorações do Dia Mundial do Professor, aproveitando a oportunidade para sublinhar a necessidade, não só de mais professores, mas de que todos eles exerçam com a formação científica e pedagógica necessária, com uma carreira valorizada e condições de trabalho dignas e adequadas às exigências da profissão.

O lema do Dia Mundial do Professor que é mote da conferência internacional, apesar de vivermos num tempo em que faltam professores nas escolas, não tem um sentido quantitativo, isto é, não se refere ao número de professores que são necessários, mas às suas caraterísticas e qualidade, tendo em consideração as exigências de um ensino e uma educação orientados para uma sociedade de desenvolvimento e progresso, solidária, diversa e socialmente justa. A tal, não se adequaria o projeto apresentado pelo governo de alteração ao regime de formação de professores. Em Portugal, como no mundo são necessários professores com formação de elevada qualidade, em que a Pedagogia não sucumbe perante o didatismo tecnicista, e que sejam profissional, social e materialmente valorizados, com carreiras e condições de trabalho dignas e atrativas, condições necessárias para que Professor seja uma profissão de futuro e garante da Escola Pública.

O 10 de Junho, há 50 anos

Texto e imagem jornalísticos reproduzidos daqui.

O Dia de Portugal, comemorado tradicionalmente em 10 de Junho, teve a sua nota mais saliente na homenagem pública prestada pela Nação aos componentes dos três ramos das Forças Armadas. Nas cerimónias que decorreram em Lisboa, Porto, Coimbra, Évora, Santarém, Ponta Delgada, Funchal, São Vicente, Bissau, Luanda e Lourenço Marques, foram agraciados, por feitos valorosos, os melhores de todos nós: os heróis de Portugal.

Em Lisboa, onde a consagração dos combatentes foi presidida pelo Chefe do Estado, o acto culminou com o desfile das Forças em parada, no Terreiro do Paço, o qual pela imponência do seu conjunto e pelo garbo das tropas, constituiu um espectáculo de impressionante beleza marcial a que o público lisboeta correspondeu com o entusiasmo dos seus aplausos.

À cerimónia realizada em Lisboa presidiu o Chefe do Estado, que se encontrava acompanhado do Presidente do Conselho, dos Presidentes da Assembleia Nacional, da Câmara Corporativa e do Supremo Tribunal de Justiça, de membros do Governo, do Bispo de Madarsuma, em representação do Cardeal-Patriarca de Lisboa, e de Oficiais Generais dos três ramos das Forças Armadas, Adidos Militares e outras altas entidades militares e civis.

Meio século depois, um olhar sobre o 10 de Junho de 1973, a última celebração do Dia de Portugal feita durante a ditadura.

Nesses tempos, o dia que actualmente celebra também Camões e as Comunidades Portuguesas evocava um Portugal nacionalista, imperialista e guerreiro. Tendo como pano de fundo uma guerra colonial com custos humanos e materiais cada vez maiores e um crescente isolamento internacional de um regime que mais não era do que uma sobrevivência anacrónica do modelo de estados autoritários e fascizantes que assolou a Europa nos anos 30, as cerimónias do 10 de Junho tinham então um cunho fortemente militarista: paradas militares, condecoração de heróis da guerra colonial – alguns recebidos, a título póstumo, pelas viúvas -, discursos que mesclavam a evocação da História com apelos à defesa da pátria ameaçada. Era uma ditadura esgotada e acossada por todos os lados, até pelos mais antigos e fiéis aliados, reproduzindo à exaustão um discurso absurdo mas sem contraditório permitido, tentando convencer-se a si mesma, e ao povo mantido na ignorância, de ser portadora de um sentido histórico e patriótico há muito desprovido de qualquer sentido.

Música para o Ano Novo: Orquestra Filarmónica de Viena – Danúbio Azul

Feliz Ano Novo!

Mesmo com o novo ano a entrar enquanto o país é copiosamente regado a chuva intensa, o virar da página no calendário sugere-nos sempre a necessidade de encarar o futuro com algum optimismo.

Um optimismo moderado e realista, pois apesar das crises, das guerras, das desigualdades e injustiças que persistem à nossa volta e por todo o mundo, 2023 será aquilo que a humanidade fizer dele.

Feliz 2023 para todos os leitores!

Música para o Dia do Professor: Maria e Nerita – Al Maestro