Guia para falar em público sobre qualquer assunto

O diagrama é muito simples e está especialmente bem conseguido na versão espanhola que viralizou na internet.

Dedico-o em particular aos especialistas instantâneos em Educação que ultimamente têm brotado como cogumelos pelas páginas dos media e que, do alto da sua ignorância arrogante, nos pretendem dar lições de história e de ciência da Educação.

A mensagem é simples, e fica aqui claramente expressa para quem se sinta menos à vontade com o idioma de Cervantes: se não sabes nem percebes do assunto, fica calado.

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Aprendizagens essenciais no Secundário

Diz que as aprendizagens essenciais para o Ensino Secundário estão em consulta pública. E a avaliar pelo que que se escreve e discute nos media e nas redes sociais, a sua importância parece condensar-se na magna questão de saber que Os Maias de Eça de Queirós já não são de leitura obrigatória.

Há, como é óbvio, muito mais para ver nos documentos, referentes a todas as disciplinas, que agora se encontram no site da Direcção-Geral da Educação (clicar na imagem para aceder).

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Segundo a DGE, as aprendizagens essenciais estão em consulta pública até ao dia 27 de Julho. Mas a verdade é que hoje, 19 de Julho, seguindo o link indicado, em vez do formulário que deveria estar disponível, o utilizador encontra isto:

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Toma lá, que é democrático!…

Adenda a 20/07: ontem, ao final do dia, o formulário recomeçou a funcionar…

Aprendizagens essenciais em consulta pública

As aprendizagens essenciais já estão em vigor nas turmas de início de ciclo integradas no projecto-piloto da autonomia e flexibilidade. Contudo, só agora o ME publicou o conjunto completo para todos os anos de escolaridade do ensino básico.

Os documentos encontram-se em consulta pública no site da Direcção-Geral da Educação (clicar na imagem para aceder).

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Pelo que vi em relação à disciplina de História, parece-me que foi feita uma selecção adequada de prioridades em termos de aprendizagem, que é o que me parece ser o sentido de um documento deste tipo. Não pude ainda confirmar relativamente a outras disciplinas, mas se for essa a tendência geral, parece-me um caminho mais equilibrado do que as metas maximalistas e em muitos casos inexequíveis aprovadas no tempo de Nuno Crato.

Encontro contudo um problema grave: mesmo reduzidas ao “essencial”, parece-me impossível, na generalidade dos casos, cumprir tudo o que ali está em 90 ou 100 minutos semanais, que é o que a nova organização curricular reserva, em regra, à disciplina de História no 3º ciclo. Que com flexibilidades, transversalidades e cidadanias, poderá ainda perder, como qualquer outra, até 25% do tempo que deveria estar reservado à leccionação dos conteúdos programáticos.

É louvável a intenção, tantas vezes anunciada, de querer desenvolver mais e melhores competências nos alunos, apostando na criatividade, no pensamento crítico, na cidadania activa, no relacionamento interpessoal. Mas deveria perceber-se que nada disto se constrói sem uma base sólida de conhecimentos estruturados e na capacidade de pensar sobre eles, coisa que não se obtém nem desenvolve através de achismos espontâneos ou preconceituosos nem com pesquisas instantâneas no dr. Google. E que a superficialidade dos trabalhos de projecto “trans” que tanto parecem entusiasmar o secretário João Costa não passam, na grande maioria dos casos, de escusadas perdas de tempo.

As aprendizagens essenciais estão em consulta pública, e todos podem dar o seu contributo indo por aqui. Como vem sendo hábito deste ministério, a discussão pública já nasce formatada, pois todas as propostas ou objecções terão de ser introduzidas através de um formulário. O que pressupõe, como é óbvio, a aceitação tácita da coisa em si, apenas se discutindo a colocação das vírgulas ou outros pormenores da arrumação final.

O dia do perfil ou a mudança imposta aos professores

perfil-2No “Dia do Perfil”, evento algo ridículo que pretende substituir as aulas do dia pela discussão de um tema sem substância, percebe-se a vontade de, insidiosamente, tentar mobilizar os alunos contra os professores “retrógrados” e avessos à mudança.

Atrever-me-ia a dizer que talvez lhes saia o tiro pela culatra, pois os alunos que se interessam o suficiente por estas questões não se costumam contentar com as ideias simplistas e a retórica balofa com que o ME tenta formatar este tipo de discussões.

Mas prefiro fugir à agenda desinteressante do ME e colocar outras questões.

Porquê discutir uma coisa tão redonda, inóqua e sensaborona como o perfil do aluno?

Parte da resposta é evidente: porque enquanto se fala de perfis não se fala das turmas grandes, da indisciplina, da falta de apoios sociais e educativos, dos professores “congelados” e mal pagos, dos mega-agrupamentos, das más condições existentes em muitas escolas.

Também é muito bonito defender que se desenvolva o pensamento crítico nas escolas, mas a verdade é que a desconfiança dos políticos nos professores se estabelece, desde logo, porque estes ensinam os alunos a pensar pela sua cabeça mais do que aqueles desejariam.

E que dizer do discurso maniqueísta dos professores maus e dos bons? No discurso politicamente correcto dos tempos que correm, os bons professores já não são os que norteiam por princípios éticos e científicos o exercício da sua profissão, mas os que seguem acriticamente as modas educativas. Os que cumprem escrupulosamente a agenda do poder e obedecem sem questionar a todas as solicitações dos governantes de turno.

Claro que uma escola divertida, onde os alunos fazem o que querem, é bastante mais barata e inofensiva do que aquela que os confronta com exigências, regras, responsabilidades e desafios. Mas enquanto a escola assente no conhecimento estruturado exige professores motivados para ensinar e com sólida formação científica de base na sua área de especialidade, a guarda de crianças e adolescentes pode fazer-se com mão-de-obra pouco qualificada e a custos muito mais reduzidos. E a escola que nos dizem ser a do século XXI passa, em larga medida, por aqui.

Um director contra o calendário semestral

jose-eduardo-lemosAfinal nem todos os directores querem a divisão do ano lectivo e a avaliação dos alunos organizadas em semestres. José Eduardo Lemos, presidente do Conselho de Escolas, contesta abertamente a posição que tem sido defendida por Filinto Lima, da ANDAEP, associação representativa dos directores.

Do ponto de vista da avaliação dos alunos, é absolutamente irrelevante o ano letivo ser dividido em dois, em três, quatro ou mais períodos. Será sempre a última avaliação do ano letivo a ajuizar do percurso do aluno em cada disciplina e no ano de escolaridade frequentado.

[…] Defender que as taxas de sucesso escolar aumentam se diminuirmos os momentos de avaliação (dos três que existem atualmente para dois) leva-nos à conclusão óbvia de que se existisse apenas um momento de avaliação, as taxas de sucesso seriam ainda mais elevadas. Nesta linha de argumentação, estranha-se que não se defenda a eliminação de todos os momentos de avaliação, para que o sucesso seja de 100%.

O argumento de que a organização do ano letivo em dois semestres reduziria o trabalho burocrático dos professores também não colhe. Desde logo, porque a avaliação dos alunos não é um trabalho burocrático, antes pelo contrário, é um trabalho eminentemente pedagógico, da competência exclusiva dos professores. Portanto, libertar os professores das reuniões de avaliação é libertá-los de tarefas pedagógicas e não de tarefas burocráticas.

Quanto à redução da despesa de Educação e dos danos causados aos alunos pela diminuição do número de retenções, também me parece que Filinto Lima atira ao lado do alvo. Se a retenção é uma despesa a evitar e se provoca danos (psicológicos!?) aos alunos então – haja coragem – não se permita reprovar alunos.

Embora Filinto Lima não refira nenhuma, também existem desvantagens que convém identificar. A divisão do ano letivo em semestres exigirá, apenas, uma presença mínima dos pais nas escolas, uma ou duas vezes por ano. Poder-se-á objetar que pais vão à escola sempre que entenderem, tal como hoje, mas com tantas críticas à persistente ausência dos pais das escolas, não posso deixar de notar que a semestralidade terá o efeito negativo de os afastar ainda mais.

Acresce que uma avaliação realizada apenas no final de um semestre de aulas, reduzirá fatalmente a perceção que os alunos, os pais e os próprios professores terão da qualidade das aprendizagens realizadas, das dificuldades evidenciadas e das medidas que será necessário adotar para as ultrapassar. Será tarde demais para qualquer ação corretiva consequente.

A tenra idade e ainda pouca maturidade dos alunos dos Ensinos Básico e Secundário e o previsível maior afastamento dos pais da escola desaconselham a aplicação de um modelo de avaliação semestral dos alunos, tal como é defendido por Filinto Lima.

Olhando para as novas matrizes da flexibilidade curricular, encontro ainda mais uma desvantagem na organização semestral: a de que ela facilite e incentive a semestralização de algumas disciplinas, já em tempos sugerida pelo secretário de Estado João Costa, que seria a forma mais expedita de lhes retirar peso no currículo.

Sem uma opinião definitiva sobre o tema, prefiro que ele seja discutido na perspectiva em que é colocado por Eduardo Lemos, equacionando vantagens versus inconvenientes, do que pela visão voluntarista de quem acha que descobriu na organização semestral do calendário escolar a solução milagrosa para quase todos os problemas pedagógicos e organizacionais das escolas portuguesas. E aguardo serenamente os resultados da aplicação de projectos neste sentido que irão ser implementados já em 2017/18.

Inclusão escolar: continua a discussão pública

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Mesmo em período de férias escolares continua, em tom morno, a discussão pública do novo regime legal para alunos com necessidades educativas especiais.

Há um aspecto positivo no novo projecto de diploma que parece ser consensual: deixam de ser clínicos, como até aqui, e passam a ser eminentemente pedagógicos, os critérios para a integração de alunos nas medidas e modalidades de apoio previstos no novo decreto. Aliás, no plano dos princípios, quase todos parecem estar de acordo: há boas ideias, tal como também já existiam no articulado do decreto-lei 3/2008. O problema é passá-las à prática…

A concepção do novo modelo de Educação Especial merece elogios da Federação Nacional de Professores (Fenprof): “Assinamos por baixo o preâmbulo da lei”, diz a dirigente Ana Simões.

O “problema” para o sindicato está “no articulado”, isto é, na forma como a nova visão da tutela para o sector se aplicará na prática. É uma posição semelhante à da dirigente da associação Pais em Rede, Luísa Beltão. “A proposta faz sentido, mas precisamos de ser realistas”, diz.

Para a dirigente da associação de pais de alunos com necessidades educativas a lei ainda em vigor “não foi desenvolvida na maioria das escolas”. “Não há uma única escola em Portugal que consideremos inclusiva”, acusa. Por isso, Luísa Beltrão duvida da eficácia de um novo modelo “muito mais exigente” e que vai ser aplicado num sistema de ensino “que não foi capaz de cumprir coisas básicas e continua a marginalizar estas crianças”.

Ou, como nota Luís de Miranda Correia:

O que é preciso é retirar essas “palavras bonitas” do papel onde já estão a criar bolor e pô-las a saltitar nas escolas para que estas possam efetivamente acomodar uma filosofia inclusiva que permita providenciar serviços para os alunos em risco, com necessidades educativas especiais, sobredotados e talentosos, fazendo-o de uma forma que possa proporcionar sucesso a todos os alunos. Só que esta mudança requer uma restruturação profunda que o documento ora em discussão pública parece querer tratar, embora, a meu ver, não o tenha conseguido fazer dado o seu cariz abrangente, relegando para segundo plano a educação de crianças e adolescentes com necessidades especiais.

Outro problema de um documento demasiado vago e omisso em pontos essenciais é o lugar que no futuro modelo se reserva aos professores da educação especial: será que, em nome da inclusão, não se está a preparar a redução drástica do número destes profissionais, que passarão a actuar apenas nos casos mais graves – surdez, cegueira, multideficiência, perturbações do espectro do autismo – retirando-se os apoios individualizados que estes professores actualmente prestam a muitos outros alunos, em nome de uma inclusão formal que estará longe de responder às necessidades? O governo diz que não, e defende-se das críticas:

O papel dos professores de Educação Especial não vai sofrer alterações quando entrar em vigor o novo modelo para o sector, que está neste momento em discussão pública. A garantia é dada ao PÚBLICO pelo Governo e surge depois de sindicatos e associações terem demonstrado dúvidas sobre qual seria o papel dos docentes especializados face à forma como está redigida a proposta da nova lei.

Pessoalmente, já ando nisto há suficientes anos para saber que este tipo de promessas, quando não se traduzem em clarificações no articulado da lei, indiciam que provavelmente é mesmo o contrário do que agora promete o que o governo quer realmente fazer. A tentação economicista é forte, e com um quadro legal que a favoreça, serão uma vez mais os que mais precisam a verem-lhes negados os apoios a que têm direito.

No fim, persiste aquela sensação incómoda de que se pretende, como tem sido comum na Educação portuguesa, fazer omeletes sem ovos:

A proposta que está em discussão pública faz várias referências aos recursos necessários para a aplicação destas medidas. “As medidas selectivas são operacionalizadas com os recursos materiais e humanos disponíveis na escola”, lê-se numa das passagens do articulado. A ideia repete-se, com diferentes formulações, ao longo do documento, e tem sido interpretada como limitação ao reforço de recursos nas escolas para cumprir o disposto na mesma proposta.

É dessa forma que Ana Simões, dirigente da Fenprof, lê o documento: “Para uma verdadeira inclusão são precisos recursos e isso não pode ser feito quando o texto fala que os recursos são os existentes nas escolas e mais nada.”

“Se isso acontecer, poder pôr-se em causa a efectividade da lei”, avisa David Rodrigues da Pró-Inclusão.

 

Incluir por decreto?

inclO projecto de decreto-lei destinado a substituir o actual decreto 3/2008 está em discussão pública. Mas, e embora já tenham sido produzidos alguns valiosos contributos para a discussão, tanto da parte de académicos como de professores de educação especial, o articulado do novo diploma nem sempre clarifica, para os não especialistas, as reais intenções do governo relativamente à educação das crianças e jovens com necessidades especiais.

Torna-se assim útil repescar as declarações de há umas semanas atrás da secretária de Estado da Inclusão para perceber algumas ideias subjacentes às mudanças pretendidas.

“Tem vindo a aumentar muito o número de alunos a quem é aplicado o CEI [currículo específico individualizado] e isso é preocupante”, disse à agência Lusa a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, sublinhando que o executivo pretende que este currículo seja aplicado apenas em casos de “deficiência profunda, em que a apreensão de conteúdos esteja seriamente dificultada”.

Ana Sofia Antunes alertou também para o facto existirem, de momento, vários obstáculos para as crianças que são encaminhadas para esta medida especial de adaptação curricular, criticando o facto de, quando o jovem termina o 9.º ano, apenas recebe um “certificado de frequência” e não um certificado de aprovação.

Esta situação “coloca problemas no momento” de os alunos serem “aceites num curso profissional, em que eles têm de ter determinado tipo de certificação de conteúdos já apreendidos”, apontou a secretária de Estado.

As crianças, ao não terem um certificado de aprovação, não podem ser encaminhadas para o ensino profissional e, mesmo que o frequentem, apenas irão “sair de lá com um certificado de frequência”.

“Qual é a empresa que lhe vai dar uma oportunidade? Ela aprender os conteúdos, até aprendeu, mas não tem um diploma. Isso não faz sentido”, disse, referindo que o Governo está a trabalhar para que esta situações fiquem clarificadas.

A secretária de Estado avançou ainda que está a ser estudado, em conjunto com o Ministério de Educação, um aumento do número de horas de apoio curricular por semana para as crianças com necessidades educativas especiais.

“À chegada, deparámo-nos com crianças com meia hora de apoio curricular por semana. Isso é nada”, sublinhou Ana Sofia Antunes, que falava à agência Lusa à margem do Encontro Internacional de Educação Especial, que decorre entre hoje e sexta-feira na Escola Superior de Educação de Coimbra.

O governo acha excessivo o número de alunos com necessidades especiais que cumpre um currículo individualizado, em vez de frequentar as mesmas aulas dos colegas. E parece empenhado num jogo perigoso, que é o de empurrar o maior número possível destes alunos para o ensino regular, sem procurar, nem perceber porque é que estas crianças e jovens não conseguem aceder ao currículo, nem reforçar os meios e os apoios necessários para essa integração.

Nota-se nas palavras da secretária de Estado um excesso de voluntarismo e de optimismo, ao assumir que uma criança com sérios comprometimentos ao nível cognitivo, pelo facto de frequentar as mesmas aulas, adquire as mesmas competências e faz as mesmas aprendizagens que os colegas que não têm os seus problemas.

Como se a empregabilidade dos jovens que concluem a escolaridade dependesse da designação do diploma escolar apresentado pelo candidato ao emprego e não das reais competências que adquiriu. Como se escrever palavras bonitas pudesse, só por si, mudar a realidade.

Também não se percebe muito bem o sentido do “apoio curricular” que se pretende agora reforçar. Será algo do género das tutorias para grupos de dez alunos que se experimentaram este ano, julgo que com escassos resultados?

É assim tão difícil perceber que os alunos com necessidades educativas especiais precisam, acima de tudo, de ter aulas ajustadas às suas especificidades, e não de uma profusão de apoios que aumentam a carga lectiva? Que o apoio mais eficaz é o que é dado no contexto da aula? Que o recurso ao apoio extra-lectivo é em si mesmo o reconhecimento de que a aula curricular, para aquele aluno, não resultou?

Aceita-se que juristas e académicos andem um pouco a leste dos problemas e realidades da inclusão escolar vividos no dia a dia das nossas escolas. Mas esperar-se-ia um pouco mais de humildade e de reconhecimento do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelos professores portugueses, cuja experiência e conhecimento da realidade são fundamentais para a discussão séria que o assunto merece. Que ouvissem os professores e reflectissem no que temos para lhes dizer, em vez de nos quererem, mais uma vez, impor as suas boas soluções.

Vamos mesmo passar toda a gente?

Parece ser essa a tendência a breve prazo: perante o consenso social e político em torno do fim das retenções, vão ficando cada vez mais isolados os resistentes que defendem a retenção dos alunos que não atingem os mínimos exigíveis para transitar de ano. Nesta perspectiva, a escola, tal como a vida, não é um passeio, e quem não atingir as metas propostas, e sobretudo não se esforçar para o fazer, deve sofrer as consequências.

Falei em consenso para acabar com as retenções, mas é necessário fazer aqui uma ressalva: sendo evidente na opinião que se publica, ele não o será tanto na opinião pública. Ainda há muita gente que não concorda que os alunos passem sem saber. Os políticos sabem-no e a prova disso é que nenhum governo, por mais inimigo dos “chumbos” que se declare, se atreve a decretar simplesmente o fim das reprovações: ninguém quer ser responsável pela primeira geração de ignorantes certificados que eventualmente se seguiria à geração mais qualificada de sempre, a que fez o 12º ano, a licenciatura, o Erasmus, o mestrado e no fim acabou emigrada ou a trabalhar nos call-centers ou nas caixas do Continente.

Bem mais fácil, e sem riscos políticos, é pressionar os professores para que “promovam o sucesso”, ou seja, que inventem estratégias que motivem e façam aprender os alunos que não querem ou não conseguem, que valorizem outros saberes, que martelem as grelhas de avaliação, que em desespero de causa contem anedotas ou façam o pino. Que façam o que for preciso, mas no fim dêem aos alunos as notas de que precisam para passar.

Outra questão que tende a ficar esquecida quando se fala nas retenções: olhamos para o mal que elas causam aos alunos que são “deixados para trás”, mas não se considera o efeito positivo que elas exercem sobre os alunos que estudam para não “chumbarem”. Na verdade, quando a motivação não é muita, o medo da reprovação acaba por funcionar como um estímulo suplementar, e muitas vezes decisivo, para o estudo, a concentração nas aulas e o empenho nas tarefas escolares. Nesta perspectiva, acabar com as retenções irá provocar um abaixamento geral do nível das aprendizagens.

Por outro lado, também é certo que a motivação para aprender deveria residir, acima de tudo, na curiosidade pelo mundo que nos rodeia e na vontade de saber mais e compreender melhor as coisas. Quando se diz aos alunos que estudem por causa da avaliação, algo se perdeu já daquela ânsia de aprender que caracteriza as crianças nos primeiros anos de vida, e que um sistema educativo demasiado formatado ou desajustado dos interesses e das capacidades dos alunos não foi capaz de conservar e estimular.

No entanto, uma vez mais teremos de olhar o reverso da medalha: é bom que a aprendizagem seja motivadora, divertida, entusiasmante. Mas terá a escola, dita do século XXI, de ser sempre uma espécie de parque de diversões para o cérebro? Será que tudo se pode aprender de forma divertida? Está na moda a aprendizagem através do jogo. Mas não haverá momentos em que o verdadeiro desafio está em ser capaz de vencer a aridez ou o aborrecimento de determinadas matérias, tão chatas quanto fundamentais para perceber o que vem a seguir?

Espero com estas linhas, que são apenas uma primeira abordagem a temas que irão continuar a debater-se por aqui, ter demonstrado que a discussão sobre o futuro da educação é tudo menos consensual. Há, nas opções que se fazem, um jogo de ganhos e perdas e a permanente necessidade de encontrar um justo equilíbrio. Mas quando ele não é possível, e a balança tem de pender para algum lado, que seja para o lado dos menos favorecidos, pois os outros encontrarão mais facilmente as formas de compensar aquilo que a escola não lhes puder dar.

Finalmente, os bons alunos: voltando à escola sem chumbos por onde se iniciaram estas reflexões, será que, quando todos passam, os bons alunos continuarão a sê-lo? Aqui tenho poucas dúvidas, e a minha resposta é um convicto sim. Quem gosta verdadeiramente de aprender, fá-lo com gosto, e a motivação para os bons resultados não nasce das notas que espera ver na pauta, mas da sua vontade de se superar a si próprio. Iremos continuar a ter bons alunos que gostarão de o ser, e que cujo mérito deveremos reconhecer e valorizar. E pais babados que são os primeiros a acreditar nos filhos, a incentivá-los e a sentir orgulho nas suas realizações escolares…

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Porque reprovam os alunos no 1º ciclo?

aluno-burro.JPGO estudo estatístico sobre as retenções, feito pelo Agrupamento de Escolas de Mangualde e parcialmente divulgado e comentado neste post do ComRegras, confirma o que empiricamente os professores “no terreno” há muito vêm percebendo: as retenções são mais eficazes nos primeiros anos de escolaridade do que nos anos subsequentes.

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Fugindo à tentação politicamente correcta de diabolizar todas as retenções, e olhando a realidade tal como ela é, percebe-se que, se é verdade que com seis anos de idade a generalidade dos miúdos aprende a ler e a escrever sem problemas, e com gosto e interesse descobrem o admirável mundo dos livros e das leituras, há contudo uma pequena minoria que experimenta dificuldades, relacionadas com falta de motivação ou de estímulos, atrasos de desenvolvimento, dislexias, ou outros factores.

A solução do problema é simples, na grande maioria dos casos: trata-se apenas de dar tempo ao tempo, respeitando o ritmo de desenvolvimento intelectual e mental de cada criança. Não é por acaso que países como a Finlândia, que acabaram com as retenções nos primeiros anos de escolaridade e levam a sério a premissa de não deixar nenhum aluno para trás, prolongam por mais um ano o pré-escolar e iniciam a escolaridade não aos seis, mas aos sete anos: dessa forma, garantem que, quando começam a aprender a leitura, a escrita e o cálculo, todos têm já a maturidade e as capacidades cognitivas necessárias a uma aprendizagem eficaz e bem sucedida. Começam mais tarde, mas como são mais crescidos, aprendem mais depressa. E aos dez anos o seu nível de conhecimentos é igual, nalguns casos superior, ao das crianças da mesma idade que, noutros sistemas educativos, cumpriram mais um ano de escolaridade.

Em Portugal, temos preferido complicar as coisas, com os resultados que estão à vista. Incentivamos a entrada para o 1º ano de crianças com seis anos incompletos. E, com o anterior governo, não só se aumentaram os níveis de exigência dos programas e o seu desfasamento em relação à idade dos miúdos, como se impuseram rígidas metas de aprendizagem numa fase em que é essencial promover a adaptação das crianças ao ambiente escolar e respeitar o ritmo de aprendizagem de cada uma.

Espantamo-nos frequentemente com os níveis relativamente elevados das retenções no 2º ano de escolaridade. Mas, como os professores do 1º ciclo não se cansam de nos lembrar, estes valores reflectem sobretudo o número de crianças que deveriam ter ficado mais um ano no infantário ou que precisariam de mais tempo para as aprendizagens do 1º ano. Mas como no ano inicial não há “chumbos”, a retenção acaba por suceder mais tarde, no final do 2º ano, quando o atraso é ainda mais notório e os problemas se agravaram.

Substituir as retenções no 1º ciclo por medidas educativas mais eficazes e menos estigmatizantes para os alunos é possível e consegue-se, antes de mais, revendo o currículo dos anos iniciais do 1º ciclo e tornando-o exequível e mais adequado às capacidades e ao nível de desenvolvimento cognitivo dos alunos. Simplificando a profusão de metas e descritores que condicionam as aprendizagens, dando espaço e tempo aos miúdos para que progridam ao seu ritmo, acumulando sucessos e experiências escolares motivadoras, em vez de sucessivos fracassos e frustrações. Reduzindo a dimensão das turmas, de forma a propiciar o acompanhamento mais individualizado dos alunos. E dotando todas as escolas das condições materiais e dos meios humanos necessários para dar resposta, não só ao normal desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem, mas também aos problemas, dificuldades e necessidades específicas que se vão revelando.

Mas claro que é mais fácil verdascar para o sucesso ou acusar os professores de estarem dominados por uma “cultura da retenção” do que assumir a responsabilidade política de dar às escolas tudo o que elas precisam para fazer melhor.

Discussão em vez de falsos consensos

discussao.jpgDiscutir a Educação portuguesa, em vez de impor, a partir de cima, os consensos de regime que irão determinar as formas de ensinar e aprender, a organização dos espaços escolares, a carreira dos docentes ou o papel das famílias: eis o que me leva a rejeitar os pactos de regime que alguns insistem em defender, uma posição que já expliquei anteriormente.

Em vez disso, creio que ganharíamos muito mais em confrontar visões e opiniões divergentes sobre a Educação que temos e a que queremos, discutindo sem medos, preconceitos ou autoritarismos, as vantagens e os inconvenientes das múltiplas opções que podemos ter em cima da mesa. Combater o pensamento único e ter a coragem de falar verdade,  em vez de escolher caminhos tortuosos e jogos dissimulados para alcançarmos os nossos objectivos. E alargar o debate, que não deve circunscrever-se aos académicos e aos comissários políticos do costume, mas abranger todos os intervenientes e interessados nas políticas educativas.

Numa lista não exaustiva de questões que mereceriam debate, está por exemplo a da avaliação externa: faz sentido haver provas nacionais em algumas disciplinas, em momentos-chave do percurso escolar ou, pelo contrário, cada escola deve ter autonomia para ensinar, formar e avaliar à sua maneira, sem sujeitar os seus alunos à comparação com os restantes? Havendo aferição, esta deve ser universal, ou feita por amostragem? E a partir de que altura as provas devem ter reflexo na classificação dos alunos, na forma do que habitualmente se chama um exame?

Quanto aos mega-agrupamentos e ao modelo burocrático e centralista de gestão que lhes veio associado: alguma vez se discutiram seriamente as vantagens pedagógicas de um modelo que não encontra paralelo em nenhum sistema educativo daqueles com que gostamos de nos comparar?

Numa discussão franca e aberta sobre os temas educativos não poderia faltar a grande questão do financiamento do sector. Uma prioridade, nos tempos do primeiro-ministro Guterres, a Educação tem vindo a descer abruptamente na escala das prioridades governativas, desprezada como uma área despesista, propensa a queimar políticos imprevidentes e incapaz de se ajustar, nos seus resultados, aos ciclos eleitorais.

Mas a verdade é que uma educação de qualidade custa dinheiro. Não se motivam professores para a mudança mantendo-os indefinidamente congelados na sua carreira. Não se renovam as escolas conservando um corpo docente sobrecarregado de trabalho e envelhecido, ao mesmo tempo que se mantém a docência fechada à entrada de novos profissionais.

E sobre as salas de aula, ditas do futuro, indispensáveis às novas e significativas aprendizagens “do século XXI”: quanto custará instalar salas dessas por todo  o país, para que os alunos nelas aprendam, e não apenas como montras tecnológicas onde algumas empresas vão exibir os seus gadgets educacionais de última geração?

Quer o país realmente investir numa educação de qualidade para todos, ou apenas o fará se, e quando, houver financiamentos comunitários disponíveis para o efeito? E na primeira hipótese, quanto está disposto a gastar, e que sacrifícios aceitará fazer, se necessário, para garantir os níveis de financiamento adequados aos fins pretendidos? Eis-nos chegados, possivelmente, ao último e ao mais difícil dos consensos a alcançar.