Reformas em Espanha: telemóveis saem, eduquês fica

Em Espanha, onde o descalabro nos resultados do último PISA foi ainda mais notório do que em Portugal, o Conselho Escolar do Estado, equivalente ao nosso CNE, reuniu com o presidente do Governo e a Ministra da Educação. Resultado, um conjunto de recomendações que em breve serão lei, a aplicar em todas as comunidades autónomas do país vizinho. Lá como cá, mais do que estudar a fundo os problemas, desenvolver conhecimento próprio e espírito crítico, reflectir a diversidade de vivências e perspectivas dos seus elementos, a câmara corporativa da Educação serve acima de tudo para fabricar falsos consensos, caucionando opções políticas que são, no mínimo, altamente discutíveis.

Entre as decisões tomadas, o destaque mediático vai para os telemóveis na escola, onde a palavra de ordem varia entre o restringir e proibir. Proibição total para alunos até ao 6.º ano, uso condicionado apenas nas salas de aula, com objectivos pedagógicos e autorização dos professores, a partir do 7.º Regras mais permissivas, deixadas ao critério da autonomia das escolas, só nos dois anos terminais do secundário, que em Espanha não são ainda obrigatórios.

E pronto: está aqui o engodo para a discussão pública, enquanto de forma mais discreta passam outras medidas que, essas sim, poderão ter maiores impactos nas aprendizagens. Exemplo de medidas positivas serão as aulas de apoio e de reforço curricular, além do desdobramento de turmas numerosas. Mas subsistem dúvidas quanto ao que o Governo estará disposto a gastar nestas medidas, que só poderão ter efeitos significativos se houver um investimento substancial. Mas atrás disto vem a ganga eduquesa, as receitas falhadas de uma agenda educativa que está a levar ao declínio dos sistemas educativos um pouco por toda a Europa, mas em que alguns governos insistem irresponsavelmente…

O Governo quer também conceder um “suplemento económico” para “incentivar” os professores a utilizarem metodologias activas previstas na lei educativa como os projectos, e a terem em conta a perspetiva “sócio-afectiva” da Matemática, para que os alunos reduzam a sua ansiedade em relação à disciplina.

Além disso, a formação dos professores será reforçada: os professores da educação pré-escolar e do ensino básico terão mais conteúdos específicos de matemática e de línguas, e os professores do ensino secundário, que são especialistas, terão mais aulas de didática e pedagogia.

Os professores desconfiam destas medidas porque consideram, por um lado, que estão a ser indiretamente obrigados a aplicar metodologias que “resultaram em insucesso escolar”, segundo o Observatório Crítico com a Realidade Educativa e a Fundação Episteme, pois consideram que “é absurdo submetê-lo à compra de vontades através de prémios monetários equiparáveis ao suborno”.

Por outro lado, os professores vêem “uma contradição” na proposta de formação pedagógica e didática para os professores especialistas do ensino secundário, “que possuem amplos conhecimentos nesta disciplina e que, longe de serem consultados quando se trata de melhorar os resultados dos alunos, devem “reciclar” as suas práticas de ensino com uma maior sobrecarga de formação pedagógica filtrada pelo modelo de competências que o governo defende a todo o custo”.

A geração TikTok

Não há mãe que não se queixe do mesmo: o meu filho não consegue estar dez minutos a ler um livro, alguns já nem conseguem seguir um filme de fio a pavio, e muitos nem sequer vêem um episódio seguido de uma série. E atenção que não estamos aqui a falar de problemas como défice de atenção ou hiperatividade. Na escola, os professores reconhecem que os resultados podiam ser muito melhores: se eles simplesmente soubessem interpretar aquilo que leem.

O que é que se passa, afinal? Segundo parece, o mal não é (só) deles. Em todo o mundo, os investigadores têm registado um declínio aparente nas aptidões cognitivas dos humanos, e diz-se mesmo que a nova geração é a primeira com um QI inferior aos seus pais. Isto não é para lhes atirar à cara ‘Vês vês, Bernardo Maria, podes perceber muito de Youtube mas eu sou mais esperto, embrulha”, porque o declínio não se restringe aos mais novos. E atenção que concentração também não é tê-los permanentemente sentados e sossegados: pode-se estar muitíssimo concentrado a jogar futebol, por exemplo.

(…) E não são só as crianças e adolescentes: estamos todos a ficar mentalmente preguiçosos porque é fácil fazer tudo. Dantes até para andar no trânsito puxávamos pela cabeça, agora temos o Waze. Para procurar uma palavra íamos ao dicionário, agora googlamos. Quando tínhamos uma dúvida pensávamos sobre o assunto agora perguntamos à Siri. A net facilitou-nos tremendamente a vida – mas em troca, roubou-nos capacidades mentais. Como diria o neurocientista francês Michel Demurget, estamos todos a ficar cretinos digitais.

Sem cair na tentação fácil do “antigamente é que era bom”, há que reconhecer as evidências: o uso massivo de telemóveis e outros apetrechos digitais está a embotar as capacidades humanas. Deslumbrados com as novas tecnologias, não estamos a saber evitar os seus efeitos nocivos sobre as mais novas gerações, aqueles a quem alguns chamam os nativos digitais: a verdade é que crianças e adolescentes que quase não se mexem, que não exploram, fazendo uso dos seus sentidos, o ambiente que os rodeia, que não desenvolvem destrezas ao nível da motricidade fina, manipulando objectos e instrumentos, a começar pelas canetas e lápis que a escrita digital veio substituir, que trocam a socialização cara a cara pelas interacções nas redes sociais, dificilmente se tornarão adultos plenamente funcionais.

Em busca de respostas para uma realidade tão complexa quanto perturbadora, a jornalista entrevistou o psicólogo e académico José Morgado, que também partilha as suas reflexões no seu excelente blogue Atenta Inquietude. E encontrou pelo menos quatro razões que explicam a crescente incapacidade de concentração dos mais novos:

  1. Horas de sono insuficientes. Os estudos sobre a matéria revelam que as crianças dormem menos do que deveriam e nem sempre as rotinas familiares conseguem contrariar esta tendência.
  2. Falta de rotinas funcionais. Incluindo alguns “nãos”, quando necessário. Muitas famílias vivem numa azáfama constante e passam esse estilo de vida aos filhos, em vez de apostarem numa organização lógica do tempo que a longo prazo favorece a capacidade de concentração nas sucessivas tarefas e de gestão do tempo, bem como o desenvolvimento da autonomia.
  3. Tempos de escola excessivos. A vida escolar continua demasiadamente organizada em função da ideia da ocupação plena do tempo dos filhos enquanto os pais trabalham, em vez de se flexibilizar horários laborais e escolares e envolver outras entidades no apoio social e familiar.
  4. Falta de estímulo à leitura. Criar apetência pelos livros e a leitura é difícil quando mais facilmente se dão telemóveis do que livros para as mãos das crianças. E que interesse lhes despertarão os livros, quando o que vêem é o pai e mãe a passar horas agarrados ao telemóvel?

Pais querem escola sem telemóveis

Um grupo de encarregados de educação do Agrupamento de Escolas Martim de Freitas (AEMF) está a dinamizar uma petição a defender a interdição de telemóveis na Escola: “VIVER a escola, sem ecrãs de smartphones: AE Martim de Freitas – Coimbra”.

Numa nota à comunicação social, Catarina Prado e Castro, primeira subscritora da petição, explica que a «iniciativa tem revelado uma elevada adesão, com centenas de elementos da comunidade escolar a manifestaram-se em poucos dias».  

«A exigência patente na petição é da maior pertinência, sendo em defesa da saúde dos alunos do AEMF», refere.

Tenho muitas dúvidas de que, nesta matéria como em tantas outras, o proibicionismo puro e simples seja o melhor caminho a seguir. O que me parece é que este apelo quase desesperado de alguns pais é bem o exemplo das exigências contraditórias que uma sociedade em crise e com falta de referências vai fazendo à escola, como se aqui se pudessem resolver todos os problemas e disfuncionalidades patentes na sociedade. Pois por um lado, vemos os apelos constantes a uma escola agradável e prazenteira para os alunos, capaz de remover do seu caminho todas as dificuldades de integração e aprendizagem. Onde todos devem ir como querem, ao seu ritmo e conforme os seus interesses e necessidades. Mas depois, às primeiras dificuldades, surgem as imposições e proibições, pretendendo-se que a escola aplique um tipo de autoridade que os próprios pais evitam exercer. Afinal de contas, se muitas crianças entram para a escola já completamente viciadas nos ecrãs digitais, de quem é a culpa de isso suceder? Quando crianças do pré-escolar falam o português do Brasil que aprenderam nos tiktoks ou tentam deslizar as folhas de um livro físico como se este fosse um tablet, quem é que está a falhar miseravelmente na educação infantil?

Para dar um pouco de contexto à notícia, acrescento que a escola coimbrã de que ali se fala serve uma zona da cidade maioritariamente habitada por uma população escolarizada e com um nível de rendimento superior à média. Os pais que pedem a proibição dos telemóveis na escola serão pessoas esclarecidas e fazem-no certamente com a convicção de que estão a proteger os seus filhos. Resta saber se a posição será partilhada também pelos outros pais e, não menos importante, se a escola tem condições para implementar a logística necessária à guarda segura dos telemóveis.

Note-se que esta petição já não é a primeira a circular sobre o assunto. Uma outra, de âmbito mais geral, já recolhe assinaturas há alguns meses, tendo ultrapassado já os 20 mil subscritores. Um tema na ordem do dia, portanto, e de que certamente voltaremos a ouvir falar.

Pensamento do dia

Quando a pedagogia oficial demoniza a memorização como exercício fútil e estupidificante, pergunto-me porque se continuam a valorizar telemóveis e computadores em função, entre outras coisas, da capacidade de memória.

Uma máquina processa mais e melhor a informação quanto maior for a quantidade de dados que consegue armazenar em simultâneo, uma realidade que qualquer pedagogo assume quando chega a altura de trocar de telemóvel e escolhe, invariavelmente, um aparelho com mais memória do que tinha o anterior.

Há, no entanto, os que não dispensam o telemóvel recheado de gigabytes, mas acham uma inutilidade, uma violência até, incentivar os alunos a memorizar conhecimentos, a construir uma memória de trabalho que lhes será fundamental ao desenvolvimento de futuras e cada vez mais complexas aprendizagens. E as crianças desmemoriadas, será que constroem o pensamento crítico sobre o vazio?…

UNESCO propõe fim dos telemóveis nas escolas

Quando a onda da “transição digital” parece imparável à escala global, eis que a UNESCO, numa atitude corajosa, vem alertar para os malefícios das tecnologias quando aplicadas, sem ponderação nem critério, na Educação.

As observações sensatas da UNESCO reforçam ideias que os professores no terreno mais críticos e atentos há muito vêm defendendo: os programas de digitalização da educação tendem a satisfazer mais os interesses de fundações poderosas e das empresas tecnológicas do que das comunidades educativas a que se destinam. A inovação não é necessariamente boa em si mesma; como em tudo na vida, é preciso pesar os prós e os contras, as vantagens e inconvenientes e, acima de tudo, ter uma clara noção do custo de oportunidade: avaliar não apenas o que o aluno pode aprender usando determinada ferramenta digital supostamente inovadora, mas também o que deixa de aprender enquanto está entretido com o aparelho.

Por exemplo, a substituição de actividades que implicam o uso das mãos em articulação com o cérebro no desenvolvimento da motricidade fina por tarefas padronizadas, feitas no telemóvel ou no computador. traduz-se nm claro empobrecimento das aprendizagens. Da mesma forma que substituir o contacto verbal e físico com os adultos, os companheiros e o ambiente físico envolvente por interacções virtuais com aplicações de telemóvel irá gerar um maior número de crianças com dificuldades ao nível da fala, na socialização ou da coordenação motora: isto não é fantasia nem futurologia – já acontece actualmente, e reverter este processo de desumanização vertiginosa que toma a forma de um verdadeiro atentado aos direitos das crianças é um dever que se impõe a todos, como a UNESCO, em boa hora, vem salientar.

A questão não é, naturalmente, simples, e não pode traduzir-se no banimento completo das tecnologias, que têm efectivo potencial na Educação. Trata-se, como sempre, de usar a tecnologia sem deixarmos que as crianças sejam manipuladas por ela. Desde logo, tendo em conta que o uso dos dispositivos e produtos tecnológicos não se coloca da mesma forma em relação a uma criança no início da escolaridade como a um jovem a frequentar o ensino secundário. Mas quando um ME deslumbrado com as tecnologias decide, por exemplo, aplicar provas de aferição em formato digital a alunos do 2.º ano, está claramente a agir em nome de interesses que não são os dos alunos que deveria defender. E em contraciclo com as recomendações da UNESCO agora divulgadas…

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) apela aos países que tomem medidas para que o uso de telemóveis nas escolas seja banido. O objetivo é combater a desatenção nas salas de aula, melhorar a aprendizagem e proteger as crianças do cyberbullying.

Num relatório da Unesco, citado pelo jornal The Guardian, a organização aponta que há provas de que o uso excessivo dos telemóveis está relacionado com pior desempenho escolar e de que elevados níveis de exposição a ecrãs têm efeitos na estabilidade emocional das crianças.

A Unesco defende que “nem todas as mudanças são sinónimo de progresso” e alerta também que “o impacto positivo de aprender no digital pode ter sido exagerado”.

O relatório refere que há pouca evidência de que a tecnologia nas salas de aula acrescente valor à aprendizagem e afirma mesmo que a maior parte dos estudos que apontam nesse sentido são financiados por empresas privadas de educação a tentar vender produtos digitais, o que “gera preocupação”.

A organização das Nações Unidas insiste que a tecnologia deve estar “ao serviço de uma educação centrada no ser humano” e que “não pode substituir as interações cara a cara entre alunos e professores”.

Sou educadora…

Uma reflexão e um testemunho muito pertinentes em tempos ditos de transição digital. É tempo de começar a discutir a sério os malefícios da introdução precoce das tecnologias na vida das crianças. Espera-nos um futuro assustador, se não revertemos o rumo que irresponsavelmente vamos tomando. E faço meu o apelo de Silvana de Almeida, a colega a quem “roubei” o post que agora partilho: ouçam as educadoras, terapeutas, professores, profissionais no terreno que realmente conhecem, porque a vivem, a realidade das nossas escolas e infantários. Basta de políticas educativas definidas ao sabor dos interesses ditados pela agenda globalista, pelos tecnocratas e burocratas da Educação, pelos vendedores de tecnologia e banha da cobra educativa. Entenda-se que a Educação é uma responsabilidade demasiado importante para que os pais, e a sociedade em geral, se possam dela alienar.

Sou Educadora de infância há 13 anos e nunca cheguei ao final de um ano letivo a sentir-me tão esgotada como este ano. Trabalho numa escola com os valores morais certos, tenho um ambiente de trabalho muito saudável, uma equipa de pessoas e profissionais fabulosa e um projeto pedagógico no qual me revejo totalmente.

O jardim-de-infância onde trabalho não tem ecrãs disponíveis e há muito que decidimos remar contra a maré que teima em permitir o acesso precoce às novas tecnologias. Chego esgotada ao final do ano letivo por sentir que estou a concorrer com um inimigo de peso: 𝓸 𝓾𝓼𝓸 𝓭𝓮 𝓽𝓮𝓵𝓮𝓶ó𝓿𝓮𝓵 por parte de crianças com 2/3/4 ou 5 anos. De repente as crianças aos 3 anos de idade falam português do Brasil recorrentemente (sem serem de nacionalidade brasileira), o castanho passou a chamar-se marrom e o tik-tok transformou-se em conteúdo educativo. Os Pais alienaram-se da parentalidade e as crianças estão a ser educadas pelo Youtube. As refeições passaram a ser feitas enquanto olham para um ecrã e quando se deparam com os pratos de comida da escola (sem ecrã para onde olhar) não reconhecem metade dos alimentos, muito menos a sua origem.

Nunca em outra época se viram níveis de autonomia tão diminutos e tão pouca relação com os livros de histórias. Há crianças a teclar nos livros de histórias, como se botões tivessem. Como é que eu, Educadora que conta uma história sentada no chão com as perninhas à chinês, consigo rivalizar a um ecrã? Os ecrãs geram super estimulação e por isso as crianças perderam a capacidade de se sentirem aborrecidas (o aborrecimento gera criação ou improvisação de novas brincadeiras) pois habituaram-se a “arrastar para o lado” o que não gostam. Fácil não é? As crianças estão a perder a capacidade de encontrar soluções para os problemas, de gerir a frustração, de autorregularem as emoções. A tudo têm acesso através de um pequeno aparelho como se Mundo coubesse nele. Não cabe.

De repente, a voz das Educadoras e Auxiliares tornou-se pouco interessante para as crianças e ouvir o adulto é uma excepção à regra. Os índices de perda de acuidade visual estão elevadíssimos (as crianças começam a usar óculos cada vez mais cedo). É difícil equiparar-me com um telemóvel, com o estímulo constante que é um ecrã, com a sobreposição frenética de temas e com a inércia que um telemóvel alberga. O telemóvel não exige esforço e o pensamento crítico nas crianças começa a entrar em declínio. De repente, o brinquedo preferido das crianças de 3 anos é o telemóvel da Mãe e as peças de legos da área dos jogos são deslocadas para criar telemóveis e botões. As crianças estão mais agitadas do que nunca e com uma visão redutora do Mundo, com menos empatia pela Natureza e fisicamente menos disponíveis para simplesmente correr ou saltar. Fazer bolinhas de areia deixou de ser interessante. O cuidado e a sensibilidade para com os animais é pouco natural e brincar na rua pouco apelativo. Estão-se a perder competências sociais e a relação com os pares tem que ser amplamente estimulada ou não existe. Os gestos físicos de maior agressividade são frequentes porque as crianças transferem os jogos de telemóvel para as relações interpessoais. Os Avós referem o enorme fosso geracional que existe para acompanhar os netos no acesso às tecnologias e as dificuldades do foro linguístico estão em crescente (neste domínio prefiro deixar falar as Terapeutas de fala).

Dizem os números que daqui a 30 anos haverá pouquíssimas Educadoras (ou Educadores) de infância em Portugal e os números de ingresso ao curso na faculdade baixaram 20% já este ano. As Educadoras de infância que conheço estão desacreditadas e a grande maioria já deixou a profissão. Urge acordar. A decisão de expor uma criança ao telemóvel é tão simples quanto a de não expor. É uma decisão que se toma, que se assume e é da responsabilidade de todos aqueles que participam na vida das crianças. Não sei que caminho tomaremos em Portugal no que respeita à primeira infância, sei apenas que é cada vez mais desafiante ser Educadora nos tempos que correm e acreditem, a raiz do problema não são as crianças. As crianças são crianças, absolutamente incríveis, em qualquer escola ou parte do País. No meu caso em particular, ainda é por elas, sempre elas, que me mantenho na profissão. Desde cedo que aprendi a importância de ter conversas difíceis, de conversar sobre assuntos que nos inquietam para que a inquietação dê lugar à mudança. As Educadoras de infância precisam ser olhadas, escutadas. Toda a gente sabe que ser Educadora é ser coração e se há algo que as tecnologias ainda não substituem, é o afeto, a sensibilidade, a compaixão e o coração. Venha a mudança, eu quero fazer parte.

Telemóvel não entra

O ministro italiano da Educação, Giuseppe Valditara, enviou hoje uma circular a todas as escolas e institutos proibindo o uso de telemóveis nas aulas, alegando que é “uma distração e desrespeitoso para com os professores”.

A utilização de telemóveis e outros dispositivos eletrónicos “pode ser permitida, obviamente, com a autorização do professor, e respeitando os regulamentos escolares, para fins educativos, inclusivos e formativos”, afirma a nota ministerial.

“Não estamos a introduzir sanções disciplinares, estamos a referir-nos a um sentido de responsabilidade. Também convidamos as escolas a assegurar o cumprimento dos regulamentos atuais e a promover, quando apropriado, reforços regulamentares mais rigorosos e pactos de corresponsabilidade educacional, a fim de prevenir eficazmente o uso indevido destes dispositivos”, explicou Valditara.

Em Portugal, a presença dos telemóveis na sala de aula parece ter-se normalizado. Os “nativos digitais” podem não ser os ases da tecnologia que a propaganda neo-eduquesa proclama, mas pelo menos uma coisa dominam relativamente bem: as funções que permitem o funcionamento silencioso do aparelho, sendo hoje em dia relativamente raros os apitos e as vibrações que interrompem a aula. Embora, de quando em vez, ainda aconteçam. Mais frequente é o uso sub-reptício do telemóvel por parte de alunos que desenvolveram uma tal dependência com o aparelho que o estarem separados dele, nem que seja pelo tempo de duração de uma aula, gera sentimentos de privação e ansiedade próprios de uma relação tóxica.

Há ainda assim uma razão de peso para que os telemóveis não sejam simplesmente barrados à entrada das salas de aula. Para além da complexidade logística que implicaria o armazenamento de centenas de telefones, há a questão prática de o aparelho ser cada vez mais um facilitador de certas actividades na sala de aula que envolvam o acesso à internet ou o uso das tecnologias digitais. Mais prático, para tarefas simples, do que o computador que a generalidade dos alunos não traz para a escola, o telemóvel acaba por ser, nos dias de hoje, o principal protagonista da escola digital.

Ainda assim, a utilidade prática não pode justificar os abusos: a lei e os regulamentos internos devem continuar a condicionar o uso dos telemóveis e dispositivos afins à autorização prévia do professor e nos moldes por este definidos.

Um smartphone pode durar dez anos?

Chloé Mikolajczak defende que o smartphone onde provavelmente estarás a ler este artigo deveria durar dez anos. A bateria deveria ser substituída em cinco segundos, como acontecia nos telemóveis sólidos, fidedignos e prontos para emergências que descansam em tantas gavetas. Todo o equipamento, que seria construído sem recurso a trabalho infantil e respeitando as normas do comércio justo, deveria ser desmontável apenas com uma polivalente chave de fendas. E as peças estariam disponíveis, em poucos dias úteis, durante a década de garantia que o software também suportaria.

“Neste momento, mesmo que tentes manter os teus dispositivos o máximo de tempo possível, muitas das vezes não os consegues reparar porque a forma como são feitos torna a reparação muito difícil, muito técnica ou muito cara”, começa por dizer a partir de Bruxelas a coordenadora da campanha Repair EU, que reúne organizações, negócios de reparação, iniciativas de reparação comunitárias e instituições públicas.

Apesar de 77% dos cidadãos da União Europeia (UE) dizerem que preferem reparar os seus bens, apenas 11% repararam os telemóveis quando se estragaram, nota a activista. A campanha pressiona a UE a legislar o direito à reparação, “que começa onde termina o direito do fabricante de produzir um produto não reparável”.

Ainda esta semana me veio parar às mãos uma varinha mágica que deixou de cumprir o fim a que se destinava: triturar a sopa. Aparentemente, está a funcionar: o motor trabalha, a lâmina corta, o pé em aço inoxidável está como novo. Mas, na engrenagem metálica do aparelho, há duas peças de plástico que encaixam o eixo do motor e o da lâmina e que, com o uso, se desgastaram: o motor roda mas a lâmina não se mexe. Um exemplo óbvio de obsolescência programada: quem fabrica pequenos electromésticos não pretende que durem uma vida, mas sim que tenham de ser substituídos de tempos a tempos. Ainda que os novos aparelhos não sejam de melhor qualidade do que os anteriores. Por vezes conseguem ser ainda mais frágeis, para que não durem muito mais do que a garantia dada pelo fabricante.

Nos telemóveis as coisas são mais complexas e entram em jogo outros factores, tendo em conta que os modernos smartphones funcionam, para muita gente, como uma extensão da sua própria identidade. Armazenando agendas, contactos, palavras passe, dados biométricos, endereços na internet e uma infinidade de outras coisas que neles se guardam, sabem muitas vezes mais sobre os respectivos donos do que eles próprios.

Além de alimentar a dependência dos consumidores, o enorme mercado das telecomunicações vai crescendo em três dimensões: a capacidade de processamento dos telemóveis e outros aparelhos, as velocidades e larguras de banda das redes dos operadores e o software cada vez mais numeroso, diverso e sofisticado que os utilizadores vão instalando. Há uma pressão constante para a troca de aparelho, e isso faz-se de diversas formas: a impossibilidade de substituir componentes de desgaste, como as baterias, a degradação do desempenho a cada actualização do sistema operativo, o apelo das últimas modas tecnológicas ou puramente estéticas, sejam elas um ecrã xpto, uma infinidade de câmaras ou o acesso à novíssima rede 5G.

No entanto, para a grande maioria dos utilizadores, a maior parte das funcionalidades dos novos e cada vez mais dispendiosos smartphones são inúteis ou dispensáveis. Um telemóvel que durasse dez anos, permitindo substituir a bateria e outros componentes, não deveria ser uma quimera, mas antes uma meta que faz todo o sentido impor aos fabricantes destes equipamentos, cujo fabrico tem um pesado impacto ambiental, sobretudo devido à incorporação de diversos metais raros.

O uso consciencioso dos recursos naturais impõe o combate à obsolescência programada dos equipamentos eléctricos e electrónicos. Um desafio que não tem de ser visto como um ataque às indústrias, mas antes como uma necessidade de adaptarem o seu modelo de produção e de negócio aos novos tempos, nomeadamente investindo mais, como no passado se fazia, no fabrico de peças de substituição e no reaproveitamento dos equipamentos usados.

Abolir o plástico das palhinhas e dos cotonetes foi uma boa medida, mas não chega para evitar a destruição do planeta em que queremos continuar a viver…

Pensamento do dia

Imagem de origem indeterminada, em circulação nas redes sociais.

Tecnologia e educação

Remando contra a corrente politicamente correcta que advoga as virtudes da tecnologia na Educação, escrevi há dois meses atrás sobre Como dar mau uso a um telemóvel na sala de aula. Recupero agora, promovendo-à categoria de post, um pertinente e bem fundamentado comentário recente da leitora Carolina Antunes Vieira.

A introdução das novas tecnologias na Educação traz consigo importantes vantagens e enormes desafios. Devemos estar atentos a essa realidade, mas não cair na armadilha de encarar as ferramentas tecnológicas como boas em si mesmas. É necessário analisar criticamente o impacto das tecnologias, tanto nas enormes vantagens como nos riscos que podem trazer consigo.

Os alunos que mais usam as tecnologias são os que apresentam piores resultados de aprendizagem.
É o que concluem estudos credíveis como os da OCDE, testes PISA, e muitos outros, de especialistas vários. A que se soma o relatório Comportamentos Aditivos aos 18 anos – Inquérito aos jovens participantes no Dia da Defesa Nacional – 2018, do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) do Ministério da Saúde.

Nele é referido que cerca de um quarto de jovens relata problemas com a internet, número que aumentou face a 2017. O tipo de problema mais comum é o “rendimento na escola/trabalho, seguindo-se as situações de mal-estar emocional e os problemas com comportamentos em casa.” Os problemas de rendimento na escola/trabalho são atribuídos por 15,9% de jovens à internet, por 4,4% às bebidas alcoólicas e 2,9% a substâncias ilícitas.

Como professora, observo isto mesmo, todos os dias. Os alunos “agarrados” às tecnologias têm sempre a memória de trabalho cheia, nunca retêm o que ouvem nem o que leem. Não são capazes de pensar lenta e profundamente, São ansiosos. Não têm paz interior. Também já vi alguns perderem-se na vida com jogos on-line. Evoluindo para outras adições, passados poucos anos.

Prontificam-se extasiados para encontrar uma resposta no Google, mas na hora de escrever o que querem, já não se lembram. Perdem-se nos distratores das máquinas. O tempo passa e a resposta não vem. Também porque não compreendem o que leem. Nem sabem escrever. Nem organizar o pensamento. Muito menos questionar, criticar e criar, como pretende o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, de 2017.

Entretanto outro aluno, vai ao manual e encontra rapidamente a resposta. Explica-a, fundamenta-a com factos bem selecionados (relevantes), bem organizados e bem comunicados.

Se assim é, se as tecnologias estão a hipotecar o futuro dos jovens e da sociedade, por que razão está, o Governo Português, a avançar com o Projeto de desmaterialização dos manuais? Quem ganha com isso? Valia a pena investigar.

Negócios ruinosos, para o presente e futuro já há que chegue. Estes que se refletem nos alunos que estudam nas escolas públicas, à mercê de políticas sem fundamento à vista, é particularmente nefasto e imoral.