Carmo Machado escreve sobre um dos mais difíceis dilemas que enfrenta a escola pública, universal e obrigatória, em Portugal e em todo o mundo: as retenções. Devem os alunos que não alcançaram um nível satisfatório de aprendizagens transitar de ano?
A resposta, como sabemos, tem-se modificado ao longo do tempo. Se tradicionalmente era impensável a transição ao nível seguinte sem ter apreendido devidamente o anterior, ao longo das últimas décadas foram-se somando múltiplos e poderosos argumentos contra o recurso sistemático à retenção. Tem-se demonstrado, nomeadamente, que a generalidade dos alunos retidos não se tornam melhores alunos pelo facto de repetirem um ou mais anos. Pelo contrário, ficar para trás pode mesmo ter um efeito desmotivador, levando o aluno retido a convencer-se de que “não dá para os estudos” e a desinvestir precocemente da escola.
Na crónica da nossa colega há duas situações distintas que se interpenetram: a falta de aproveitamento devido a dificuldades de aprendizagem e a indisciplina. Em relação a esta última sempre advoguei uma tolerância muito próxima do zero, e não me parece que um aluno que reiteradamente ofende professores e colegas, que perturba as aulas ou o ambiente escolar deva ter quaisquer tipo de benesses ou recompensas enquanto não alterar o seu comportamento. Mas aqui também devemos questionar uma ideia profundamente enraizada que vê na transição de ano uma “recompensa” que a escola reserva aos alunos bons ou medianos, mas recusa aos “maus”. Será mesmo assim? Em muitos sistemas educativos, e no nosso, pelo menos teoricamente, também, a retenção é uma medida “excepcional” e a transição faz parte da ordem normal das coisas, não é um presente que se recusa aos maus alunos. E vamos ser claros na questão da indisciplina: o Estatuto do Aluno prevê diversas medidas correctivas e sancionatórias, a aplicar consoante a gravidade das acções, e não me consta que perder o ano seja uma delas. Mais: se há alunos que, pelos comportamentos ofensivos, violentos até, que assumem, colocam em risco a segurança de professores e colegas e o direito destes à Educação, então deveriam ser encaminhados para outras instituições que não a escola regular. Duvido que um aluno disruptivo, violento ou perturbador, por perder o ano e ser colocado numa nova turma, com colegas mais novos, vá melhorar o seu comportamento no ano seguinte.
Já os problemas de aprendizagem constituem uma matéria de natureza mais complexa: podem dever-se a uma multiplicidade de factores e implicam uma análise individualizada que não se compagina com critérios de “passa tudo” ou “chumbam todos”. Nos anos intermédios de ciclo, que é o que aqui se encontra em causa, a questão fundamental é: as dificuldades do aluno são graves e insuperáveis no ano seguinte? Ou poderá, com medidas de apoio e maior empenho da sua parte, ultrapassá-las? Só o colectivo de professores, em conselho de turma, poderá avaliar. O que me parece é que é tão insensato promover passagens automáticas de todos os alunos, o que algumas escolas estarão a fazer, como querer regressar a um passado ainda recente em que se reprovava a eito, e os maus alunos iam coleccionando “chumbos” até abandonarem a escola.