A violência escolar esteve em debate na RTP na passada segunda-feira. Reconhecendo a importância e oportunidade do tema, não gosto do formato do programa, que mais apropriadamente se deveria chamar Prós e Prós. Embora se tente ensaiar o confronto de ideias e a polémica, o que dali resulta quase sempre é a insinuação de falsos consensos e, muitas vezes, a sensação de superficialidade e tempo perdido que invade o espectador atento e interessado no tema do debate.
Um ponto sensível deste tipo de debates é a cuidadosa hierarquização dos convidados. Os VIPs, com direito a ocupar um dos dois palanques no palco. Seguem-se os de segunda categoria, que se sentam na parte da frente da plateia e que, com sorte, poderão ser chamados a animar a festa com as suas intervenções. Dos restantes, apenas se espera que componham o auditório e que vão pontuando com palmas as intervenções mais ousadas ou polémicas. Ou que pretendam passar por tal.
No caso em apreço, seguiram-se as regras não escritas habituais em todos os debates sobre Educação. Embora os professores sejam quem melhor conhece os alunos e avalia o que se passa nas escolas, a teorização sobre os problemas existentes é sempre remetida para outros profissionais: psicólogos, psiquiatras, economistas, académicos, encarregados de educação. Qualquer olhar exterior sobre a escola é sempre mais valorizado do que a experiência vivida no seu interior. Não é por isso de estranhar que os professores estivessem em minoria no palco e representados por situações de excepcionalidade: uma directora que ali foi chamada nesta qualidade e um professor que ganhou legitimidade para falar pelos restantes por ter ganho um prémio de “professor do ano” – atribuído por não professores.
Contudo, se no palco se desfiaram sobretudo vulgaridades e lugares-comuns, da plateia vieram algumas boas intervenções. Destaco, entre todas, a do Luís Braga, nome bem conhecido na blogosfera docente e nos grupos de professores nas redes sociais, pela forma clara e incisiva do seu discurso, aproveitando bem os “minutos de fama” que a televisão pública aceitou conceder-lhe.
Entre as ausências, foi especialmente notada a de um representante ministerial, o que reforça duas ideias que deverão ser centrais à nova governação: o low profile mediático, evitando o desgaste perante as câmaras e procurando adormecer o debate público sobre temas educativos – aquilo a que alguns ingénuos chamarão a pacificação do sector da Educação. E a ideia de que os professores deverão continuar a ser o saco de pancada e a válvula de escape do sistema, aqueles a quem se deverá poder pedir sempre mais um sacrifício ou impor, como obrigação, o que não passa de intolerável humilhação.
Num momento-chave do debate, uma frase de uma anterior ministra da Educação socialista foi oportunamente recordada. A governante, que se gabou de ter perdido os professores, mas ganho a opinião pública, assumiu pela primeira vez a escola pública como um campo de batalha, onde se degladiam forças e interesses contraditórios. Os frutos dessa conflitualidade criada quando se olhou para a escola como terreno de luta política vieram a colher-se mais tarde com a progressiva erosão da autoridade e da dignidade profissional dos professores, abandonados e hostilizados por quem os deveria valorizar e defender. E desenganem-se os pais que achem porventura que isto de os professores também estarem sujeitos a “levar no focinho” é mais democrático: o caos violento subjacente a este modelo de escola acabará por virar-se, de forma mais violenta ainda, contra os próprios alunos.
De resto, a discussão foi, como é habitual nos Prós e Prós, inconclusiva, fugindo demasiadas vezes do tema central do debate – a violência escolar – para se centrar em assuntos paralelos, lugares-comuns e, por vezes, algum narcisismo de intervenientes demasiado contentes consigo próprios. Um debate morno sublinhou a ideia de que a violência escolar está longe de ser uma preocupação nacional. E ainda mais preocupante é o número de professores que acham que ser agredido é uma coisa que só sucede a professores inflexíveis, chatos e antiquados. Ou que já ousam pensar que nada que um aluno lhes diga, ou faça, os deve incomodar ou ofender.
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