Em Espanha, o governo socialista concretiza entendimentos políticos à esquerda para aumentar o salário mínimo em 22%. Por cá, o governo PS refugia-se na posição dos “parceiros”, leia-se, representantes do patronato, para não ir além de 3,5%. Uma esmola de 20 euros mensais, e na condição de se portarem bem…
Maioria de esquerda
Entregues aos bichos
Quem estava à espera que os partidos à esquerda do PS aproveitassem a negociação do Orçamento de 2019 para defenderem os professores, é melhor tirar o cavalo da chuva.
O “obstáculo” foi removido…
Com este recuo, em nome da estabilidade política que permitirá concluir a legislatura, os professores ficam agora como, no fundo, sempre estiveram: entregues a si mesmos…
Chumbar o Orçamento?…
Em entrevista ao Expresso, o primeiro-ministro insiste nos argumentos que têm sido usados pelo governo para recusar a recuperação do tempo de serviço dos professores: é financeiramente incomportável, não faz parte dos compromissos políticos assumidos e a intransigência negocial dos sindicatos tem conduzido ao arrastamento de um conflito ainda sem solução à vista. Mas que pode abrir linhas de fractura entre os partidos que sustentam o governo…
Perante a pressão que agora irá recair sobre o PCP e o Bloco, estes partidos procuram posicionar-se da forma politicamente mais conveniente. No plano dos princípios, apoiando incondicionalmente a reivindicação dos professores e dos seus sindicatos. Mas com muito mais cautelas ao nível da acção política: por um lado, pressionando o governo para atender às exigências dos professores mas, ao mesmo tempo, evitando comprometer-se com a não aprovação do Orçamento se a recuperação integral do tempo de serviço não ficar aí contemplada.
Mas, para já, BE e PCP não abrem o jogo sobre o futuro do OE 2019, nem traçam linhas vermelhas.
A um ano das próximas eleições legislativas, ninguém parece interessado em provocar uma crise política pela qual seria, certamente, penalizado pelo eleitorado. Há muito mais em jogo, na aprovação do próximo orçamento, do que a luta dos professores. E a crescente aproximação entre o PS de Costa e o PSD de Rio, convenientemente apadrinhada pela Presidência, também retira influência política e margem negocial aos parceiros de coligação do PS. Na perspectiva de PCP e BE, será que os nove-quatro-dois dos professores valem o risco de uma ruptura política? A resposta dependerá muito da acção concreta dos professores no regresso às aulas…
O PSD na “geringonça”?
O boneco vem no The Economist, ilustrando uma análise sobre a solução política que Portugal experimenta há quase dois anos e meio. A geringonça tornou-se um caso de estudo a nível internacional e, neste caso concreto, o olhar externo e menos conhecedor das nossas singularidades acabou levar à troca do símbolo do PS pela setinha do PSD. De facto, e como no próprio texto da peça se admite, confunde qualquer estrangeiro a coexistência, entre nós, de um partido dito socialista com outro que se intitula, sem o ser, social-democrata. E, ainda mais, serem eles os protagonistas da alternância no poder.
O “pequeno milagre” da democracia portuguesa foi, segundo o jornal britânico, a criação de uma solução governativa à esquerda que se mostrou, contra todas as expectativas, eficaz. E destaca, além dos resultados económicos, três importantes consequências políticas deste sucesso.
Demonstrou que há de facto alternativa à austeridade e ao discurso da falta de alternativa.
Evitou que Portugal seguisse, em 2015, a solução pantanosa das grandes coligações ao centro, que têm estado a corroer quase todos os grandes partidos da social-democracia europeia.
E, em consequência, mantendo a tradicional disputa política entre esquerda e direita democráticas, travou o passo à afirmação dos radicalismos de extrema-direita que hoje ameaçam a maior parte das democracias europeias.
A luta dos professores, um jogo de sombras
João Miguel Tavares, um cronista com quem nem costumo concordar muito, tocou no cerne da questão quando, a propósito da luta dos professores pela contagem de todo o tempo de serviço, definiu as posições dos diferentes intervenientes como um jogo de sombras.
Como é aliás o quadro geral da política portuguesa na presente conjuntura: um governo que tenta agradar a portugueses e a troikanos, devolvendo rendimentos e melhores condições de vida a uns, enquanto cumpre os objectivos macroeconómicos impostos pelos outros; dois partidos de direita que se assumem como oposição, mas partilham com o PS a defesa dos grandes interesses e consensos do actual regime e dois partidos de esquerda que apoiam o governo socialista, sem se quererem comprometer com a totalidade das políticas, fazendo por vezes uma oposição disfarçada mas sem vontade de provocar a ruptura política que, presentemente, só os prejudicaria.
No caso dos professores, à concretização da greve na passada quarta-feira seguiu-se, logo no próprio dia, o anúncio governamental de que, “de alguma forma”, o tempo de serviço congelado seria contado aos professores. Tanto bastou para Mário Nogueira cantar vitória na concentração de professores frente ao Parlamento. Mas, passadas umas horas, a mesma secretária de Estado que tinha feito aquelas declarações veio esclarecer que a dita contagem não iria ter incidência no Orçamento de Estado do próximo ano.
JMT não o refere, mas do jogo de sombras fazem também parte o PSD e o CDS, dois partidos que fingem compreensão e solidariedade com os professores, escondendo que se estivessem no poder fariam a mesma coisa, ou ainda pior, pois partilham com o PS a ideia de que a carreira docente, tal como existe actualmente, é para ser desmantelada. E o apagamento do tempo de serviço congelado é simplesmente a forma mais expedita e eficaz de o fazer.
No final, o que pensar de tudo isto? Dou a palavra, para as alegações finais, ao cronista do Público: