A crónica falta de professores abriu uma grave crise na escola pública, mas há quem em nome dos docentes esteja empenhado em a agravar. É a essa missão que se dedica com denodo a Fenprof, convocando uma greve às horas extraordinárias dos professores. Quando se fala, e com razão, na urgência imperiosa de restaurar a dignidade profissional dos professores, ou quando se defende que têm de reforçar a sua autonomia, autoridade e responsabilidade, o mais poderoso sindicato que os representa vem a público envolvê-los numa operação de sentido contrário. Não haja dúvidas: impedir que as escolas recorram ao pagamento de horas extraordinárias para suprir a falta de professores é um grave atentado contra a escola pública, contra os alunos e, por consequência, contra o prestígio social dos professores.
Manuel Carvalho, director de um jornal que quer ser de referência, mas que embarca demasiadas vezes num jornalismo de causas pessoais, acusa Mário Nogueira e a Fenprof de uma grande perfídia contra a escola pública, por esta organização ter convocado uma greve ao serviço docente extraordinário.
Fabricando desinformação e destilando preconceitos, MC manda às urtigas a imparcialidade e o rigor que deveriam ser apanágio, sempre, de quem tem carteira profissional de jornalista, mesmo quando o que é escrito surge travestido de “opinião”. Também não se envergonha de falar do que não sabe, disparando juízos de valor e mentiras, num texto de opinião que, sendo “editorial”, responsabiliza não só quem o escreveu mas também o jornal que o publica.
Quanto ao que ficou escrito:
1. A crítica a convocação de uma greve em “momento de emergência” é apenas um pretexto, pois nunca vi MC defender a justeza ou a oportunidade de uma greve de docentes. Na perspectiva dos seus detractores, as greves são sempre inoportunas, sejam quais forem as circunstâncias em que se realizem ou os motivos invocados. Não adianta esgrimir grandes argumentos contra o falso moralismo dos que, se pudessem, acabavam já hoje com o direito à greve. Apenas reafirmar que este direito, duramente conquistado pelos trabalhadores, está inscrito na Constituição, onde também se esclarece que é aos trabalhadores, e apenas a eles, que compete definir as greves que fazem, as razões que as justificam e os objectivos que pretendem atingir. Quanto à emergência pandémica, ela não impediu que o Governo desencadeasse uma crise orçamental por mero calculismo político. Ora um país em crise que aguenta três meses de governação a marcar passo e sem orçamento aprovado apenas porque o PS julga ter algo a ganhar com esta situação, também aguenta uma greve de professores que visa apenas o serviço lectivo extraordinário.
2. Isto leva-nos a outra crítica hipócrita e mistificadora de MC, a de que os professores, capitaneados pela Fenprof, não colaboram na resolução do grave problema da falta de docentes. Só faltou dizer, mas esteve lá muito perto, que a culpa é mesmo dos professores. Na verdade, se o Governo estivesse interessado em obter o contributo da classe, começaria por dialogar com os seus representantes, que andam há quase dois anos a tentar marcar, em vão, uma audiência com algum dos responsáveis ministeriais. Ainda recentemente uma delegação da Fenprof passou um dia inteiro na sede do ME onde ninguém esteve disponível para a receber. Ainda assim, e apesar dos esforços de certa opinião publicada em denegrir os professores sempre que estes não agem como paus mandados dos políticos de turno, todos os estudos nessa matéria confirmam que o país confia nos seus professores mais do que em políticos ou em jornalistas. Sabe como estivemos presentes e reinventámos a profissão durante o confinamento, para que os alunos continuassem a ter aulas, a trabalhar e a aprender. Não estão é disponíveis, nem têm de estar, para caucionar, com o seu silêncio resignado, mais um atropelo aos seus direitos.
3. Porque é efectivamente de mais um abuso que se trata. A convocação de uma greve não obriga ninguém a aderir. Os professores que aceitaram e vierem a aceitar livremente as horas extraordinárias que lhes são impostas – e não escrevi “propostas” porque é mesmo de uma imposição, de “aceitação obrigatória”, que se trata – darão obviamente as suas aulas. Mas naqueles casos em que a sobrecarga de trabalho e o desgaste são evidentes, o professor deve ser livre de recusar as horas extra – e é para isso que serve a greve convocada. Um erro comum aos analistas de bancada, quando olham para o que se passa na Educação, é julgarem que tudo se passa civilizadamente: que os governantes dialogam com os governados, que impera o bom senso e a procura de consensos. Na verdade, o ME governa o sector contra os professores, recorrendo às pressões, ameaças e imposições para quebrar resistências e impor a sua vontade, ignorando os problemas das escolas e as necessidades dos profissionais nas escolas.
4, Finalmente, as mentiras. É falso que a falta de professores seja o resultado de uma súbita crise de mão-de-obra, como sucede noutros sectores. Trata-se de um problema há muito diagnosticado, que os actuais governantes têm entre mãos desde que chegaram ao poder, e que sempre preferiram ignorar. Também não está demonstrado que a maioria dos horários vagos sejam devido à falta de candidatos habilitados e interessados em leccionar. A prova é que a falta de horários se concentra, praticamente na totalidade, em três distritos do país: Lisboa, Setúbal e Faro. Não é preciso ser muito inteligente – basta não querer fazer dos outros burros – para perceber que não é por qualquer teimosia ou má-vontade dos docentes destas regiões que ficam vagas por ocupar. É porque faltam medidas efectivas para corrigir os factores que impedem a aceitação de horários, nomeadamente a precariedade dos contratos propostos e os custo elevado da habitação. Algumas destas medidas estão até previstas no programa do governo, pelo que andaria melhor, quem se intitula jornalista, se questionasse os governantes pela sua inacção, em vez de diabolizar os professores e os seus sindicatos pelo agravamento de problemas que vêm há muito denunciando.
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