Pensamento do dia

É uma vergonha que o Assange, um jornalista que denunciou falcatruas de um Estado contra outro, esteja preso e a gente não faça nada para libertá-lo. Acho que é preciso um movimento da imprensa mundial em defesa da liberdade dele, mas também da liberdade para denunciar as coisas.

Lula da Silva

Nem só na Rússia há jornalistas presos, perseguidos ou assassinados por exercerem o direito à informação. Nalgumas democracias ocidentais, e em estados autoritários que elas protegem, existirão porventura muitos mais.

Julian Assange é apenas o caso mais visível e o exemplo mais flagrante, também aqui, da hipocrisia ocidental.

Dar palco a fascistas no 25 de Abril???

Questionado sobre a visibilidade que, quando se comemora a conquista da liberdade e da democracia, é dada ao partido fascista – a cujas palhaçadas, insultos e despropósitos me escuso de referir – António Costa deu uma resposta lapidar.

Eu não tenho nenhuma televisão, não tenho nenhuma rádio, não tenho nenhum jornal. Quem é que lhe dá visibilidade? São as rádios, as televisões, os jornais, ou é o primeiro-ministro?”

Não tenho tido, nos últimos meses, oportunidade para elogiar o que quer que seja na actuação política de António Costa ou do seu governo. Mas reconheço que aqui não poderia ter estado melhor, e a única coisa que se lamenta é não haver, entre os patrões e directores dos media, suficiente massa crítica para a reflexão que as palavras do primeiro-ministro deveriam impor.

O Público não gosta de greves

Por que razão há estas greves intermináveis? A resposta crua, mas indispensável, está aos olhos de todos: porque há em Portugal um fosso entre os custos para os grevistas e os custos para a sociedade.

O Público já foi, ou pretendeu ser, um jornal de referência no jornalismo português. Há muito que carece de isenção na abordagem de determinados temas, algo que nos tempos áureos disfarçava razoavelmente ao assumir uma espécie de jornalismo de causas. Nos últimos anos, e em particular com o actual director, o plano inclinado em que o jornal vem deslizando está a conduzi-lo irremediavelmente ao nível do jornalixo.

No mais recente editorial, dedica-se o dito cavalheiro a perorar sobre greves “intermináveis” sem nada perceber, ou querer compreender, acerca do assunto. Acha ele, na sua visão simplória e preconceituosa, toldada pela vulgata neoliberal, que as greves acontecem porque os trabalhadores encontraram formas de as fazer com custos reduzidos e assim conseguem prolongar a luta. No primarismo do raciocínio e do discurso, não lhe ocorre sequer pensar na explicação mais lógica: as greves prolongam-se pela simples razão de que as reivindicações dos trabalhadores não são satisfeitas, não havendo sequer um esforço de aproximação do poder patronal às suas pretensões.

O que desequilibra a balança das relações laborais não é o direito à greve, reconhecido e protegido em todas as democracias. É, isso sim, o esforço conjunto de sucessivos governos e patronato para cercear esse direito, estabelecendo regulamentação cada vez mais apertada em torno de convocatórias, prazos e serviços mínimos abusivos a assegurar pelos trabalhadores. É a promoção de sindicatos-fantoche para dividir e enfraquecer o movimento sindical. É a imposição da caducidade da contratação colectiva que, acabando com os direitos adquiridos nas relações laborais, obriga os trabalhadores a uma luta contínua pela preservação desses direitos.

O que está profundamente errado nas relações laborais não é que, contra a prepotência patronal, os trabalhadores usem a greve da forma mais cirúrgica e inteligente ao seu alcance para conseguir os seus objectivos. É o bloqueio negocial e o desprezo pelos direitos e a dignidade dos trabalhadores que, fechada a porta do diálogo, deixa aos trabalhadores que não se resignam uma única alternativa: a luta, com todas as forças e armas possíveis de mobilizar.

No caso da administração pública e do sector empresarial do Estado, onde se concentram a maioria das greves, pode ainda acrescentar-se a recusa, da parte dos governantes, em ouvir os trabalhadores, compreender os sinais dados através de manifestações e outros protestos públicos, dar algum significado a conceitos como negociação, consenso ou compromisso. Ao contrário dos patrões privados, que acumulam prejuízos com o arrastamento das greves, os governantes não sentem a coisa pública como algo que devem proteger e preservar. Choca a falta de ética, essa ética republicana com que o PS gosta de encher a boca, mas miseravelmente ausente, nos princípios e nas práticas, sempre que o partido se instala no poder. Indiferentes a tudo o que não seja a preservação das clientelas e das negociatas do regime, apostam no arrastamento dos conflitos, à espera que os trabalhadores se cansem e desistam de lutar, mesmo que nesse processo arrastem serviços públicos essenciais – saúde, educação, transportes públicos, justiça – para a degradação e a ruína.

Há uma profunda hipocrisia no discurso dos escrevinhadores neoliberais do Público e de outros jornalecos, esses sonsos que antigamente criticavam as greves fofinhas “à sexta-feira” e agora repudiam as greves “intermináveis”. Percebe-se, demasiado bem, que nenhuma greve lhes serve. Falta-lhes, no entanto, a coragem para exprimir o que lhes verdadeiramente lhes vai na alma: a vontade de acabar com todas as greves.

Uma greve “em crescendo”

A afirmação é do coordenador do STOP, André Pestana, e refere-se a um movimento que, embora esteja a ser expressivo num número limitado de escolas, distingue-se de protestos semelhantes pela visibilidade que os professores aderentes lhe estão a dar, manifestando-se e registando, em fotos e vídeos a sua presença à entrada das escolas.

Perante a escassa atenção que a comunicação social, mais preocupada com cheias e futebóis, tem dado aos protestos, milhares de docentes têm recorrido às redes sociais para, através de posts e partilhas, fazerem de si próprios notícia. Ao terceiro dia, um jornal mais atento finalmente reparou…

Num vídeo divulgado nesta terça-feira, o dirigente do Stop André Pestana deu conta de que “a greve está em crescendo” e que assim continuará até sábado, dia em que será realizada uma manifestação e plenário de professores em Lisboa para debater o futuro desta acção. Pestana indicou ainda que a mobilização tem sido particularmente forte nas regiões do Grande Porto, Grande Lisboa e Algarve.

Os grupos de professores nas redes sociais estão inundados de fotografias das concentrações e cordões humanos organizados pelos professores frente às suas escolas. Acções que também estão a ser seguidas de perto pela imprensa regional. Segundo informações veiculadas pelo portal de notícias Sul Informação, existem professores em greve “um pouco por todo o Algarve”. Nesta quarta-feira foi a vez de os docentes da Escola Básica 2,3 São Pedro do Mar, de Quarteira, e das Escolas EB1 dos Caliços e Básica e Secundária de Albufeira se juntarem à paralisação.

Num e-mail enviado ao PÚBLICO, um professor do Agrupamento de Escolas Poeta António Aleixo, em Portimão, relata que nesta unidade orgânica há docentes em greve desde o dia 9 de Dezembro. “A adesão nas três escolas do agrupamento tem sido grande”, acrescenta.

Informa ainda a imprensa regional que, entre muitas outras acções, “cerca de 40 professores manifestaram-se à frente da Escola Vasco da Gama, em Sines”, nesta terça-feira. No mesmo dia “largas dezenas de professoras, do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Gomes de Almeida, em Espinho, aderiram à greve paralisando, em grande parte, as aulas na escola sede e na Escola de Espinho 2”. Nesta quarta-feira “cerca de 30 professores fizeram greve na escola EB 2,3 António Luís Moreira, nos Carvalhos, em Gaia”, tendo-se concentrado junto à porta da escola em manifestação.

“A maior diferença desta greve é que decidimos vir para a porta da escola. Nós estamos em greve, mas estamos no local de trabalho a reivindicar todas aquelas questões. Os encarregados de educação e quem passa nota que há um protesto, um descontentamento, o impacto é mais forte e a mensagem passa de forma mais eficaz”, explica um dos docentes da Escola Básica 2,3 Pêro de Alenquer que nesta terça-feira se concentraram frente aos portões deste estabelecimento escolar de Alenquer.

De Braga vem a informação de que “vários professores da Escola Básica Dr. Francisco Sanches estão em greve até ao dia 16”. “Hoje [terça-feira] fechámos a escola e manifestámo-nos — urbi et orbi — à sua frente, pela dignidade da educação, pela dignidade da nossa profissão”, relata um grupo de docentes do Agrupamento de Escolas de Oliveira do Hospital, que explicam ainda o seguinte: “Muitos dos nossos direitos têm sido violados pelo Ministério da Educação, que colocou a classe docente numa situação de precariedade e gerou um clima de incerteza na vida de cada um de nós.”

O Público em defesa do Privado

Fonte da imagem: https://twitter.com/FilipaAlMendes/status/1567865374552596481

Jornalismo de encomenda, jornalismo de causas, chamem-lhe o que quiserem. Para mim isto é claramente uma forma enviesada de fazer jornalismo, partindo de uma ideia preconcebida e procurando testemunhos que a confirmem. Na origem, um jornal detido por um grupo económico que nos últimos anos tem investido fortemente no ensino privado.

No caso, a ideia de que a escola privada é que é boa, insistentemente perseguida pelo jornal desde os tempos já distantes em que mais batalhou pela divulgação pública dos rankings das escolas, passando pela cruzada, mais recente, contra o fim dos contratos de associação em zonas do país servidas pela rede de escolas públicas.

Há alunos a mudar para o privado, assim como outros, talvez até em maior número, fazem o percurso inverso. E nem sempre a “qualidade”, ou a percepção desta, é o factor determinante na mudança. Não quer a jornalista falar-nos, por exemplo, da compra de notas? Ou da reserva do direito de admissão que, em conjunto com as elevadas mensalidades, veda a entrada nos colégios de alunos com problemas de aprendizagem?…

Claro que o trabalho jornalístico, como qualquer outro, é feito de escolhas, e as do Público são, quase sempre, estas. O problema é serem feitas, intencionalmente, para transmitir apenas uma determinada perspectiva da realidade. Para tentar condicionar o pensamento do leitor, em vez de lhe permitir, como mandam as boas regras e práticas jornalísticas, formar a sua própria opinião.

O silenciamento da Fenprof

Ontem, 19 de abril de 2022, a RTP, serviço público de rádio e televisão em Portugal, emitiu o programa “É ou não é” sobre o futuro da Educação. Em debate estiveram, entre outros aspetos, os relativos à falta de professores, à sua carreira e às condições de exercício da profissão. Uma vez mais (!), as organizações sindicais de docentes foram excluídas, o que significa que a RTP voltou a prestar um mau serviço, amputando o debate público de participações e pontos de vista importantes para ele.

[…]

Entendeu a produção do referido programa da RTP que, apesar do trabalho desenvolvido por esta organização que representa cerca de 50 000 docentes, não havia interesse em conhecer os seus pontos de vista, o diagnóstico que faz das atuais situações da Educação e dos professores em Portugal. Poderia pensar-se que a opção da RTP teria sido a de não ter representantes de entidades ou organizações, mas não foi o que aconteceu, uma vez que estiveram no debate, por exemplo, a presidente do Conselho Nacional de Educação e o presidente de uma associação de diretores. Estiveram professores, sim, mas exceção feita aos que desenvolvem determinados projetos, os demais eram representantes de si próprios, condição que não se altera por serem dinamizadores de blogues. Não se vislumbra a justificação para privilegiar representações individuais em detrimento de coletivas e, mais do que isso, para excluir estas no que toca aos professores, grupo profissional determinante para os assuntos em análise.

A continuada tentativa de silenciamento dos sindicatos de professores é uma queixa antiga da Fenprof, a maior e mais activa federação sindical de professores. Integra-se numa estratégia mais vasta, que passa não apenas pela desvalorização do movimento sindical, considerado retrógrado, rotineiro e ultrapassado face aos problemas e desafios do mundo laboral no século XXI, mas da própria classe docente, que se procura desta forma menorizar.

Independentemente das queixas ou das críticas que tenhamos a fazer aos sindicatos que, bem ou mal, nos representam institucionalmente, há que reconhecer as razões da Fenprof e a oportunidade deste comunicado: no debate em causa, que noticiei aqui, estiveram presentes um representante associativo dos directores escolares e a presidente do CNE. Já em relação aos professores, por sinal bem representados pelo Paulo Guinote, o Luís Braga e outros – até o director Filinto Lima invocou, mais de uma vez, a sua condição de professor – não foi seguido o mesmo critério de representação institucional. Esta normalização da exclusão dos sindicatos do espaço mediático não é aceitável numa sociedade democrática, quaisquer que sejam as razões invocadas para a justificar. Muito menos numa televisão pública, financiada com dinheiro dos contribuintes e obrigada a deveres de isenção na prestação do serviço público televisivo.

Escusada era a crítica subliminar à presença, no programa em causa, de professores que apenas se representam a si próprios. É verdade que Guinote e os outros apareceram em nome individual, mas não me parece que a afirmação da Fenprof no espaço público deva fazer-se à custa da exclusão de professores que, por mérito próprio, conquistaram alguma notoriedade pública e dignificam a classe docente, como se viu, com as suas intervenções. Se alguém tivesse a infeliz ideia de me convidar para algo deste género, avesso como sou à exposição mediática, de bom grado delegaria em alguém do meu sindicato a minha representação. Mas outros colegas não o quererão fazer, e estão no seu direito.

Além de que a pluralidade de pessoas e ideias, numa classe profissional tão numerosa e diversificada como é a dos professores, deve ser valorizada. Com uma longa história, de que se deve orgulhar, de defesa e dignificação da classe docente, a Fenprof deveria congratular-se com o reconhecimento público que alguns professores vão alcançando autonomamente. Fica-lhe mal, certamente, este menosprezo, esta inveja mal dissimulada, em relação aos “dinamizadores de blogues”. Os adversários da classe docente podem estar em muitos lados. Mas é mau sinal quando começamos a caça às bruxas entre os próprios professores.

O que nos leva à relação difícil que o sindicalismo docente parece ter com a blogosfera e as redes sociais dos professores. É que nem sempre foi assim: recordo o exemplo pioneiro de um dos primeiros fóruns criados especificamente para professores no site do SPN, ainda antes da popularização dos blogues. Era um espaço largamente participado pela franja, na altura ainda minoritária, dos professores que frequentavam com regularidade a internet. Mas não foi capaz de evoluir e de se adaptar, vindo a perder terreno para os blogues e, mais tarde, as redes sociais, em especial o Facebook, onde hoje se concentra a larga maioria dos professores que frequentam o ciberespaço.

Há um distanciamento crescente dos professores em relação aos seus sindicatos e isto passa, não apenas por alguns erros cometidos na acção sindical, mas também por uma notória dificuldade de comunicação entre as “bases” – os professores imersos no quotidiano escolar – e as direcções sindicais, que não têm sabido renovar e se vêm progressivamente afastando desse quotidiano vivido e sentido nas escolas. Os sindicatos, e falo aqui sobretudo dos da Fenprof, que continuam a ser a referência do sindicalismo docente – os seus detractores raramente ou nunca criticam os restantes, é como se não existissem – devem aproximar-se dos professores que representam, ouvindo-os e dando-lhes voz. Investindo, nomeadamente, numa maior e melhor presença nos media, na internet e nas redes sociais. Que tal, em vez da crítica recorrente aos bloggers, seguir-lhes o exemplo?…

Um editorial vergonhoso

A crónica falta de professores abriu uma grave crise na escola pública, mas há quem em nome dos docentes esteja empenhado em a agravar. É a essa missão que se dedica com denodo a Fenprof, convocando uma greve às horas extraordinárias dos professores. Quando se fala, e com razão, na urgência imperiosa de restaurar a dignidade profissional dos professores, ou quando se defende que têm de reforçar a sua autonomia, autoridade e responsabilidade, o mais poderoso sindicato que os representa vem a público envolvê-los numa operação de sentido contrário. Não haja dúvidas: impedir que as escolas recorram ao pagamento de horas extraordinárias para suprir a falta de professores é um grave atentado contra a escola pública, contra os alunos e, por consequência, contra o prestígio social dos professores.

Manuel Carvalho, director de um jornal que quer ser de referência, mas que embarca demasiadas vezes num jornalismo de causas pessoais, acusa Mário Nogueira e a Fenprof de uma grande perfídia contra a escola pública, por esta organização ter convocado uma greve ao serviço docente extraordinário.

Fabricando desinformação e destilando preconceitos, MC manda às urtigas a imparcialidade e o rigor que deveriam ser apanágio, sempre, de quem tem carteira profissional de jornalista, mesmo quando o que é escrito surge travestido de “opinião”. Também não se envergonha de falar do que não sabe, disparando juízos de valor e mentiras, num texto de opinião que, sendo “editorial”, responsabiliza não só quem o escreveu mas também o jornal que o publica.

Quanto ao que ficou escrito:

1. A crítica a convocação de uma greve em “momento de emergência” é apenas um pretexto, pois nunca vi MC defender a justeza ou a oportunidade de uma greve de docentes. Na perspectiva dos seus detractores, as greves são sempre inoportunas, sejam quais forem as circunstâncias em que se realizem ou os motivos invocados. Não adianta esgrimir grandes argumentos contra o falso moralismo dos que, se pudessem, acabavam já hoje com o direito à greve. Apenas reafirmar que este direito, duramente conquistado pelos trabalhadores, está inscrito na Constituição, onde também se esclarece que é aos trabalhadores, e apenas a eles, que compete definir as greves que fazem, as razões que as justificam e os objectivos que pretendem atingir. Quanto à emergência pandémica, ela não impediu que o Governo desencadeasse uma crise orçamental por mero calculismo político. Ora um país em crise que aguenta três meses de governação a marcar passo e sem orçamento aprovado apenas porque o PS julga ter algo a ganhar com esta situação, também aguenta uma greve de professores que visa apenas o serviço lectivo extraordinário.

2. Isto leva-nos a outra crítica hipócrita e mistificadora de MC, a de que os professores, capitaneados pela Fenprof, não colaboram na resolução do grave problema da falta de docentes. Só faltou dizer, mas esteve lá muito perto, que a culpa é mesmo dos professores. Na verdade, se o Governo estivesse interessado em obter o contributo da classe, começaria por dialogar com os seus representantes, que andam há quase dois anos a tentar marcar, em vão, uma audiência com algum dos responsáveis ministeriais. Ainda recentemente uma delegação da Fenprof passou um dia inteiro na sede do ME onde ninguém esteve disponível para a receber. Ainda assim, e apesar dos esforços de certa opinião publicada em denegrir os professores sempre que estes não agem como paus mandados dos políticos de turno, todos os estudos nessa matéria confirmam que o país confia nos seus professores mais do que em políticos ou em jornalistas. Sabe como estivemos presentes e reinventámos a profissão durante o confinamento, para que os alunos continuassem a ter aulas, a trabalhar e a aprender. Não estão é disponíveis, nem têm de estar, para caucionar, com o seu silêncio resignado, mais um atropelo aos seus direitos.

3. Porque é efectivamente de mais um abuso que se trata. A convocação de uma greve não obriga ninguém a aderir. Os professores que aceitaram e vierem a aceitar livremente as horas extraordinárias que lhes são impostas – e não escrevi “propostas” porque é mesmo de uma imposição, de “aceitação obrigatória”, que se trata – darão obviamente as suas aulas. Mas naqueles casos em que a sobrecarga de trabalho e o desgaste são evidentes, o professor deve ser livre de recusar as horas extra – e é para isso que serve a greve convocada. Um erro comum aos analistas de bancada, quando olham para o que se passa na Educação, é julgarem que tudo se passa civilizadamente: que os governantes dialogam com os governados, que impera o bom senso e a procura de consensos. Na verdade, o ME governa o sector contra os professores, recorrendo às pressões, ameaças e imposições para quebrar resistências e impor a sua vontade, ignorando os problemas das escolas e as necessidades dos profissionais nas escolas.

4, Finalmente, as mentiras. É falso que a falta de professores seja o resultado de uma súbita crise de mão-de-obra, como sucede noutros sectores. Trata-se de um problema há muito diagnosticado, que os actuais governantes têm entre mãos desde que chegaram ao poder, e que sempre preferiram ignorar. Também não está demonstrado que a maioria dos horários vagos sejam devido à falta de candidatos habilitados e interessados em leccionar. A prova é que a falta de horários se concentra, praticamente na totalidade, em três distritos do país: Lisboa, Setúbal e Faro. Não é preciso ser muito inteligente – basta não querer fazer dos outros burros – para perceber que não é por qualquer teimosia ou má-vontade dos docentes destas regiões que ficam vagas por ocupar. É porque faltam medidas efectivas para corrigir os factores que impedem a aceitação de horários, nomeadamente a precariedade dos contratos propostos e os custo elevado da habitação. Algumas destas medidas estão até previstas no programa do governo, pelo que andaria melhor, quem se intitula jornalista, se questionasse os governantes pela sua inacção, em vez de diabolizar os professores e os seus sindicatos pelo agravamento de problemas que vêm há muito denunciando.

Jornalismo nas escolas

Decorreu esta quinta-feira, 4 de Novembro, a partir da biblioteca da Escola Secundária Camões, em Lisboa, uma acção de formação destinada a professores promovida pelo Plano Nacional das Artes (PNA) em parceria com o jornal PÚBLICO. Cerca de 420 professores acompanharam, em directo, a sessão com o tema “O jornal como recurso pedagógico”, através do canal Youtube da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares.

O evento contou com a presença do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, João Costa e do Secretário de Estado do Cinema Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva. João Costa referiu-se ao jornal como “um mundo que se abre enquanto recurso pedagógico, na promoção de novas literacias mais aprofundadas, mas também, e sobretudo, na capacidade de trazer a cidadania para dentro das escolas”. Defendeu ainda que “o jornal e a imprensa livre são dos principais sintomas de uma democracia plena”. Trazer o jornal para a escola é, segundo o Secretário de Estado, “trazer o espaço do pluralismo, o espaço do debate, o espaço do diálogo, o espaço do confronto de ideias, mas também o território do conhecimento e não das pseudo-informações que vivem à nossa volta neste momento”. Nuno Artur Silva reforçou a importância dada ao jornalismo acrescentando que “quando o jornalismo está sob ameaça, também a democracia está”. E considerou que “a defesa da democracia faz-se na aula, na escola, com a ajuda do jornalismo”.

Um embrulho novo, com a chancela de governantes e comissários políticos, para uma ideia que está longe de o ser: introduzir o jornalismo na escola, seja através da leitura crítica de notícias e outros conteúdos da imprensa, seja pela perspectiva, ainda mais ambiciosa, da construção de jornais escolares.

A verdade é que nem as escolas portuguesas, onde a tradição do jornalismo escolar se perde no tempo, nem o próprio jornal Público, que desde a sua fundação apoia e promove os jornais escolares através da iniciativa Público na escola, precisariam deste paternalismo dos políticos de turno, que com os chavões agora em voga, vêm tentar ensinar o Padre Nosso ao vigário.

Claro que na era das novas tecnologias, os jornais, sobretudo nas suas versões em papel, aparentam estar em declínio. A voragem das redes sociais, que para um número crescente de cidadãos se tornou a quase exclusiva fonte de informação, ameaça não só a imprensa livre e independente, mas a própria sociedade instruída, informada e civicamente participativa que é a base de todas as democracias. O que agora pomposamente se chama literacia para os media é no fundo a tentativa de conseguir que a geração dos inapropriadamente chamados nativos digitais continue a usar e a valorizar os media e a reconhecer o seu papel insubstituível.

Contudo, a sobrevivência dos jornais não depende apenas dos seus leitores, nem da maior ou menor literacia que estes possuam para os ler e interpretar. Passa também pelo reconhecimento da credibilidade do trabalho jornalístico, demasiadas vezes colocado, nos tempos que correm, ao serviço de agendas ocultas e manipulatórias. Uma tendência a que nem o Público, geralmente reconhecido como um dos melhores jornais portugueses, se tem mostrado imune.

A manchete – miserável – da semana

Habituados a que lhes sejam assacadas as responsabilidades por tudo o que corre mal na Educação, aos professores estaria destinada ainda mais esta: ao fim de uma vida de trabalho os malandros, vejam lá, decidem reformar-se, deixando os seus alunos sem aulas e o pobre ministério desprevenido pela falta de inesperada de docentes.

Julgo ser caso único entre todos os ministérios a existência, no ME, de uma direcção-geral exclusivamente dedicada à elaboração de estudos, estatísticas e outros documentos destinados a avaliar o funcionamento do sistema educativo e a identificar e analisar as suas necessidades e prioridades presentes e futuras. Uma função que a DGEEC vai cumprindo muito razoavelmente, sobretudo quando os cálculos até são fáceis de fazer: neste caso, sabendo quantos professores existem nos quadros e conhecendo a sua distribuição etária, bastam umas contas simples de somar e subtrair para calcular quantos estarão em condições de se aposentar em cada um dos próximos anos.

Pelo que a abordagem correcta de um tema tão sério para o futuro da Educação nunca poderia ser neste tom de quem insinua culpas dos professores. O que há a explicar à opinião pública não é complicado: mais de metade dos professores dos quadros do ME têm mais de 50 anos, pelo que dentro dos próximos 10 a 15 anos o sistema precisará de pelo menos alguns 50 mil professores para os substituir. E isto vai criar uma situação muito complicada porque, primeiro, se está a dificultar o acesso de novos professores à profissão, sendo previsível que nos próximos anos muitos deles abandonem em definitivo o ensino; segundo, não existem professores em tão grande número, nem está a ser acautelada a sua formação tendo em conta as necessidades futuras.

O JN é um jornal sério e até acredito que, no desenvolvimento da notícia, que não li por não ser assinante, tenham esclarecido os aspectos essenciais da questão. Mas nem sempre se consegue resistir às manchetes sensacionalistas e acusatórias…

Jornalismo preconceituoso e mentiroso

Na turma do meu filho, a última semana de maio foi vivida num ambiente de fim de ano. Segunda-feira, dia 31, as aulas deveriam ter começado às 8:15 horas e terminado às 16:00 horas. Às 9:30 , o meu filho chegou a casa com a boa notícia – julga ele – de que as aulas estavam terminadas. Todos os professores que deveriam dar as aulas entre as 9:30 e as 16:00 avisaram que não iam aparecer. Alguns deles já avisaram mesmo que por este ano a coisa está feita. Não voltam mais à sala de aulas...

O jornal só se publica online, e chama-se Observador. A cronista é Raquel Abecasis, uma senhora que já foi, não sei se ainda é, jornalista, já foi candidata autárquica pelo CDS/PP e assume agora o conveniente papel de mãe de família, preocupada com a educação do seu filho, na desprezível tarefa de atacar, recorrendo a mentiras e falsidades, a escola pública. Ao contrário do habitual, não coloquei o link para a crónica mentirosa, escondida atrás de uma paywall.

O calendário escolar em vigor prolonga-se, no caso do 10.º ano, até ao dia 23 de Junho. Está em vigor em todas as escolas, públicas e privadas, do país. Como é possível que os professores de alguma escola decidam que não vão dar mais aulas neste ano lectivo? Saberá a cronista que essa não é uma decisão que deles dependa? Que na função pública as faltas são sempre justificadas, sob pena de, além de penalizações no vencimento e no tempo de serviço, poderem originar processos disciplinares? Terá consciência, a cronista caluniosa e incendiária, da gravidade das insinuações que está a formular? Que escola é essa, afinal, onde se decide acabar as aulas quatro semanas mais cedo do que está estipulado? Se a informação que apresenta é factual, porque não identifica a escola, explorando aquilo que seria, se fosse verdade, um verdadeiro furo jornalístico?

Este jornalismo de sarjeta, manipulatório e tendencioso, disfarça mal o projecto político e ideológico de direita que originou o Observador. O preconceito contra a escola pública e pela promoção do ensino privado sempre lá estiveram, mas havia até agora um pouco de pudor e uma tentativa de manter alguma elevação moral na forma como defendiam as suas convicções. Neste momento parece valer tudo, até a desinformação e a mentira pura e simples para descredibilizar a escola pública. E quando assim é, há uma opção clara a assumir em relação a um pseudo-jornalismo deste calibre: enquanto a linha editorial dos observadores for esta, não voltarei a divulgar ou a comentar por aqui os comentadores do pasquim.