Não sei se será o primeiro de muitos, se foi apenas uma pedrada no charco ou poderá ser o início de um processo de mudança, para melhor, na Educação. Em Espanha e, já agora e se não for pedir demasiado, que a ideia chegue também a Portugal.
O I Congreso de Expertos Docentes realizou-se no passado sábado em Valência e distingue-se de outras iniciativas semelhantes porque, desta vez, os conferencistas convidados não foram catedráticos, políticos, gurus, empresários, economistas, peritos da OCDE, banqueiros, presidentes de fundações e de multinacionais. Todos os oradores eram, sem excepção, professores do ensino básico ou secundário no activo. O que, a bem dizer, deveria ser a regra, e não a excepção: afinal de contas, são os professores, os que praticam no quotidiano esta ciência imperfeita mas sempre desafiante, os verdadeiros especialistas em Educação.
A sociedade espanhola vive dias agitados, e o sector educativo é dos mais polarizados. Num sistema educativo regionalizado, é na Comunidade Valenciana que têm ocorrido os embates mais fracturantes entre os professores e a administração educativa, apostada em impor os “âmbitos” na prática pedagógica: uma espécie de áreas curriculares que obrigam os docentes a leccionar disciplinas para as quais não têm formação. A medida tem sido fortemente contestada, tendo levado até à realização de greves, e foi uma das motivações deste congresso de professores.
Do que de muito interessante se falou e discutiu em Valência no passado dia 21 fui tendo eco através de alguns dos participantes que sigo no Twitter. Deixo uma descrição sumária, mas que julgo esclarecedora e inspiradora, no excerto que traduzi deste post de Jordi Martí: No hubo avioncitos de papel.
Falou-se do erro de falar de inovação versus renovação. Das competências. Do que eram e do que não eram. Dos conceitos místicos envolvidos na crença em certas coisas. Dos resultados dos nossos alunos. Que há estudantes que podem colocar uma vassoura à sua frente e que aprenderão o mesmo. Que outros estudantes têm problemas que vão para além da instituição escolar. E do cerne da questão: aqueles alunos que perdemos porque não têm quem olhe por eles e para os quais, aparentemente, não há recursos nem interesse. Do roubo de conhecimento. Da necessidade de aprender a fim de poder mudar no futuro um contexto cada vez mais precário. De Malthus. De gurus muito premiados e promovidos que levaram a URSS à fome. De livros e folhetos sobre educação. Da aprendizagem por problemas, como praxis imposta sob o guarda-chuva economicista, com resultados que se revelaram fatais para os sistemas educativos que a utilizaram no passado. Das TIC. Da necessidade de reduzir a sua utilização e de usá-las quando for preciso. Do uso das mãos. De escrever para reter. Dos meios de comunicação que nos vendem certas coisas através dos seus agentes sem escrúpulos. De como é possível ser perverso nas manchetes. Do porquê de, quando há muita investigação, triunfar a má investigação. De que as ciências sociais são menos mensuráveis que as ciências experimentais, pelo que, no processo de investigação, devem ser seguidas regras lógicas. De como é perverso negar centenas de anos de conhecimento para que os estudantes, através de alguma intervenção divina, possam tentar reencontrar esse conhecimento através de uma aprendizagem que ninguém sabe como gerir. De modas. De projectos avaliados pelos mesmos que fazem esses projectos. Da necessidade de avaliações, tanto internas como externas, de qualidade. Da descentralização da instituição escolar, esquecendo sempre os professores nesse processo. De considerar más as acções do político que gere a educação ou considerá-lo antes, a ele, um idiota útil ao serviço de um sistema mercantilizado. Da competição insana entre escolas (não só entre escolas privadas e públicas, mas também entre as próprias públicas e as próprias privadas). Do desenho curricular específico para conseguir mão-de-obra barata, moldável e acrítica no contexto empresarial. De estratégias educativas baseadas na reprodução de modelos de negócio. Empoderamento, resiliência e atribuição de diferentes papéis aos estudantes em diferentes projectos são simulações interesseiras, a fim de obter trabalhadores a baixo custo. Do absurdo que é o conceito de aprender a aprender. Da fé de algumas pessoas em certas coisas. De formar em coisas que não existem para empregos que não existem. Da imposição ilegal das áreas curriculares, porque significa mudar a forma de ensinar sem passar por qualquer mesa negocial. Da desculpa da pandemia para impor certas coisas. De que não se trata de voltar para a escola do antigamente, nem ninguém a deseja… trata-se de criar um novo modelo educativo (ou de conhecimento) que nos permita devolver a esperança àqueles que estamos a deixar pelo caminho. De…
Certamente deixei de fora muitas coisas. Muitíssimas. Isso sim. O que ficou ontem claro é que por detrás do interesse em culpar os professores existe um projecto ideológico muito claro, promovido por certas elites extractivas, com o apoio de certos políticos, porque acreditaram no discurso ou receberam certos benefícios dessa elite. Os políticos não têm os meios de comunicação. São os meios de comunicação que têm políticos.
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