Manifestação ou concentração?

Num protesto colectivo com mais de cem mil pessoas, o que resulta melhor? Uma marcha longa, a cadência lenta, implicando esperas de várias horas até que todos entrem, desfilem, e alcancem ao final do percurso, onde entretanto os primeiros a chegar já desmobilizaram, ou uma concentração/comício num espaço previamente definido, onde se pode confluir por diversos caminhos e onde todos chegam efectivamente a estar juntos e a exprimir, a uma ou várias vozes, o seu sentir colectivo? Claro que a concentração deixa menos espaço para a exibição coreográfica, e essa pode ser uma desvantagem desse formato…

A figura retrata a concentração ocorrida hoje em Madrid, culminando uma jornada de defesa da Saúde Pública, que muitos espanhóis sentem ameaçada tanto pelas políticas do governo de izquierdas liderado por Pedro Sanchéz como pelos governos autónomos de orientação neoliberal, entre eles o que dirige a Comunidade de Madrid. Como é habitual nestas situações, os organizadores falam num milhão de manifestantes, enquanto as autoridades apontam para uns mais modestos, mas ainda assim impressionantes, 250 mil.

Cada um que tire as suas conclusões…

STEM e igualdade de género

Tudo é STEM. Bem, STEM ( Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemáticas) ou a inovação do neologismo, STEAM, à qual é simplesmente acrescentada a letra para a parte artística. Um desprezo absoluto pelas humanidades. Definitivamente, um desprezo por tudo o que não tenha uma aplicação prática imediata, possa ester sujeito aos desígnios do mercado e esteja directamente relacionado com a produção empresarial. Dá a impressão de que a Filosofia, a História, o Direito, a Educação, ou mesmo qualquer serviço não directamente relacionado com a ciência ou a tecnologia, é algo “para aqueles que não podem fazer mais nada”. Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemáticas. São um todo que alguém determinou. Um todo que não modifica a sociedade. Um todo necessário mas não único. Um todo que exclui uma grande parte da sociedade que decidiu livremente não se apaixonar pelas STEM.

Jordi Martí reflecte sobre as consequências que a supremacia das STEM, aliada ao desprezo pelas humanidades, está a gerar em Espanha, algo que também vemos em Portugal: cada vez mais raparigas vão sendo incentivadas a seguir carreiras nas áreas científicas e tecnológicas, supostamente as que asseguram um bom futuro profissional. Sendo notório o desequilíbrio de género nalgumas destas áreas – sobretudo na informática e nas engenharias em geral – este incentivo pode fazer algum sentido.

Mas a realidade não é assim tão linear: nos países onde a emancipação feminina tem já um longo caminho percorrido e a igualdade de oportunidades é mais efectiva, a percentagem de mulheres que optam por carreiras científicas e tecnológicas não tem aumentado significativamente. Este é o paradoxo da igualdade de género nas STEM: se os homens são bem sucedidos nas carreiras científicas e tecnológicas, ao mesmo tempo que a sociedade despreza as humanidades, então as mulheres que almejam ter idêntico sucesso devem seguir as pisadas masculinas em vez de pensarem e decidirem pela sua cabeça, de acordo com a sua vontade. Afinal de contas, em vez de emancipação feminina, o que aqui temos é uma outra forma de sujeição ao velho sistema patriarcal.

Por outro lado, em países onde carreiras no ensino, nas artes, na administração pública, nos serviços sociais ou na investigação científica são valorizadas, o que sucede é que muitas mulheres optam livremente por estas áreas. Não porque sejam profissões de homens ou de mulheres, não por pressão social ou familiar, mas porque é o que efectivamente querem e gostam de fazer.

Claro que, quando a Educação é subjugada às necessidades dos mercados, a consequência lógica é a desvalorização, ou mesmo a extinção, de cursos focados em áreas que, do ponto de vista empresarial, são consideradas conhecimentos inúteis. Erros que noutros lados se cometeram, e que por cá deveríamos evitar…

Escolas públicas preparam melhor para a Universidade

Um estudante formado numa escola secundária pública tem 63% mais probabilidades de obter boas notas na Universidade Complutense de Madrid do que um estudante que vem de uma escola privada (subsidiada ou não). Esta é a conclusão a que chegaram os investigadores María Fernández Mellizo-Soto e Alexander Constante num artigo baseado em dados sobre as cadeiras em que foram aprovados 8.660 estudantes inscritos no primeiro ano da sua licenciatura que concluíram o ensino secundário no ano académico 2017/2018. Mas os dados da Complutense, que cruza todo o tipo de indicadores, não são isolados e podem ser extrapolados para outras universidades públicas em Espanha. Num estudo posterior, Análisis del abandono de los estudiantes de grado en las universidades presenciales en España (2021), Fernández Mellizo-Soto concluiu novamente o mesmo para os 240.500 estudantes do primeiro ano matriculados em 2015-2016, embora nesse caso a professora de Sociologia Aplicada não tenha estabelecido um modelo, porque a solicitação do Ministério das Universidades se concentrou no número de estudantes que tinham deixado o ensino superior quatro anos mais tarde.

O elemento que mais determina o desempenho de um estudante universitário em Espanha é a nota com que ele ou ela entrou no curso de licenciatura, mas também é influenciado pelo facto de ter sido a primeira opção escolhida ou pelo género (as mulheres inscrevem-se em mais disciplinas e passam mais). Na Complutense, a probabilidade mais baixa de ter um bom desempenho (13%) é para um homem que obteve um 5 (em 10), estudou numa escola secundária privada e cuja família não vive em Madrid.

“Os alunos das escolas públicas têm melhor desempenho do que os das escolas privadas quando têm a mesma nota na EBAU [Evaluación del Bachillerato para el Acceso a la Universidad]. Colocámos então três hipóteses que ainda não foram provadas”, explica Fernández Mellizo-Soto, uma economista por formação. “Pode ser que o ensino seja de melhor qualidade [na escola pública]; ou que os da privada tenham dificuldade em adaptar-se à universidade, porque no colégio os professores andaram muito em cima deles e na universidade é preciso demonstrar outras competências – mais autonomia, mais fazer-se à vida… – que talvez a secundária pública lhe dê”. E aponta uma terceira hipótese: “Pode ser que no sector privado inflacionem as notas para que os alunos entrem em determinados cursos”.

O estudo agora divulgado pela imprensa espanhola confirma as conclusões de uma investigação da Universidade de Porto publicada em 2018: os bons alunos das escolas públicas mostram-se, em média, mais bem preparados para enfrentar as dificuldades e os desafios da universidade do que os provenientes das escolas privadas. Um resultado que pouco varia, sejam estas colégios de elite, ou o ensino privado ao gosto neoliberal, aquele em que as despesas são pagas pelos contribuintes mas os lucros ficam para os donos das escolas.

Estes resultados, que os autores consideram extrapoláveis para o resto de Espanha, assumem um especial significado por terem sido obtidos numa das comunidades autonómicas onde o ensino concertado – escolas privadas com financiamento público – mais tem sido promovido. As políticas neoliberais da presidente Ayuso, subfinanciando as escolas públicas e reduzindo a sua oferta educativa, ao mesmo tempo que promove a expansão das escolas privadas, não estão a melhorar globalmente a qualidade do sistema educativo. Mas promovem a segregação dos públicos escolares e o aumento das desigualdades: num país onde a gestão da Educação está quase inteiramente entregue ao poder regional, a Comunidade de Madrid é presentemente a campeã espanhola da segregação escolar e das desigualdades no acesso à Educação. Só suplantada, no contexto europeu, pela Turquia

Uma vala comum na Ucrânia?

Não. Apenas o rescaldo de uma tentativa de passagem a salto da fronteira entre Marrocos e Melilla (Espanha), que a polícia marroquina reprimiu com uma brutalidade ainda maior do que a habitual.

Entre os corpos que jazem, alguns são já cadáveres, outros são feridos agonizantes deixados ao abandono. A contagem dos mortos já ia, no momento em que escrevo este post, em 38.

O chefe do governo espanhol, o socialista Pedro Sánchez, apostado em melhorar as relações diplomáticas com o sátrapa de Marrocos e em combater as máfias da emigração ilegal, considerou este caso “bem resolvido”.

Por cá, continuamos a alimentar a nossa boa consciência ocidental condenando as atrocidades russas na Ucrânia, que somos impotentes para evitar, evitando olhar para a nossa proximidade, onde poderíamos fazer algo mais do que lamentar o sucedido.

Um congresso sobre Educação feito por… professores!

Não sei se será o primeiro de muitos, se foi apenas uma pedrada no charco ou poderá ser o início de um processo de mudança, para melhor, na Educação. Em Espanha e, já agora e se não for pedir demasiado, que a ideia chegue também a Portugal.

O I Congreso de Expertos Docentes realizou-se no passado sábado em Valência e distingue-se de outras iniciativas semelhantes porque, desta vez, os conferencistas convidados não foram catedráticos, políticos, gurus, empresários, economistas, peritos da OCDE, banqueiros, presidentes de fundações e de multinacionais. Todos os oradores eram, sem excepção, professores do ensino básico ou secundário no activo. O que, a bem dizer, deveria ser a regra, e não a excepção: afinal de contas, são os professores, os que praticam no quotidiano esta ciência imperfeita mas sempre desafiante, os verdadeiros especialistas em Educação.

A sociedade espanhola vive dias agitados, e o sector educativo é dos mais polarizados. Num sistema educativo regionalizado, é na Comunidade Valenciana que têm ocorrido os embates mais fracturantes entre os professores e a administração educativa, apostada em impor os “âmbitos” na prática pedagógica: uma espécie de áreas curriculares que obrigam os docentes a leccionar disciplinas para as quais não têm formação. A medida tem sido fortemente contestada, tendo levado até à realização de greves, e foi uma das motivações deste congresso de professores.

Do que de muito interessante se falou e discutiu em Valência no passado dia 21 fui tendo eco através de alguns dos participantes que sigo no Twitter. Deixo uma descrição sumária, mas que julgo esclarecedora e inspiradora, no excerto que traduzi deste post de Jordi Martí: No hubo avioncitos de papel.

Falou-se do erro de falar de inovação versus renovação. Das competências. Do que eram e do que não eram. Dos conceitos místicos envolvidos na crença em certas coisas. Dos resultados dos nossos alunos. Que há estudantes que podem colocar uma vassoura à sua frente e que aprenderão o mesmo. Que outros estudantes têm problemas que vão para além da instituição escolar. E do cerne da questão: aqueles alunos que perdemos porque não têm quem olhe por eles e para os quais, aparentemente, não há recursos nem interesse. Do roubo de conhecimento. Da necessidade de aprender a fim de poder mudar no futuro um contexto cada vez mais precário. De Malthus. De gurus muito premiados e promovidos que levaram a URSS à fome. De livros e folhetos sobre educação. Da aprendizagem por problemas, como praxis imposta sob o guarda-chuva economicista, com resultados que se revelaram fatais para os sistemas educativos que a utilizaram no passado. Das TIC. Da necessidade de reduzir a sua utilização e de usá-las quando for preciso. Do uso das mãos. De escrever para reter. Dos meios de comunicação que nos vendem certas coisas através dos seus agentes sem escrúpulos. De como é possível ser perverso nas manchetes. Do porquê de, quando há muita investigação, triunfar a má investigação. De que as ciências sociais são menos mensuráveis que as ciências experimentais, pelo que, no processo de investigação, devem ser seguidas regras lógicas. De como é perverso negar centenas de anos de conhecimento para que os estudantes, através de alguma intervenção divina, possam tentar reencontrar esse conhecimento através de uma aprendizagem que ninguém sabe como gerir. De modas. De projectos avaliados pelos mesmos que fazem esses projectos. Da necessidade de avaliações, tanto internas como externas, de qualidade. Da descentralização da instituição escolar, esquecendo sempre os professores nesse processo. De considerar más as acções do político que gere a educação ou considerá-lo antes, a ele, um idiota útil ao serviço de um sistema mercantilizado. Da competição insana entre escolas (não só entre escolas privadas e públicas, mas também entre as próprias públicas e as próprias privadas). Do desenho curricular específico para conseguir mão-de-obra barata, moldável e acrítica no contexto empresarial. De estratégias educativas baseadas na reprodução de modelos de negócio. Empoderamento, resiliência e atribuição de diferentes papéis aos estudantes em diferentes projectos são simulações interesseiras, a fim de obter trabalhadores a baixo custo. Do absurdo que é o conceito de aprender a aprender. Da fé de algumas pessoas em certas coisas. De formar em coisas que não existem para empregos que não existem. Da imposição ilegal das áreas curriculares, porque significa mudar a forma de ensinar sem passar por qualquer mesa negocial. Da desculpa da pandemia para impor certas coisas. De que não se trata de voltar para a escola do antigamente, nem ninguém a deseja… trata-se de criar um novo modelo educativo (ou de conhecimento) que nos permita devolver a esperança àqueles que estamos a deixar pelo caminho. De…

Certamente deixei de fora muitas coisas. Muitíssimas. Isso sim. O que ficou ontem claro é que por detrás do interesse em culpar os professores existe um projecto ideológico muito claro, promovido por certas elites extractivas, com o apoio de certos políticos, porque acreditaram no discurso ou receberam certos benefícios dessa elite. Os políticos não têm os meios de comunicação. São os meios de comunicação que têm políticos.

Músicas do Mundo: Aleph & 8e Art Band – Mashup espanhol, argelino, egípcio e arménio

Desconstruir a pseudo-reforma educativa

Aqui ao lado, parece ser possível. Apesar dos esforços concertados do governo de izquierdas, do poderoso sub-sector do ensino privado financiado com dinheiro público, das fundações, dos bancos e das multinacionais na imposição de uma reforma educativa assente no construtivismo, no trabalho de projecto, na desconstrução dos currículos e no facilitismo avaliativo, há professores que resistem. Que contestam as mudanças que irão – percebe-se à légua – prejudicar tanto alunos como professores.

Por cá, com políticas muito semelhantes – mas vendidas com um pouco mais de lábia… – a apatia parece generalizada. Resmunga-se pelos cantos das salas de professores e nas redes sociais. Mas na hora da verdade lá vão quase todos flexibilizar, planificar o DAC ou inscrever-se obedientemente na formação secante da flexibilidade ou da transição digital.

Entretanto em Espanha, mais concretamente na Comunidade Valenciana, onde as autoridades educativas andam especialmente assanhadas na imposição das novas políticas educativas, um grupo de docentes organiza-se para debater, denunciar e desconstruir a banha da cobra educativa que anda a ser vendida como Educação do século XXI.

Autodeterminações e relativismos

É inteiramente justo e legítimo defender o direito do povo ucraniano a decidir de forma livre e independente o seu destino, forma de governo, alianças internacionais a que deseja pertencer.

Mas o mesmo já não parece aplicar-se aqui bem perto de nós, ao povo saraui, cujo território foi colonizado pela Espanha e, na sequência de um processo de descolonização inacabado, invadido em 1975 por forças marroquinas. Uma ocupação ilegal, não reconhecida pela ONU nem, até agora, pela Espanha, antiga potência colonial.

Na verdade, foi preciso chegar ao poder um governo “de izquierdas” para que o país vizinho deixasse cair, em nome da normalização das relações com o reino de Marrocos, a defesa do princípio da autodeterminação do Saara Ocidental, contentando-se agora com a concessão de uma vaga “autonomia” como súbditos de Mohamed VI. Uma decisão vergonhosa, que contrasta vivamente com um caso muito semelhante, o de Timor-Leste, e a defesa persistente que Portugal soube fazer do direito à autodeterminação do povo timorense, até que este alcançasse finalmente a independência.

Fica-nos bem criticar a dependência alemã em relação ao gás russo, e os constrangimentos que isso está a colocar a toda a União Europeia, mas dá-nos jeito contemporizar com o poder autocrático do rei de Marrocos, para que o gás argelino nunca ameace faltar na Península Ibérica.

Numa carta enviada ao rei Mohammed VI, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, reconheceu “a importância da questão do Saara para Marrocos” e que “Espanha considera a iniciativa de autonomia apresentada por Marrocos como base em 2007 a mais séria, realista e credível para solucionar a disputa”, indicou hoje o palácio real marroquino em comunicado.

Espanha, que ainda é considerada a potência administrativa colonial do Saara ocidental desde que abandonou o território, em 1975, defendeu durante muito tempo que o controlo de Marrocos sobre o Saara ocidental era uma ocupação e que a realização de um referendo patrocinado pela ONU deveria ser a forma de decidir a descolonização do território.

Hoje, confirmando a alteração da sua posição, o Governo de Madrid emitiu um comunicado anunciando o início de uma “nova fase” na relação com Marrocos, assente “no respeito mútuo, no cumprimento dos acordos, na ausência de ações unilaterais e na transparência e comunicação permanente”.

O fim do pedagogismo?

Andreu Navarra é um docente espanhol muito crítico do pedagogismo que domina as escolas, condiciona o trabalho e a autonomia dos professores e empobrece as aprendizagens dos alunos. Antevendo a sua possível superação num futuro próximo, ensaia um optimismo que não consigo partilhar: as políticas educativas continuam dominadas por teorias que desvalorizam o trabalho, o esforço e as aprendizagens reais dos alunos e deprimem e esgotam em tarefas inúteis e desgastantes os professores. E não vejo jeitos de isto mudar num futuro próximo. Oprimidos entre o excesso de humildade, o espírito de obediência e um falso sentido de profissionalismo, a maioria dos professores acata, sem contestação, as ordens mais absurdas, os projectos mais idiotas, as teorias educativas mais balofas e delirantes.

Se partilho com frequência textos escritos a pensar na realidade educativa de outros países, como é aqui o caso, é porque eles nos ajudam a perceber o quão semelhante é a agenda educativa que a OCDE e as organizações e empresas multinacionais com interesse no sector conseguem impor na política educativa à escala global.

Esgotados, como sucede no final de todos os anos, os professores acorrem a várias acções de formação, cuja frequência é praticamente obrigatória. O professor de música queixa-se que há dez anos não faz formação centrada nos conhecimentos da sua área. A colega de Ciências Sociais brinca sobre o que está prestes a acontecer: um monitor entrará com uma bolinha colorida que nos “dinamizará” e depois obrigar-nos-ão a fazer puzzles, itinerários e várias visualizações, cujo conteúdo sabemos de cor: devemos colocar o aluno “no centro”, devemos aproximar-nos dele, tudo o que fazíamos era um disparate, somos mortos-vivos que não sabemos como nos adaptar à “Grande Mudança”, ao “Novo Paradigma”. Tudo isto produz uma grande sonolência, uma grande apetência para a autonomia. Uma pedagogia rígida, formatada e inchada, uma aparência de unanimidade, os linchamentos de sempre (proibido ensinar, conteúdos proibidos, proibição de ter vergonha de uma dinâmica humilhante) atam de pés e mãos os professores, e obrigam-nos a lutar pela sobrevivência num contexto que odeia tanto a ciência como a cultura humanista.

Com tanta insistência, parece que estamos a esquecer o que vão alunos e professores fazer às escolas básicas e secundárias. Os modelos psicologistas, terapêuticos ou motivacionais fizeram-nos abandonar o caminho da investigação, fizeram-nos estagnar em desalento. Porque é desanimador ouvir diariamente os mesmos clichés, a mesma meta-teoria triunfante cheia de meta-códigos, no centro dos quais estão os gurus e outros estudiosos diletantes, com a sua tremenda vaidade, e não os nossos alunos, com os seus verdadeiros problemas. Porque nós professores convivemos com o mundo real, não com o misticismo. Uma boa pedagogia é aquela que nos ajuda a acompanhar os nossos estudantes, a compreendê-los e a fazê-los aprender. O mau é o que prevalece hoje: o que deprime porque é inaplicável, o que multiplica o esforço burocrático, o que impõe obstáculos e dogmas entre o professor e o aluno superprotegido e infantilizado, abrindo a porta a todo o tipo de abutres, trapaceiros e especuladores.

Mentes flexíveis em contacto, comunicação livre de preocupações entre professores e alunos: entre as centenas de milagres diários de comunicação que ocorrem todos os dias em qualquer escola, mil e uma ordens absurdas, obrigações escolásticas, disposições abstrusas, pedagogias falhadas, adornadas com mil luzinhas e gracejos, levadas ao sabor da moda.

É inevitável que o castelo de cartas caia, e que alguém tenha a bondade de fundar um centro livre de pedagogismos nocivos. Os cegos dirão: “Reerguem-se os professáurios, os velhotes, os da velha escola”. Não: levantam-se os professores da realidade, os professores da empatia e do senso comum. Podem estar em minoria, mas apontarão a única esperança possível. A que é, como sempre foi, livre e humanista. A que não provém de uma instituição bancária, mas das necessidades da própria sociedade. Porque a velha escola é a do culto do que é novo, a que há trinta anos vem fracassado e comprometendo o futuro dos nossos jovens, recuperando sofismas de um velho baú com mais de cem anos, temperado com um behaviorismo puro e duro dos anos 1950. Talvez sejam necessárias décadas para ver a mudança. Mas já ninguém acredita realmente neste “Novo Paradigma” atrofiado e autoritário; é uma carcaça de ideologia semi-religiosa, imposta por decreto.

Versão integral e original do texto, aqui: Andreu Navarra, El final de la era pedagogista.

Músicas do Mundo: Tuna de Ingenieros de Zaragoza – Si vas a Calatayud