De umas Presidenciais sem entusiasmo nem grandes surpresas, algumas notas soltas no rescaldo da noite eleitoral…
Marcelo Rebelo de Sousa cumpre a expectativa da reeleição à primeira volta, prosseguindo o que já se tornou tradição na democracia portuguesa no que se refere aos segundos mandatos presidenciais. Os cerca de 60% dão-lhe uma margem mais do que confortável, mas longe do quase unanimismo que provavelmente ambicionaria.
Ana Gomes consegue um honroso segundo lugar, embora com menos votos do que, em eleições anteriores, obtiveram outros candidatos fortes da área socialista. A vitória sobre André Ventura deveria levar este, se fosse homem de palavra, a abandonar a liderança do partido. Não o fará, obviamente, desde logo porque o partido é ele próprio e depois porque o seu resultado está longe de ser uma derrota: em muitos concelhos do interior desertificado e empobrecido do país, o facho aparece em segundo lugar, por vezes com mais de 20% dos votos. Significa que existe descontentamento e que há problemas reais das populações que não estão a ser ouvidos e tidos em conta pelos partidos tradicionais e que este descontentamento tenderá a alimentar, agora e no futuro, projectos populistas e autoritários, ainda que disfarçados de anti-sistémicos.
Mas, relativamente a Ventura, há mais: o candidato que agora obteve nas urnas quase meio milhão de votos poderá ter, se tivermos em conta a elevada abstenção e projectarmos este valor no total do universo eleitoral, mais de um milhão de potenciais apoiantes: ou seja, cidadãos sensíveis ao discurso securitário, racista, xenófobo e proto-fascista do líder do Chega.
Quanto a João Ferreira e Marisa Matias, embora tenham tido boas prestações em campanha – mais ele, com um discurso quase sempre incisivo, oportuno e bem articulado, do que ela, notoriamente menos inspirada do que em campanhas anteriores – são candidatos derrotados na medida em que não conseguiram segurar, sequer, o eleitorado habitual dos respectivos partidos. Aliás, a esquerda é toda ela derrotada numas eleições em que os quatro candidatos oriundos do universo PS-BE-PCP não atingem, juntos, nem 25% dos votos expressos.
Finalmente, o liberal Tiago Mayan demonstrou que a narrativa liberal com que se tenta construir uma alternativa política à direita continua pouco convincente e desajustada da realidade económica e política do país. O voto liberal tende a concentrar-se em nichos da população jovem e urbana, o que a noite eleitoral tornou bem visível, pois só já para o final, com o apuramento dos votos nos maiores centros urbanos, é que o candidato da Iniciativa Liberal conseguiu relegar Tino de Rans, seguramente o candidato com menores ambições, para o último lugar.