Essa democratização, do meu ponto de vista, é algo que está muito longe das propostas dos diversos partidos, pelo menos da maioria dos partidos, sobretudo do centro-direita, que não apontam de todo nessa direção e era uma decisão fundamental a tomar – permitir pelo menos que as escolas pudessem tomar uma opção livre sobre o modelo de gestão, algo que não está em cima da mesa e que é, do meu ponto de vista, fundamental. A forma como é feita a eleição do diretor também está em causa: em vez de ser feita por um conselho geral, defendemos que a eleição seja alargada a todos os professores e não a um órgão colegial.
Fará sentido pedir ao PSD, que sempre foi adepto do modelo de gestão unipessoal e da profissionalização da gestão escolar, que relance a gestão democrática nas escolas, reforce a limitação de mandatos, envolva os professores na tomada de decisões e na escolha dos directores? E, já que pedir não custa, que tal reclamar também o fim dos mega-agrupamentos, uma completa negação do primado da gestão pedagógica de proximidade sobre os aspectos burocrático-administrativos, com todos os inconvenientes que podemos constatar?
Ricardo Silva, um dos mais combativos activistas, há longos anos, das causas dos professores, não será certamente ingénuo ao ponto de acreditar numa transfiguração do programa e das práticas de sempre do PSD em matérias de Educação. Mas entenderá eventualmente, e com razão, que a luta dos professores não pode ficar entrincheirada na recuperação do tempo de serviço, uma matéria em que, aparentemente, se gerou um amplo consenso político. Mas atenção: as aparências podem iludir…
O actual modelo de gestão é um bom exemplo de uma forma de fazer política educativa contra os professores, uma ideia que se consensualizou entre os partidos do centrão. Na sua base, o preconceito contra a classe docente, tida como conservadora e corporativa, à qual não se pode confiar sequer a gestão corrente das escolas em que diariamente trabalham, muito menos a escolha do director, entregue a um conselho geral, onde a maioria dos membros é exterior à comunidade escolar e, grande parte deles, desconhece completamente a realidade escolar. A generalidade dos professores não se revê nisto, mas será que a maioria está disposta a fazer da democratização da gestão escolar uma prioridade reivindicativa?…
Em matéria de trapalhadas legais e falta de transparência nos procedimentos, este Governo em geral e o seu ministério da Educação em particular já deram sobejas provas de que não brincam em serviço. Mas ainda conseguem surpreender.
Num recente decreto-lei sobre a Escola Portuguesa de Luanda, por exemplo, conseguiram encaixar uma alteração cirúrgica ao decreto que regulamenta o funcionamento dos centros de formação das escolas. O que tem uma coisa a ver com a outra? Nada, obviamente. Mas o truque manhoso, que configura péssimo juridiquês, permite que passe quase despercebida uma mudança em matéria sensível para o poder político: aumentar de três para quatro o número máximo de mandatos consecutivos permitidos aos directores dos CFAE.
Falemos claro: voluntariamente ou não, os directores dos centros de formação têm assumido, tanto ou ainda mais do que os directores escolares, o papel de verdadeiros comissários políticos junto das escolas e dos professores. Se é que alguma vez o fizeram, há muito que os CFAE deixaram de dar resposta às reais necessidades formativas das escolas e do seu corpo docente e não docente. Sem recursos para promover formação gratuita e de qualidade, como seria a sua função, acabam a organizar, a mando do ME e das suas estruturas, forma(ta)ções destinadas a promover as modas educativas em torno da transição digital, das flexibilidades e inclusões, das avaliações maiatas, das formações de formadores e outras “cenas”, como diriam os nossos alunos, igualmente intragáveis. Já para não falar do papel insubstituível que têm tido na operacionalização da ADD na sua componente de avaliação externa: são os CFAE que organizam e gerem as bolsas de avaliadores.
Com tão estimáveis colaboradores nas direcções dos CFAE, o ME teria a breve trecho um problema: a partir de 2024, muitos deles teriam de cessar funções, por terem já cumprido três mandatos consecutivos. Ora é certo e sabido que este Governo pode bem com a falta de professores, de médicos e de outros profissionais qualificados indispensáveis ao funcionamento dos serviços públicos. Mas não pode passar sem os seus fiéis serventuários nos postos-chave onde se fazem executar as decisões superiores. E sabe também que haverá, à frente dos CFAE, gente tão convencida do excelente trabalho que vem realizando como adversa ao retorno às salas de aula. Não se esqueçam agora, senhores directores dos CFAE que ficarão mais quatro aninhos no lugar, de agradecer o favorzinho ao senhor ministro…
Algo de inusitado se passa quando o sindicato de professores – e também, ao que consta, de outros profissionais da Educação – que tem liderado a luta mais radical da classe nos últimos anos começa a ser notícia, não pelas suas iniciativas, mas pelas suas questínculas internas.
Ontem ao final do dia, numa volta pelas redes sociais dos professores, apercebi-me de que um grupo de sindicalizados no STOP lançou um abaixo-assinado a exigir a realização de uma assembleia de sócios já em Setembro:
(…) A nossa luta não tem sido fácil. O nosso objetivo é mudar as políticas educativas do país e, qualquer dessintonia da nossa parte, pode ser interpretado como um sinal de fraqueza. Apesar de algumas vitórias, o geral das reivindicações em prol da defesa de uma escola pública de qualidade continua por resolver. É urgente definir estratégias de luta para o presente ano letivo, é urgente mobilizar todos os profissionais de educação, é urgente definir um presente e o futuro, não só do sindicato, como da luta. Consequentemente, os seguintes sócios subscritores consideram fundamental e urgente, na primeira quinzena de setembro de 2023, realizar uma Assembleia de sócios em Coimbra, para discutir presencialmente: 1. A luta dos Profissionais da Educação (e a sua organização) para o ano letivo 2023/2024; 2. O presente e o futuro do S.TO.P. (…)
É estranho que num sindicato que parece ter nascido para dar lições de sindicalismo democrático e participativo a todos os outros, os associados precisem de andar nestas movimentações para conseguir algo que, de forma natural e transparente, a direcção deveria assegurar: os sócios querem reunir, pois vamos lá marcar uma reunião!
Afinal, as coisas não são assim: entrincheirados na sua estratégia, onde parecem contar mais consigo próprios e, até há pouco, com as autoproclamadas “comissões de greve”, os dirigentes do STOP olham para a movimentação dos sócios quase como a administração de uma empresa cotada na bolsa encara uma OPA hostil desencadeada por um concorrente:
Alertamos que a iniciativa avançada do abaixo-assinado não partiu da Direção do S.TO.P., assim como o email assembleiastop@gmail.com não é da responsabilidade do sindicato, que não tem acesso a esta conta de email. Foi criado por um grupo de sócios do S.TO.P. para divulgar um abaixo-assinado a solicitar a realização de uma AG para a primeira quinzena de setembro. Trata-se do uso abusivo do nome do S.TO.P., sem conhecimento e consentimento da Direção. Basta verificar que, primeiro, se a Direção do S.TO.P. quisesse realizar uma AG bastava fazer uma convocatória; e segundo, nenhum dos subscritores iniciais faz parte da Direção ou dos Órgãos Dirigentes.
Mais surpreendente ainda: André Pestana, o coordenador que recentemente retomou as suas funções, manifesta-se a favor da reunião pedida pelos sócios, saindo a criticar o órgão directivo a que pertence e onde terá votado, vencido, contra a decisão tomada:
Os sócios do S.TO.P. têm todo o direito de pedir uma Assembleia Geral de Sócios e até o dever de o fazer, se entendem que não estão a ser ouvidos para definir/construir a luta do próximo ano letivo e o presente/futuro do seu sindicato (está previsto inclusive nos estatutos). Na verdade, eu próprio já tinha feito essa proposta na última reunião da direção do S.TO.P. mas infelizmente não foi aprovada.
Se em poucas horas, muitos associados pediram uma Assembleia Geral de sócios, não vejo qual o problema de a fazer. QUE NINGUÉM SAIA DO S.TO.P., como sempre disse, o sindicato é dos sócios e não de meia dúzia de dirigentes, sejam eles quem forem.
O que pensar de tudo isto? Exemplo de democraticidade interna, dirão alguns, com a saudável expressão e oposição de diferentes posições. Outros notarão que, ao longo do último ano, o STOP cresceu fortemente, tanto no número de associados como no protagonismo que soube adquirir na vanguarda da luta dos professores. Se não quiser frustrar as expectativas de milhares de docentes que nele confiam, terá de superar estas guerrilhas intestinas no que elas revelam de irresponsabilidade, sectarismo e, diria até, uma certa infantilidade. O sindicato é dos sócios e são eles que devem, democraticamente, decidir o seu destino. André Pestana parece estar a ver bem o problema. Veremos se a restante direcção conseguirá ter o mesmo discernimento.
O Stop denunciou o caso da professora Anabela Magalhães, de 61 anos, delegada sindical, com um processo disciplinar. E indica que os professores estão a sofrer “represálias” das escolas.
“Daremos todo o apoio aos colegas que sejam alvo de um processo disciplinar ou que pretendam, de alguma maneira, intentar uma ação quando são alvo destas perseguições nas escolas em que trabalham”, afirmou aos jornalistas a dirigente Carla Piedade.
Questionada sobre se os processos disciplinares significam que há uma perseguição aos delegados sindicais, respondeu: “Há uma questão muito particular com todos os professores que são delegados sindicais do Stop e que tenham tido uma atividade questionadora acerca da falta de gestão democrática nas escolas”.
Há um claro défice de valores democráticos nas escolas portuguesas, que o controleirismo do ministério sobre as direcções e o modelo de gestão unipessoal e autocrático vigente potenciam.
Directores prepotentes, vingativos e com demasiado poder nas mãos são uma parte da equação, mas não justificam tudo: acrescente-se a profunda hipocrisia de um governo que gosta de afirmar grandes ideias e princípios ao mesmo tempo que actua, na prática, ao arrepio das suas proclamações. Querem cidadania nas escolas, mas reprimem o livre exercício dos direitos individuais. Louvam o pensamento crítico, mas perseguem os que criticam e contestam o pensamento único subjacente às políticas governamentais. Defendem comunidades escolares fraternas e solidárias, mas dão cobertura à cultura da imposição e do medo e à abertura de processos disciplinares a quem não cede à chantagem e à ameaça. Invocam a democracia, o diálogo e os consensos, mas convivem bem com a ditadura da maioria e com o unilateralismo das imposições de quem quer, pode e manda.
E não se diga que isto são apenas iniciativas de directores mais costistas do que o Costa: claro que é preciso ser-se um director regido por maus princípios para atacar desta forma o exercício dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Mas dificilmente algum destes espécimes se atreveria a lançar-se em tal aventura se não sentissem a rectaguarda protegida pelo ministério e os seus serviços jurídicos…
Repristinar, palavra estranha, é apenas uma forma de dizer, em juridiquês, recolocar em vigor uma lei antiga. É o que Luís Braga defende que deveria ser feito ao Decreto-Lei 115-A/98, que instituiu o modelo de gestão escolar revogado no tempo de Maria de Lurdes Rodrigues, a ministra de má memória que acabou com quase tudo o que ainda subsistia de gestão democrática nas escolas, estabelecendo o modelo de gestão unipessoal assente nos senhores directores que ainda hoje está em vigor.
Quando se discute a gestão das escolas tende-se frequentemente a centrá-la na mecânica dos órgãos e no seu funcionamento, poderes e competências. Esquece-se por muitas vezes que as organizações escolares são feitas por pessoas, e que mesmo a mais sofisticada arquitectura de poderes e mecanismos de representação pode falhar se não houver envolvimento e partilha de responsabilidades entre todos os envolvidos. Tenho esta noção bem clara porque vivi, na transição do anterior modelo dos conselhos executivos para a actual gestão dos directores, uma experiência contrária à maioria dos colegas. A escola onde então trabalhava tinha uma presidente de conselho executivo centralista, que confiava e delegava pouco, fazendo questão de controlar de perto todas as áreas da administração escolar. Saiu para dar lugar a uma directora que, logo de início, se mostrou adepta do trabalho em equipa, da delegação de competências e da partilha de responsabilidades. E sabemos que, mesmo nos dias de hoje, ainda há directores assim.
Agora também não restam dúvidas que o actual modelo de gestão, ao reforçar os poderes dos directores, reduzir os conselhos pedagógicos a órgãos meramente consultivos e criar dúbios e quase sempre inoperantes conselhos gerais, estimula a prepotência e o autoritarismo nas direcções escolares. Não menos verdade, a existência de um amplo consenso de regime em torno deste modelo, confortável tanto para o PS como para o PSD, é a maior garantia da sua perenidade. E também é para manter na sombra este verdadeiro, mas não assumido, pacto educativo assente na gestão unipessoal, nos mega-agrupamentos, na desvalorização social e profissional dos docentes, que periodicamente nos vão entretendo com discussões sobre o acessório. Para que nunca se chegue à discussão das questões essenciais.
Paulo Guinote clarifica, nas páginas do Público, o contexto da recente polémica em torno da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento.
Sobre o tema, que já motivou por aqui diversos posts e comentários onde ficou dito o essencial, não irei acrescentar muito mais. Concordando, de um modo geral, com a posição do Paulo, aproveito apenas para frisar alguns pontos que me parecem essenciais.
1. Transmitir conhecimentos e desenvolver competências que possam fazer dos nossos alunos bons cidadãos – exercendo os seus direitos, conscientes dos seus deveres, sociáveis, tolerantes, solidários – é sem sombra de dúvidas uma responsabilidade da escola.
2. A abordagem dos temas e matérias da Cidadania não pode fazer-se de forma doutrinária ou estatizante – algo que é contrário, não apenas às boas práticas pedagógicas, mas à própria Constituição. Mas o diálogo, o confronto e a discussão de ideias devem ser encorajados: a sociedade livre e democrática em que desejamos viver constrói-se na pluralidade, rejeitando os dogmas e o pensamento único.
3. Neste sentido, sou claramente adepto de uma abordagem transversal dos temas da cidadania, quer através das disciplinas tradicionais, quer recorrendo a projectos e abordagens transdisciplinares. Penso que a existência de uma disciplina própria, como existe actualmente no 2.º e 3.º ciclo, com conteúdos obrigatórios definidos pelo ME, abre o flanco a acusações, ainda que infundadas, de “doutrinação”. E, mais grave do que isso, foi criada roubando tempo lectivo a disciplinas fundamentais como História ou Geografia.
4. Mesmo sendo infundadas as acusações de que o Estado, ou o governo socialista, pretendem doutrinar a juventude, a verdade é que a maioria dos temas definidos no referencial da Educação para a Cidadania ganham ao serem integrados e contextualizados nos saberes das diferentes disciplinas.
5. Finalmente, sublinhe-se que a Cidadania não pode ser apenas um repositório de princípios que se aprendem mas não se praticam. Como muito bem nota Paulo Guinote, a cidadania activa que se diz querer promover é indissociável de uma concepção de escola bem mais democrática, autónoma e tolerante do que a que temos actualmente.
Muito mal a esquerda unida, incapaz de se entender no apoio a uma política de esquerda, defendendo os direitos dos cidadãos, combatendo as desigualdades e promovendo o progresso económico e social. Em contrapartida, habilidosa no uso da maioria parlamentar e de truques regimentais para silenciar os pequenos partidos.
Como se, por alguns partidos elegerem apenas um deputado, os mandatos destes tivessem a sua legitimidade diminuída. Será que o 15.º deputado do PS em Lisboa, ou o 12.º do PSD do Porto, que ninguém sabem quem são, representam mais e melhor os eleitores do que a Joacine, o Cotrim Figueiredo ou o André Ventura?
Um verdadeiro tiro no pé, que é também um desrespeito aos eleitores. Pois podemos desprezar a mensagem racista e o discurso de ódio do deputado do Chega. Abominar a demagogia e o embuste da cassete neoliberal da IL. Podemos até antever que o discurso fracturante do Livre rapidamente tenderá a esgotar-se em micro-causas e polémicas inconsequentes. Mas nada justifica que, apenas porque não gostamos do que estes deputados terão para dizer, o caminho seja limitá-los, o mais possível, no uso da palavra. Foram eleitos para exprimam as suas ideias, representando, na casa da democracia, os cidadãos que os elegeram.
Impedi-los de falar, apenas porque são um, e deveriam ser pelo menos dois, é passar uma mensagem clara a quem simpatiza com as suas ideias: para a próxima, elejam mais.
No entendimento de alguns, parece que não. A Comissão Nacional de Eleições mostra-se preocupada com iniciativas políticas que possam ocorrer no chamado “período de reflexão”, correspondente ao dia anterior ao acto eleitoral. Recorde-se que a 5 de Outubro se celebra internacionalmente o Dia do Professor e que as eleições legislativas se realizam no dia seguinte.
Curiosamente, a 5 de Outubro celebra-se também a implantação da República, e a proximidade de eleições nunca foi impedimento para as cerimónias públicas que assinalam a data. Poderão os intervenientes ser mais contidos nos seus discursos, mas não deixam de usar da palavra, distinguindo entre um acto político no sentido mais lato do termo e uma intervenção no âmbito da política partidária.
Na sua reacção, os sindicatos de professores não deram sinais de querer desmarcar o evento, anunciado ainda antes das férias. A defesa da sua carreira e dos seus direitos, a afirmação da sua dignidade profissional, a reivindicação de melhores condições de trabalho não são um apelo ao voto nem se confundem com propaganda eleitoral. E os professores, melhor do que ninguém, sabem fazer essa distinção. Pelo que talvez andasse bem, a Comissão Nacional de Eleições, em dedicar a sua atenção a outros potenciais prevaricadores…
“Portugal é um país estimado em todo o mundo, considerado em todo o mundo por muitas qualidades. E uma das qualidades que tem é honrar os compromissos que assume e, portanto, cumprir os tratados e acordos que livremente subscreve, incluindo o Acordo Ortográfico de 1990”.
As palavras de circunstância de Augusto Santos Silva em Cabo Verde parecem sensatas e politicamente correctas, mas não nos dizem toda a verdade. Os tratados e acordos internacionais deveriam servir, apenas, para regular as relações entre estados soberanos. Não para impor aos cidadãos, na ordem jurídica interna, leis irrevogáveis. Como cada vez mais se vai fazendo, instituindo uma prática que mina os fundamentos dos regimes democráticos.
A democracia deve estar acima da diplomacia. A vontade popular e a sua expressão parlamentar devem prevalecer sobre as imposições de directórios políticos. As línguas pertencem aos povos que as usam, não são propriedade de políticos insensatos e ambiciosos. E decisões erradas tomadas por maiorias circunstanciais devem poder ser revertidas quando se torna evidente que causam mais prejuízos do que benefícios.
Claro que, por cá, sempre se gostou de apostar na política do facto consumado e em empurrar os problemas com a barriga, à espera que o tempo ou a inércia acabem por os resolver. No caso do apropriadamente chamado aborto ortográfico, isso não sucedeu. Quase trinta anos depois, continuamos longe de um consenso nesta matéria, como se viu com a missão fracassada da última comissão parlamentar que se dedicou ao assunto.
Deveria servir de lição para políticos de todos os quadrantes: das piores coisas que podem fazer é criar um problema real para resolver problemas imaginários – que neste caso existiam apenas na cabeça de alguns académicos e políticos em busca de notoriedade.
A verdade é que portugueses e brasileiros falam e escrevem de forma diferente. Nenhum acordo conseguirá mudar esta realidade, que tem de ser aceite tal como ela é. Uma maior aproximação linguística dependerá acima de tudo da intensificação do contacto cultural entre dois povos que andaram muito tempo por caminhos separados. Mas isso é algo que só trará frutos a muito longo prazo; nunca ao fim de um ciclo político de quatro anos. O que seria uma boa razão para que os oportunismos político-partidários se mantivessem afastados.