Em ano de eleições, e não tendo os professores portugueses grandes motivos de contentamento com este Governo, decidiu-se recuperar uma velha receita para de alguma forma satisfazer os professores, indo ao encontro de uma das maiores queixas da classe docente: o excesso de burocracia nas escolas.
A ideia é simples: não queremos devolver aos professores todo o tempo de serviço que lhes foi retirado. Melhorar as condições de trabalho nas escolas, facilitar as aposentações ou melhorar o sistema de quadros e de concursos também não fazem parte dos nossos planos. Então vamos prometer aos professores uma vida profissional menos stressante e trabalhosa, simplificando processos organizacionais e administrativos. Eis, senhoras e senhores, o novo SIMPLEX+…
Lendo despreocupadamente o documento de apresentação do Simplex educativo, até parece simples e eficaz. Mas se virmos com um pouco mais de atenção, logo começaremos a topar que, por baixo da aparente modernidade, dormita o velho espírito kafkiano da burocracia à portuguesa.
Por exemplo, as actas. Dizem-nos que não precisam de conter mais do que a informação relevante, e é verdade. Que a famosa “folha de rosto” mais não é do que um registo das presenças e não precisa de fazer parte da acta. A bem da protecção de dados, até convém que não faça. Mas logo a seguir refere-se que entre as menções obrigatórias no corpo da acta está a indicação dos ausentes na reunião. Ou seja, lista de presenças, sai, lista de ausências, é obrigatória. E a lógica, é uma batata?…
Neste tipo de medidas, sobretudo quando apresentadas como coelho tirado da cartola em período pré-eleitoral, surge sempre a tentação irresistível de confundir uma verdadeira desburocratização, identificando com rigor e eliminando tudo o que são procedimentos desnecessários e redundantes, com a mera desmaterialização dos documentos. Cria-se a ilusão de que, porque se trabalha numa plataforma, num documento de texto ou numa folha de cálculo, não se está a produzir papelada. Quando o que se está a fazer, na verdade, é a aproveitar o baixo custo do armanenamento digital e as potencialidades do copy/paste para aumentar exponencialmente a produção de registos. Na qual se consomem horas incontáveis e que, em grande parte dos casos, ninguém chega sequer a ler.
O resto é o discurso típico da nossa burocracia educativa, na sua crença que se muda a realidade trabalhando para os papéis. E que, viciada na papelada, não consegue ter sequer a noção de que nas escolas temos alunos a quem dar atenção. A nossa vida não é a deles. E são justamente eles, os burocratas do Simplex que nos dizem, do alto da sua sabedoria: isto é tudo muito simples. Basta preencher o documento x, acrescentar a ficha y e anexar o relatório z, enviando cópia para o serviço tal, tendo em conta o disposto nesta portaria e o determinado no outro despacho e sem esquecer de lançar tudo na plataforma xpto até ao dia tantos do tal. Simplex, não é?…
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