O CDS quer ver a ADSE, o subsistema de assistência na saúde dos funcionários públicos, aberta a adesões de trabalhadores no setor privado.
Para os centristas, manter o acesso restringido apenas à Administração Pública é uma “discriminação flagrante”, que o Governo PS tem vindo a acentuar. Paralelamente, propõem ainda para os seguros de saúde o mesmo tratamento fiscal que é dado às contribuições para a ADSE – Instituto Público de Gestão Participada.
Desorientado e falho de ideias e de coerência, o CDS inspira-se no discurso demagógico e radical típico da direita neoliberal: a ADSE permite aos funcionários do Estado optar por prestadores privados de cuidados de saúde, assegurando a mítica “liberdade de escolha”. Ora se é auto-sustentável e funciona relativamente bem, porque não abri-la a todos os que se desejem inscrever?
A verdade é que a ADSE, na sua configuração actual, deixará de ser viável no dia em que deixar entrar toda a gente. Porque, ao contrário do que sucede nos seguros de saúde, os beneficiários pagam todos uma mensalidade correspondente a 3,5% do seu salário. Isto significa que um solteiro paga o mesmo que um pai ou mãe de família com o mesmo salário. Que não há bonificações ou agravamentos consoante se é mais ou menos saudável. E que não existe o limite de idade que normalmente é imposto pelos seguros de saúde nem, de um modo geral, plafonds ou outras restrições ao número de consultas e tratamentos.
A ADSE funciona em contra-ciclo com uma sociedade cada vez mais individualista e desafiando, de certa forma, as leis do mercado. Fazendo as contas, um funcionário solteiro, saudável e com rendimentos acima da média gastará muito menos com um seguro de saúde básico do que subscrevendo a ADSE. Pelo que a lógica será que, com o decorrer do tempo, permaneçam neste subsistema sobretudo os mais idosos, os que têm doenças crónicas, os que ganham menos e os agregados familiares mais numerosos. Se fosse alargado o acesso, seriam sobretudo pessoas com este perfil que se associariam. O sistema deixaria, gradualmente, de ser sustentável.
Por outro lado, ao contrário do que se diz, a ADSE não é um privilégio dos trabalhadores do Estado – é um subsistema de saúde que o empregador-Estado criou, ainda no anterior regime, em benefício dos seus “servidores”. O mesmo pode fazer qualquer empregador privado, seja através de um seguro de saúde colectivo para os seus trabalhadores, seja criando esquemas mais completos de protecção social. Porque não o fazem, em vez de invejar um sistema público que satisfaz os seus utentes sem custos para os contribuintes? É que até temos bons exemplos, como o subsistema dos bancários, o SAMS, ainda com maiores benefícios do que a ADSE. Alguém defende a extinção ou a universalização daquele serviço, em nome do combate ao “privilégio”?
Outra questão, mais complexa e impossível de ser discutida na base simplista que o CDS propõe, é a da melhoria dos cuidados de saúde a quem está exclusivamente dependente do Serviço Nacional de Saúde. Embora o sector esteja longe da catástrofe tantas vezes anunciada, são conhecidos os constrangimentos de muitos serviços públicos de saúde. Com o subfinanciamento crónico, o envelhecimento da população e a crescente sofisticação dos tratamentos médicos, os problemas de fundo só se tenderão a agravar.
Também sabemos que quem precisa de mais e maiores cuidados são, frequentemente, os mais idosos e de mais baixos rendimentos. Pelo que qualquer debate sério sobre o alargamento dos prestadores de serviços, criando um sistema convencionado em que os privados, em concorrência entre si, complementariam o serviço público, tem de equacionar a necessidade de aumentar significativamente a despesa pública na área da saúde. Estarão os neoliberais dispostos a participar seriamente neste debate, ou preferem continuar no registo demagógico de quem quer aumentar os gastos públicos ao mesmo tempo que promete baixar impostos?
Melhorar o acesso à saúde dos portugueses não passa pela proposta irresponsável de destruir a ADSE, na esperança de empurrar mais gente para o negócio dos seguros de saúde. Passa antes por, sem colocar em causa um serviço que comprovadamente funciona, encontrar outras respostas para aqueles que ainda carecem de um melhor acesso a cuidados de saúde. Acima de tudo, há que evitar a tentação de tratar por igual aquilo que é diferente. Não podemos presumir que as soluções que resultam num contexto específico se podem, sem mais, universalizar.
Talvez um dia existam as condições para que todos os portugueses possam ter acesso a um sistema de saúde com uma configuração semelhante à que tem hoje a ADSE. Talvez nessa altura deixe de fazer sentido a existência dos actuais subsistemas. Enquanto isso não acontecer, o caminho passa por criar as respostas que faltam, não por inviabilizar e destruir o que esforçadamente conseguimos erguer.
Se gostou de ler, partilhe...
Gostar disto:
Gosto Carregando...