O texto, longo e sentido, que Carlos Santos publicou no seu Facebook e Paulo Guinote divulgou motiva-me a revisitar um tema sempre ingrato e delicado: a mobilidade por doença.
Antes de mais, é óbvio que o acentuado envelhecimento da classe docente propicia situações de doença crónica e incapacitante, que condicionam a mobilidade e a capacidade de trabalho de quem as sofre. Um regime especial e prioritário de mobilidade para docentes nestas situações é certamente mais justo e pertinente do que outros regimes de excepção que existiram no passado, como a preferência conjugal ou as requisições e os destacamentos para dar continuidade a turmas ou a projectos especiais. Não contesto nem duvido da existência de colocações ao abrigo da MPD que, a não existirem, condenariam milhares professores a uma existência ainda mais penosa ou, nalguns casos, ao abandono precoce da profissão: tenho conhecimento pessoal de algumas destas situações.
Porém, reconhecer um problema e a solução encontrada para o resolver não deve traduzir-se, como alguns parecem pretender, em fazer da MPD um tema-tabu. Algo de que não se pode falar, mesmo sabendo-se que o sistema instituído é permeável a abusos e tende a tornar-se insustentável financeiramente pelo número elevado de colocações, que cresce consideravelmente de ano para ano. Pelo contrário: justamente porque há pessoas que precisam verdadeiramente, é que se deve corrigir e melhorar os procedimentos estabelecidos, sob pena de, um dia, não haver para ninguém. Como sucedeu a tantos “direitos adquiridos” que foram sendo sucessivamente dados como insustentáveis.
O problema maior da MPD nem está nos alegados abusos, que serão sempre difíceis de controlar, mas no mecanismo de colocações encontrado, e que julgo ser único em toda a administração pública: o docente em mobilidade indica a escola ou agrupamento em que pretende ser colocado e o ME procede à colocação, mesmo que não exista aí qualquer serviço lectivo a atribuir ao professor. Mesmo que mais 40, 50 ou mais docentes, alguns até do mesmo grupo disciplinar, tenham indicado essa mesma escola de colocação. Isto é péssima gestão de recursos humanos, em Portugal ou em qualquer parte do mundo, sabendo-se que noutra escola do mesmo concelho, às vezes até do mesmo bairro ou freguesia, poderá haver falta de professores. Mais: um regime tão facilitista acaba por atrair, não apenas os professores verdadeiramente doentes ou com situações de doença na sua família, que acredito serem a grande maioria, mas também, e cada vez mais, por potenciar aproveitamentos oportunistas.
Imagine-se um regime idêntico à MPD dos professores, por exemplo, entre os médicos de família: aqueles que tivessem doenças graves devidamente comprovadas poderiam deixar o seu posto de trabalho e os seus doentes, e ser transferidos para o centro de saúde que desejassem. E onde, tendo em conta o excesso de profissionais, ficariam a cumprir funções de apoio ou administrativas. Alguém consideraria isto aceitável? Claro que não, mas, dir-me-ão alguns, a responsabilidade de um médico e das questões urgentes de saúde não é comparável à realidade e ao trabalho nas escolas. Pois bem, é justamente desta forma que nós próprios menorizamos e desconsideramos a nossa profissão perante nós próprios e na imagem que dela projectamos para o exterior.
Quanto ao resto, inteiramente de acordo com o colega Carlos Santos na denúncia clara e assertiva que faz dos verdadeiros problemas da profissão, dos quais a MPD acaba por ser apenas consequência e pálido reflexo: a precariedade, traduzida em horários incompletos, colocações distantes e contratos temporários; as iniquidades nos concursos e nas avaliações, que fomentam injustiças e ultrapassagens; os compadrios e abusos de poder na gestão escolar, a burocracia escolar a crescer a ritmo galopante. Os professores continuam, como já se disse muitas vezes, a ser vítimas de uma organização que os adoece. Como não hão-de aumentar as baixas médicas, as mobilidades por doença, as aposentações antes do tempo?
Falta perceber que estes são problemas colectivos que nunca se resolverão sem unidade e luta, que é justamente o que não vemos na actual desunião. Contratados versus efectivos, saudáveis contra doentes e vice-versa, críticas dos do básico aos do secundário e vice-versa, e todos contra os sindicatos que os representam: este é o dividir para reinar que interessa à tutela e ao qual esta assiste da bancada. Até quando?…
[…] depois de ler o António Duarte, no final do seu texto, a apresentá-la (mais a “luta”) como a solução milagrosa para a solução dos problemas dos docentes, mas depois decidi que ainda […]
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