O fim do pedagogismo?

Andreu Navarra é um docente espanhol muito crítico do pedagogismo que domina as escolas, condiciona o trabalho e a autonomia dos professores e empobrece as aprendizagens dos alunos. Antevendo a sua possível superação num futuro próximo, ensaia um optimismo que não consigo partilhar: as políticas educativas continuam dominadas por teorias que desvalorizam o trabalho, o esforço e as aprendizagens reais dos alunos e deprimem e esgotam em tarefas inúteis e desgastantes os professores. E não vejo jeitos de isto mudar num futuro próximo. Oprimidos entre o excesso de humildade, o espírito de obediência e um falso sentido de profissionalismo, a maioria dos professores acata, sem contestação, as ordens mais absurdas, os projectos mais idiotas, as teorias educativas mais balofas e delirantes.

Se partilho com frequência textos escritos a pensar na realidade educativa de outros países, como é aqui o caso, é porque eles nos ajudam a perceber o quão semelhante é a agenda educativa que a OCDE e as organizações e empresas multinacionais com interesse no sector conseguem impor na política educativa à escala global.

Esgotados, como sucede no final de todos os anos, os professores acorrem a várias acções de formação, cuja frequência é praticamente obrigatória. O professor de música queixa-se que há dez anos não faz formação centrada nos conhecimentos da sua área. A colega de Ciências Sociais brinca sobre o que está prestes a acontecer: um monitor entrará com uma bolinha colorida que nos “dinamizará” e depois obrigar-nos-ão a fazer puzzles, itinerários e várias visualizações, cujo conteúdo sabemos de cor: devemos colocar o aluno “no centro”, devemos aproximar-nos dele, tudo o que fazíamos era um disparate, somos mortos-vivos que não sabemos como nos adaptar à “Grande Mudança”, ao “Novo Paradigma”. Tudo isto produz uma grande sonolência, uma grande apetência para a autonomia. Uma pedagogia rígida, formatada e inchada, uma aparência de unanimidade, os linchamentos de sempre (proibido ensinar, conteúdos proibidos, proibição de ter vergonha de uma dinâmica humilhante) atam de pés e mãos os professores, e obrigam-nos a lutar pela sobrevivência num contexto que odeia tanto a ciência como a cultura humanista.

Com tanta insistência, parece que estamos a esquecer o que vão alunos e professores fazer às escolas básicas e secundárias. Os modelos psicologistas, terapêuticos ou motivacionais fizeram-nos abandonar o caminho da investigação, fizeram-nos estagnar em desalento. Porque é desanimador ouvir diariamente os mesmos clichés, a mesma meta-teoria triunfante cheia de meta-códigos, no centro dos quais estão os gurus e outros estudiosos diletantes, com a sua tremenda vaidade, e não os nossos alunos, com os seus verdadeiros problemas. Porque nós professores convivemos com o mundo real, não com o misticismo. Uma boa pedagogia é aquela que nos ajuda a acompanhar os nossos estudantes, a compreendê-los e a fazê-los aprender. O mau é o que prevalece hoje: o que deprime porque é inaplicável, o que multiplica o esforço burocrático, o que impõe obstáculos e dogmas entre o professor e o aluno superprotegido e infantilizado, abrindo a porta a todo o tipo de abutres, trapaceiros e especuladores.

Mentes flexíveis em contacto, comunicação livre de preocupações entre professores e alunos: entre as centenas de milagres diários de comunicação que ocorrem todos os dias em qualquer escola, mil e uma ordens absurdas, obrigações escolásticas, disposições abstrusas, pedagogias falhadas, adornadas com mil luzinhas e gracejos, levadas ao sabor da moda.

É inevitável que o castelo de cartas caia, e que alguém tenha a bondade de fundar um centro livre de pedagogismos nocivos. Os cegos dirão: “Reerguem-se os professáurios, os velhotes, os da velha escola”. Não: levantam-se os professores da realidade, os professores da empatia e do senso comum. Podem estar em minoria, mas apontarão a única esperança possível. A que é, como sempre foi, livre e humanista. A que não provém de uma instituição bancária, mas das necessidades da própria sociedade. Porque a velha escola é a do culto do que é novo, a que há trinta anos vem fracassado e comprometendo o futuro dos nossos jovens, recuperando sofismas de um velho baú com mais de cem anos, temperado com um behaviorismo puro e duro dos anos 1950. Talvez sejam necessárias décadas para ver a mudança. Mas já ninguém acredita realmente neste “Novo Paradigma” atrofiado e autoritário; é uma carcaça de ideologia semi-religiosa, imposta por decreto.

Versão integral e original do texto, aqui: Andreu Navarra, El final de la era pedagogista.

2 thoughts on “O fim do pedagogismo?

  1. Faço questão de saudar aqui vivamente o António que tem tido a coragem e discernimento de publicar os textos de Navarra cuja mensagem vai direitinha à nossa realidade e onde todos (ou quase) nos revemos, infelizmente. Quanto à construção de uma escola nova, também partilho com o António a pouca esperança, já que esta escola aqui tão bem descrita é exactamente a que convém ao sistema e aos poderes estabelecidos. Nesta fase do capitalismo selvagem que estamos experienciando, o único discurso mainstream é o da escalada incessante do belicismo e da corrida aos armamentos, do abandono da cooperação e do triunfo dos egoismos e nacionalismos. enquanto o planeta agoniza, e nós com ele, “naquele engano d’alma ledo e cego que a Fortuna não deixa durar muito”….

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    • Correto. O fim não será do pedagogismo mas do breve período em que se respirou uma lufada de realismo…
      Mas aprecia-se o otimismo, como uma aspirina para atenuar a dor infligida pelo pedagogismo…

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