A situação descrita pelo DN é uma realidade comum a muitos professores, embora poucos cheguem as extremos aqui retratados. Mas a partir do momento em que se atribuem apenas um tempo lectivo semanal a uma disciplina, é evidente que um professor sem reduções lectivas precisará de 22 a 24 tempos para completar o seu horário. O que lhe dá, sem dificuldade, mais de 500 alunos para ensinar e avaliar. Claro que uma situação destas impede qualquer um de ser professor no pleno sentido do termo, e a primeira coisa a que tem de se resignar é que chegará ao final do ano sem chegar a identificar pelo nome a maioria dos seus alunos.
A fragmentação curricular é um velho problema do 3.º ciclo do ensino básico, que as reformas e contra-reformas educativas dos últimos vinte anos só vieram agravar, em vez de resolver. Com os governos socialistas a situação tende sempre a piorar, pois há uma irresistível tendência para criar novos acrescentos curriculares. Noutros tempos foi a área de projecto ou o estudo acompanhado, agora são as aulas de Cidadania e a generalização da disciplina de TIC, ainda que com um tempo lectivo pouco mais do que simbólico. É o resultado prático de políticas educativas de costas voltadas para as escolas e os professores. Mesmo que as intenções possam ser boas, há uma série de problemas práticos que se levantam e que raramente ocorrem aos especialistas de gabinete. E mesmo quando percebem que fizeram asneira, mais facilmente confiam à “autonomia das escolas” a tarefa de endireitar o que nasceu torto, do que tentam eles próprios corrigir e melhorar o seu trabalho.
A organização curricular é hoje um terreno minado do qual os decisores ministeriais fogem a sete pés. Existem demasiadas disciplinas no 3.º CEB, mas como se exige que todas sejam leccionadas em todos os anos de escolaridade e está fora de questão aumentar a carga horária dos alunos, cerca de metade dessas disciplinas ficam apenas com um ou dois tempos semanais. No ponto em que estamos, só com medidas de fundo como a fusão ou a eliminação de disciplinas se poderia criar um currículo mais coerente e exequível. Mas este governo sempre se mostrou avesso ao enfrentamento dos problemas reais do sistema educativo, adoptando sempre a solução mais fácil, que é empurrar para as escolas a gestão do caos.
Sem alterações na estrutura curricular, resta o caminho que é proposto na peça do DN: criar regras que evitem a sobrecarga extrema que, no quadro actual, pode recair sobre alguns professores. Isto consegue-se estabelecendo um limite para o número máximo de alunos que podem ser atribuídos a cada docente, independentemente da quantidade de turmas que caibam no seu horário. E reforçando a componente não lectiva dos que têm mais turmas, pois é evidente que estes precisam de mais tempo para preparar as aulas e mais ainda para avaliar os alunos.
Embora estes abusos atinjam sobretudo os professores mais jovens e em situação mais precária nas escolas, as mudanças curriculares dos últimos anos têm contribuído para aumentar o número de turmas e de níveis de praticamente todos os professores. É uma realidade que tende a generalizar-se, não um azar que apenas acontece a alguns. A criação de regras justas e explícitas de distribuição de serviço, com limites claros ao que pode ser exigido a cada docente, deveria ser uma luta do interesse de todos os professores. Estaremos disponíveis para a travar?…
Muitos potenciais investidores estrangeiros fogem a sete pés de Portugal porque , dizem , nunca sabem com o que contam – tal as súbitas e vertiginosas alterações dos pressupostos.
Esta pulsão, muito lusa, não poderia deixar de vergastar o ensino, evidentemente – faz-se e desfaz-se ; tapa-se aqui e destapa-se acolá ; inventa-se ao sabor de absurdas “teorias” ou modas ; nunca nada está bem. O resultado de tudo isto? Bem…
A solução passa por uma revisão radical ( de tudo), susceptível de gerar alguma estabilidade e continuidade. Vamos esperar que, alguém competente e capacitado , o possa fazer. De momento “não temos gente” .
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