Serviço sujo em nome da pandemia

A crónica semanal de Santana Castilho, assim intitulada, é desta vez dedicada ao plano de recuperação de aprendizagens apresentado, com pompa e circunstância, pelo primeiro-ministro e pelo ministro da Educação.

Oportunamente, SC nota que os 900 milhões de euros não irão resolver nenhum dos problemas estruturais da Educação portuguesa, nem tão pouco darão resposta efectiva aos danos mais sérios e persistentes causados pela pandemia. Do que aqui se trata é de aproveitar a situação para insistir numa política educativa feita de flexibilidades e facilitismos, de inclusões fictícias e burocracias galopantes. Insistindo-se numa “formação de professores” que será mais do mesmo, feita pelos mesmos de sempre, em vez de se apostar no fundamental: melhorar as condições em que se ensina e aprende nas escolas.

É este o serviço sujo que o ME se prepara para fazer com o pomposo plano de recuperação: substituir as medidas realmente importantes e estruturantes para a recuperação e a melhoria das aprendizagens dos alunos por um programa que é, fundamentalmente, um plano de compra de material informático.

O que se retira de toda esta narrativa enganadora é a inexistência de medidas para combater os problemas de sempre, agravados agora. Nenhuma referência para a redução do número de alunos por turma, a medida que mais sentido faria para responder às dificuldades e particularidades de cada aluno e melhorar as suas aprendizagens. Nenhuma intenção eficaz para prevenir a prevalência da indisciplina, fenómeno que mais impede o trabalho em sala de aula. Nem um ténue reconhecimento sobre a falência de uma inclusão que excluiu ainda mais os que careciam de apoio específico e prejudicou enormemente o trabalho dos restantes e dos professores. Nenhuma alusão ao indispensável reforço das equipas de intervenção precoce, depois de termos tido cerca de 90 mil crianças com necessidades educativas especiais abandonadas durante os períodos de suspensão do ensino presencial. Nenhum sinal de reconhecimento de que a autonomia profissional de cada professor é fulcral para promover a diferenciação pedagógica que a situação actual requer. Nada quanto ao tão reclamado alívio do trabalho burocrático que recai sobre os docentes, para que se pudessem concentrar nas tarefas exclusivas de ensino. Silêncio quanto à necessidade imperiosa de, no primeiro ciclo do ensino básico, não constituirmos turmas onde coexistam anos diferentes de escolaridade.

Em contrapartida, mais formação inútil e causticante para os professores, entregue aos bonzos do regime, mais tutorias em grupos (cuja dimensão mata o conceito), mais tretas pedagógicas (clubes de ciência, recuperações com artes e humanidades e oficinas de escrita). Em resumo, assistimos a um enunciado de intenções, para dar fôlego às medidas que o Governo vem desenvolvendo desde 2015, relativamente às quais a maioria dos professores percebeu, de há muito, que dão resultados contrários aos pretendidos.

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