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Pegando no conceito de empregos de merda criado por David Graeber, Vítor Belanciano tece interessantes e oportunas reflexões acerca da necessidade e do valor do trabalho nas sociedades do século XXI.
Na base, um aparente paradoxo. Vivemos num mundo onde os computadores, os robôs e as redes de comunicação deveriam progressivamente dispensar o trabalho humano, criando condições para a libertação da humanidade da obrigação de trabalhar, um pesado fardo que transportamos connosco desde, pelo menos, os alvores do Neolítico. No entanto, para a grande massa da população, a globalização económica e a revolução tecnológica da computação e da automação não estão a permitir, nem trabalhar menos, nem obter melhor remuneração ou maior realização pessoal do trabalho realizado.
Mesmo quem realiza trabalho produtivo, fabricando bens ou prestando serviços, vê-se muitas vezes constrangido a passar boa parte do seu tempo, não a produzir, mas a justificar aquilo que fez ou o que irá fazer. Quem é professor, por exemplo, sabe bem quando do seu tempo vai sendo tomado pela burocracia, pela produção de relatórios, planificações e todo o tipo de registos escritos que, na maioria dos casos, ninguém irá ler. Mas que são necessários a um número crescente de pessoas que justificam os seus salários pela intermediação que fazem entre os decisores no topo da hierarquia e, na base, os executores das tarefas e os prestadores dos serviços.
Subitamente, o confinamento imposto pela pandemia abriu-nos os olhos para uma realidade pouco visível: há profissões essenciais, sem as quais a economia e a vida em sociedade, tal como as conhecemos, se desmoronariam. O comércio de bens essenciais, a produção agrícola e industrial, o fornecimento de água, energia e telecomunicações, os serviços de saúde, os cuidados geriátricos, a educação – tudo isto se revelou essencial e não deixou de funcionar. Mas, com a óbvia excepção dos médicos, quantos trabalhadores destas áreas são efectivamente valorizados pelo trabalho que realizam?
Em contrapartida, temos sectores da administração pública e privada, dos bancos e serviços financeiros, das consultadorias e advocacias do regime, que pagam salários milionários aos seus funcionários de topo, apesar de os seus serviços pouco ou nenhum valor acrescentarem à economia ou à felicidade individual e ao bem-estar colectivo: em muitos casos, limitam-se a parasitar o Estado e a economia privada e a complicar a vida dos cidadãos.
Na base da pirâmide dos empregos de merda, temos uma série de profissões com diferentes graus de utilidade, mas em geral desprezadas e mal pagas, que subsistem enquanto os arquitectos do capitalismo pós-industrial não os conseguirem dispensar: o novo proletariado ao serviço das ubers e amazons nos transportes, nas logísticas e nas entregas porta-a-porta.
O dinamismo laboral da nova economia disfarça mal uma realidade que veio para ficar: um elevado desemprego estrutural, que tende a crescer à medida que aumenta a produtividade e a eficácia das empresas e organizações. Em vez da desejada reforma laboral, que passaria pela redistribuição e a valorização do trabalho – trabalho para todos, trabalhar menos, viver melhor – vemos ressurgir, mesmo em países desenvolvidos, formas de precariedade e exploração laboral dignas dos primórdios do capitalismo. E nem o discurso politicamente correcto da inclusão e da igualdade de direitos e oportunidades consegue escamotear o crescimento das desigualdades.
Um tema muito interessante nos tempos que vivemos.
“Bullshit Jobs: A Theory by David Graeber review – the myth of capitalist efficiency”
“I had a bullshit job once. It involved answering the phone for an important man, except the phone didn’t ring for hours on end, so I spent the time guiltily converting my PhD into a book. I’ve also had several jobs that were not bullshit but were steadily bullshitised: interesting jobs in the media and academia that were increasingly taken up with filling out compliance forms and time allocation surveys. I’ve also had a few shit jobs, but that’s something different. Toilets need to be cleaned. But to have a bullshit job is to know that if it were to disappear tomorrow it would make no difference to the world: in fact, it might make the world a better place.”
Aqui:
https://www.theguardian.com/books/2018/may/25/bullshit-jobs-a-theory-by-david-graeber-review
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Uma outra forma de ver a questão, não menos relevante.
Ou da diferença que vai de shit para bullshit…
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