Escolas manipuladoras, acusa a OCDE

912018171m.jpgO mais recente estudo da OCDE sobre o sistema educativo português continua a ser divulgado e comentado na imprensa. Uma análise que, para quem conhece por dentro a Educação portuguesa, interessa menos pelos dados estatísticos apresentados, que nada trazem de novo, do que pelas nas apreciações feitas e recomendações dirigidas aos governantes. Este “aconselhamento” é duplamente revelador. Mostra-nos a forma como o nosso sistema é visto do exterior. Mas como os especialistas da OCDE, quando cá vêem, falam essencialmente com governantes, burocratas ministeriais e outros interlocutores escolhidos a dedo pelos anfitriões, os seus conselhos acabam por reflectir, inevitavelmente, aquilo que lhes é dito por cá. E que eles, como convém, tratam de publicitar.

Este intróito parece-me necessário para contextualizar uma tese absurda que está a ser extraída do relatório: directores e professores têm andado a sinalizar demasiados alunos com necessidades educativas especiais e a distribuí-los estrategicamente de forma a conseguir reduzir o tamanho das turmas…

Um relatório da OCDE alerta que as escolas portuguesas podem ter classificado artificialmente alunos como tendo necessidades especiais com o objetivo de conseguirem mais financiamento público e diminuir o tamanho das turmas.

O estudo lido pela TSF sobre a distribuição de recursos pelas escolas portuguesas ouviu relatos de responsáveis ligados ao meio escolar que lançam a suspeita, com a OCDE a dizer mesmo que o recente aumento significativo dos alunos com necessidades especiais (quase o dobro de 2011 para 2017) pode ser, afinal, artificial.

O relatório acrescenta que a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares e a Inspecção Geral da Educação e Ciência estão a analisar amostras de escolas para perceber se há ou não irregularidades na constituição de turmas e classificação dos alunos com necessidades especiais.

Perante aquilo que a OCDE diz ser a opacidade na forma como se distribuem as verbas pelas escolas, “‘jogar’ com o orçamento é uma prática aceite” nas escolas, diz o relatório.

De acordo com entrevistas feitas para o estudo “alguns diretores parecem ser especialistas em aplicar as regras para tirar vantagem das mesmas”. Um exemplo dado aos especialistas da OCDE foi a “distribuição estratégica” de estudantes com necessidades especiais pelo maior número possível de turmas para tirar vantagem da regra que obriga, assim, a reduzir o número global de alunos por turma.

Vamos falar seriamente dos alunos com necessidades especiais e das turmas reduzidas? Então comece-se por esclarecer que, ao contrário do que diz a OCDE, não são as escolas e os diretores que distribuem “estrategicamente” estes alunos pelas turmas. É a própria legislação que impõe que não devam estar mais do que dois destes alunos em cada turma, para permitir o acompanhamento individualizado a que têm direito. Uma ideia a que se chega também, mesmo não sabendo de leis, pelo simples bom senso. O resto é aritmética simples: se tenho cinco turmas e dez alunos com NEE, preciso de os distribuir equitativamente por elas todas. Se queremos lançar a alguém o dedo acusador, então teríamos de apontar aos serviços do ME que, tantas vezes, obrigam as escolas a criar turmas “em desconformidade”, ora com mais alunos com NEE do que a lei prevê, ora com mais do que vinte alunos na totalidade. Mas criticar quem manda é um exercício que tanto os inspectores nacionais como os internacionais evitam, geralmente, fazer.

A outra parte da questão é esta: são muitos alunos! Onde é que as escolas, pensa o burocrata ministerial ou o político de passagem pelo ministério, arranjam tantos alunos a precisar de apoios especializados e turmas reduzidas? Alunos que ficam caros, acrescentam os contabilistas ministeriais. E é quando se começa a falar de dinheiro que subitamente as políticas inclusivas do governo, com selo de qualidade da OCDE, se começam a tornar claras nos seus objectivos e finalidades.

Na verdade, o que levou à aprovação do decreto-lei 3/2008 foi justamente a necessidade de diminuir o número de alunos elegível para os apoios educativos especializados no âmbito da Educação Especial. A estratégia de medicalizar as necessidades especiais resultou durante alguns anos, mas vai demonstrando as suas limitações à medida que os progressos da escola inclusiva e a ambição do sucesso a qualquer preço obrigam ao diagnóstico de cada vez mais situações de alunos que precisam de acompanhamento especial.

É nesta sequência que deve ser entendido o recente decreto 54/2018: já que prescrevem a tantos alunos apoios especiais e turmas reduzidas, vamos obrigar as escolas a devolverem, quase todos, às turmas de origem, elegendo uma pseudo-diferenciação pedagógica, feita quase sempre sem meios nem recursos adequados, como via privilegiada para promover a suposta inclusão.

Lançando a suspeita da desonestidade ou da fraude sobre escolas que se limitam a defender o superior interesse dos seus alunos, o relatório da OCDE cumpre afinal o superior objectivo desta organização: ajudar os governos a impor, contra a vontade dos cidadãos, o que é suposto serem as “melhores políticas”. No caso das necessidades educativas, fica claro que a melhor política, para o actual governo, é a política que ficar mais barata.

3 thoughts on “Escolas manipuladoras, acusa a OCDE

  1. Muito bom texto! A OCDE pelos vistos também não sabe que para um aluno ser avaliado com vista a entrar no regime da educação especial pela anterior Lei nº 3-2008 o encarregado de educação tinha de autorizar! Se os pais permitiram é porque também consideravam que os seus educandos tinham dificuldades de aprendizagem. O que ainda choca mais neste relatório é que para um aluno ser inibidor na turma tinha de ter uma grande deficiência ao nível da aprendizagem, portanto seria complicado falsificar isso!

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  2. Que pretendiam os estúpidos da OCDE? Que as turmas concentrassem os alunos com NEE todos para que as restantes pudessem chegar todas ao máximo de alunos? E quem ficaria a leccionar essas turmas??? Ah… Não é intenção dos governantes que se acabe com a discriminação? Então não querem dar a oportunidade a todos os alunos de todas as turmas de conviverem com os NEE…? Ah, afinal, QUE SE PRETENDE? Uma INTEGRAÇÃO ou UMA FARSA???
    Já agora, a OCDE não refere nada sobre as circunstâncias em que as crianças de 5 anos são aceites APENAS QUANDO HÁ VAGA para aumentar o número de alunos por professor mas que se RECUSA a aceitar TODOS os que completam os 5 anos até final de dezembro caso isso faça aumentar o número de turmas??? Ah Ah AH … Isso não lhes interessa, verdade?

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  3. A OCDE diz, basicamente, o que lhe mandam dizer. Há aqui um jogo, geralmente dissimulado, mas que por vezes se torna evidente: os governos comprometem-se a seguir as “melhores políticas” definidas pela organização e esta actua de forma a facilitar a tarefa dos governantes.

    Vicissitudes das reformas educativas que se insiste em fazer contra os professores, em vez de os tomar como parceiros das mudanças realmente necessárias e os verdadeiros especialistas em educação.

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