Uma greve libertadora

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A actual greve de professores tem potencial para vir a ser um verdadeiro “grito de Ipiranga” contra o abuso nos horários lectivos e não lectivos. Pode ser o princípio do fim de todas as reformas e contra-reformas educativas feitas de reuniões sucessivas e intermináveis, realizadas à custa da exploração do trabalho docente não remunerado. Mas parece que muitos professores, arriscaria dizer a maioria, ainda não perceberam isto.

Claro que os habituais críticos do sindicalismo docente podem dizer, com alguma razão, que os sindicatos deveriam estar a ter um papel mais activo e interventivo na promoção desta luta que eles próprios convocaram. Mas o essencial está feito: a greve está convocada e a informação relevante é fácil de encontrar. O que importa agora, como sucede com todas as greves, é que sejam muitos a fazê-la. Que conselhos de turma, de departamento e pedagógicos fiquem por realizar. Que reuniões para a flexibilidade, para a inclusão e para muitas outras coisas que inventaram para nós fazermos, pura e simplesmente, não aconteçam. Ou que se façam apenas com a presença de uns quantos que, perante a ausência dos restantes, percebam que estão a assumir o papel de fiéis serventuários de um ME que não os respeita.

O sentido da greve é precisamente este: mostrar ao ME que o nosso horário de trabalho não é um poço sem fundo de onde se retiram horas sem fim para fazer todas as tarefas que, entre ministério e direcção escolar, se decidam inventar. Que depois de cumprida, até ao último segundo, a componente lectiva, mais a componente não lectiva de estabelecimento, que pode ir até aos 150 minutos semanais, nada mais é devido, em termos de comparência na escola, por parte de qualquer professor. Tudo o que vá para além do horário, das duas uma: ou é facultativo, e só faz quem quer, ou é obrigatório, e há lugar ao pagamento de horas extraordinárias.

Está mais do que na hora de irmos além das queixas recorrentes sobre o excesso de reuniões, de burocracia e de trabalho nas escolas. As lamentações deixam de fazer sentido a partir do momento em que, tendo a possibilidade de arrear o jugo do trabalho abusivo e não remunerado que o ME e as direcções escolares têm vindo a impor, os professores continuem a cumprir com aquilo a que não são obrigados e que, bem vistas as coisas, ninguém lhes agradece.

Perante o desprezo que os seus problemas e anseios têm merecido deste governo, deixa-me perplexo ver ainda tantos colegas a comparecer nas maratonas de reuniões das quartas à tarde ou em “pós-laboral”. E a desculpa de que fazemos isto há muitos anos apenas comprova a evidência: é chegada a altura de deixar de fazer.

8 thoughts on “Uma greve libertadora

  1. Esta é uma batalha minha de há muitos anos! Só me surpreende que apenas agora os sindicatos tenham chegado a ela… Que cá chegados, seja para durar que a exploração não é matéria de qualquer acordo/troca…é, tão só, inadmissivelmente INCONSTITUCIONAL!!!

    Continua a surpreender-me como “de boca cheia” gente, supostamente, responsável, repete até à exaustão em como muitos portugueses trabalham mais horas do que deveriam e… E… E… Espantoso – ninguém reage…desde o jornalista que ouve, os parceiros de debate ou todos os muitos representantes dos portugueses sentados nos governos, administrações públicas e parlamento…pagos com os impostos de todos os portugueses… que cada vez trabalham mais para serem mais pobres.

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  2. Irrepreensivelmente explicado. Só lamento que a maioria dos colegas não entenda o que está em jogo. Parabéns pela publicação.

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    • Obrigado, Helena.
      Trata-se. acima de tudo, de reconhecer importância e ter sentido de oportunidade nas nossas lutas. E em vez de deixar instalar-se o desânimo, dar prioridade aos combates que podemos vencer…

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