2915 medidas, e às vezes não chegam

fenix.pngO Público traz hoje uma reportagem sobre o Projecto Fénix, que é um dos programas de combate ao insucesso escolar aparentemente mais bem sucedidos dos últimos anos em Portugal.

Na prática, o que mudou? “Cada turma tem dois professores, o titular e um de apoio. Quando o professor titular se apercebe que há alunos que evidenciam dificuldades num determinado conteúdo, chama-os para o “ninho”, onde, numa sala diferente e até um máximo de seis horas por semana, estes alunos são ajudados a ultrapassar as respectivas dificuldades. Enquanto isso, o professor de apoio fica com o resto da turma dá continuidade aos trabalhos com os restantes alunos, ajudando-os a aprofundar as matérias dadas.”

E não, não há risco de estigmatização. “Pelo contrário, já me aconteceu ter alunos a perguntar-me se não podem ir também para o ninho porque eles falam entre si e apercebem-se de que ali têm um apoio maior da parte do professor”, garante Fernando Rodrigues, coordenador do departamento e professor de apoio nalgumas turmas. Mas o principal entrave ao estigma é a flexibilidade do método. “Os alunos que entram no ninho não são sempre os mesmos. Vão entrando e saindo à medida que evidenciam e ultrapassam as dificuldades face a determinadas matérias. A lógica é intervir logo que as dificuldades se instalem para impedir que elas impeçam as aprendizagens seguintes”, complementa Helena Libório.

Como este, há outros programas e projectos elencados na página de DGE, a que as escolas se podem candidatar, e ainda as 2915 medidas adoptadas pelas escolas de todo o país no âmbito dos respectivos planos de promoção do sucesso educativo.

Sem pôr em causa o mérito e os resultados positivos alcançados através destas iniciativas, seja as que são definidas localmente, seja as que resultam da adopção de propostas do ministério, tenho algumas reservas em relação ao carácter determinista que geralmente lhes vem associado.

Embora se diga que promover o sucesso é um trabalho a longo prazo, a verdade é que, sobretudo quando há alocação de recursos – professores de apoio, desdobramento de turmas, tecnologia educativa – o que é habitual é, de uma forma ou de outra, o ME contratualizar sucesso: a continuidade dos projectos só é garantida se houver resultados imediatos, visíveis na redução das taxas de insucesso e na melhoria da qualidade do sucesso educativo.

Ora a verdade é que muitas vezes não basta levar os meninos com dificuldades umas horas para o “ninho”, ou inventar uma nova estratégia, ou alterar a ordem dos conteúdos leccionados, para que os problemas de aprendizagem desapareçam.

As interdisciplinaridades, as transversalidades, os trabalhos de projecto podem aumentar a motivação dos alunos e o seu gosto pela escola, podem até mascarar algum insucesso, mas não substituem aprendizagens de base que, se não forem feitas, vão condicionar todo o percurso escolar do aluno e causar problemas maiores no futuro.

As retenções, sendo más, são por vezes o menor dos males, e é com essa convicção que os professores, nunca de ânimo leve, mas conhecendo como ninguém as dificuldades escolares dos seus alunos, acabam por as aplicar.

5 thoughts on “2915 medidas, e às vezes não chegam

  1. Em Portugal 23% dos alunos chumba pelo menos 1 vez até ao 6º ano. Cada retenção custa ao estado entre 4500 a 7500 euros. Ora o método de retenção detém uma taxa de sucesso de 10%.

    Se o dinheiro que gastamos com pouco sucesso nos programas de retenção fosse aplicado no método RTI (método exposto no texto), possivelmente teríamos melhores resultados sem ser necessário um aumento de investimento e com a contratação de mais docentes.

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  2. Peço, desculpa, mas se vamos analisar questões pedagógicas numa perspectiva, então é melhor sermos rigorosos: custa 4500 ou 7550? Em que é que ficamos? E como se chega a esses números?

    É que também se podem fazer contas ao contrário: os alunos andam na escola, obrigatoriamente, até aos 18 anos. O custo por aluno nos diferentes ciclos vai aumentando ligeiramente à medida que progridem na escolaridade. Portanto, se os alunos com mais dificuldades “chumbarem” logo nos primeiros anos, em vez de andarem a marcar passo no 9º ano ou no secundário, ficam mais baratos.

    Apoio todos os programas de promoção do sucesso que passem pela detecção precoce dos problemas de aprendizagem e pelo apoio individualizado aos alunos que dele necessitam. O que questiono é a contratualização do sucesso. Como se o mais importante fossem as estatísticas de que os políticos precisam, em vez das necessidades que os alunos têm.

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    • Os números variam de aluno para aluno exatamente porque cada aluno detém necessidades diferentes que envolvem um gasto que não é fixo, daí ser entre 4500 a 7500 euros. Estes números provêm de um estudo efetuado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos numa análise à retenção na escolaridade portuguesa.

      No entanto o chumbo nos primeiros anos é o que mais acontece em Portugal sendo o 2º ano o de maior número de alunos retidos. O seu custo até pode ser menor, no entanto não detém resultados que justifiquem a sua não substituição por métodos mais diferenciadores.

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      • Recordo-me desse estudo, e reafirmo que essas contas não foram demonstradas nem fazem sentido no quadro de uma escolaridade obrigatória até aos 18 anos.

        A abordagem pelo lado da contabilidade, mesmo com contas bem feitas, que não é o caso, é a pior forma possível de tratar seriamente as questões pedagógicas.

        Quase ao mesmo nível da cobardia política de quem acha que as retenções são sempre más, mas não assume a responsabilidade de legislar de forma a acabar com elas.

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  3. O estudo chama-se “SERÁ A REPETIÇÃO DE ANO BENÉFICA PARA OS ALUNOS? Resultados para Portugal” efetuado por Luís Catela Nunes, Ana Balcão Reis e Carmo Seabra. No entanto não tenho a certeza se está mesmo exposto no estudo ou associei pelo facto de investigadores desta associação terem exposto esses números em entrevistas.

    No entanto o cálculo do custo é discutível sendo que um relatório da OCDE afirma que o custo médio se encontra em 6500 euros. Já o tribunal de contas afirma que no primeiro ciclo, cada aluno custa em média 2.771,97 euros, enquanto nos 2º e 3º ciclos e secundário o valor sobe para os 4.921,44 euros.

    No entanto aquilo que procuro argumentar não é que a reprovação por si só é negativa, sendo que esta é uma ferramenta que procura promover o sucesso que pode ser bem ou mal utilizada. O meu argumento é que considerando que é universalmente aceite que esta não se encontra a ter bons resultados e que detém custos elevados, esse investimento poderia ser redireccionado para medidas e programas mais diferenciadores que detém taxas de sucesso superiores.

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