Pagar para ser (mal) atendido

ascendi.jpgPouca gente faz contas, mas cada vez que liga para as linhas de apoio ao cliente, através de números começados por 707 ou 708, está a gastar dez cêntimos por minuto, se ligar de rede fixa, e 25 cêntimos por minuto, se o fizer por uma rede móvel, mais 23% de IVA. A Deco – que recebe muitas reclamações por causa do custo elevado destas chamadas – defende o fim destas linhas.

É uma prática já com alguns anos e que se generalizou a quase todas as médias e grandes empresas portuguesas: obrigam o cliente a pagar sempre que os contacta através de uma linha de apoio, que em muitos casos é o único contacto telefónico disponibilizado. O abuso vai ao ponto de cobrarem ao cliente, inclusivamente quando reclama por avarias ou anomalias da responsabilidade da empresa, prejudicando-o duplamente.

E como o objectivo é sacar dinheiro ao cliente, muitas vezes a chamada é atendida de imediato por uma máquina, mesmo quando não há um operador disponível: deixam o cliente em espera, e a pagar os minutos que vão passando, enquanto o supliciam com a audição de uma qualquer música roufenha.

Claro que isto só acontece porque temos autoridades reguladoras inoperantes, que se estão nas tintas para os direitos dos consumidores, fazendo vista grossa a todas estas situações, ignorando as queixas e protegendo, pela cumplicidade e pela inacção, as práticas abusivas que deveriam impedir e castigar.

Prestando vassalagem aos dogmas do neoliberalismo triunfante, alimentamos a ficção da concorrência, da regulação e da competitividade. Quando o que temos na nossa economia é apenas uma versão recauchutada do velho capitalismo rentista, cartelizado, protegido pelo Estado e agora cada vez mais dominado pelo capital estrangeiro. Por outras palavras, e olhando para os resultados, pagamos cada vez mais por serviços que valem cada vez menos o dinheiro que nos pedem por eles.

Antes de haver concorrência nas telecomunicações, quem tinha em casa um telefone fixo pagava uma mensalidade que apenas lhe dava direito a estar ligado à rede e, à parte, as chamadas telefónicas, taxadas em função da distância e duração. Com a modernização do sector, o aparecimento da concorrência e a maior utilização dos serviços telefónicos, começaram a aparecer tarifários com chamadas incluídas: de repente, passou a ser possível fazer todos os telefonemas que se quisesse, sem pagar mais ao fim do mês. Mas foi sol de pouca dura: rapidamente as grandes empresas perceberam que podiam ser facilmente interpeladas pelos seus clientes por via telefónica e transformaram esse aborrecimento numa oportunidade de ganhar mais dinheiro, criando linhas ditas de apoio com números de valor acrescentado.

O que as grandes empresas têm hoje é a possibilidade de incomodarem impunemente qualquer cidadão, ligando-lhe para casa ou para o telemóvel sob qualquer pretexto, ao mesmo tempo que o obrigam a pagar sempre que quiser ele próprio contactar a empresa de que é cliente. Um exemplo claro de um sistema construído à medida do poder corporativo e do “valor para o accionista” e não do bem-estar e dos direitos dos cidadãos e dos consumidores.

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