Já muita tinta correu sobre este tema, e poderia estar horas a enumerar, por aqui, argumentos contra e a favor. Já outros, militantes da causa com maior espírito ou conhecimento de causa o fizeram, pelo que resumirei a questão a uma verdade que me parece incontestável: 26 anos depois da assinatura do acordo, estamos longe de um consenso sobre a matéria. Nem os defensores do acordo conseguem ir muito além do argumento da autoridade e do facto consumado – já está em vigor, é obrigatório, só os “velhos” é que não o aceitam, os miúdos mais novos não conhecem outra ortografia – nem os seus detractores abandonam a resistência à nova norma ortográfica, continuando a escrever, sempre que podem, à antiga portuguesa.
Daí que tenha bastante interesse a posição da Academia de Ciências de Lisboa, que pretende, através de uma revisão do Acordo em vigor, encontrar um consenso que consiga compatibilizar posições extremadas e incompatíveis entre si. Se não me faz grande confusão que portugueses e brasileiros escrevam de forma diferente, porque de facto existem diferenças de vocabulário e de pronúncia que o justificam, já me parece completamente absurdo que num país europeu de dez milhões de habitantes estejam neste momento em uso duas ortografias, uma imposta artificialmente e a anterior que ao que parece nunca foi oficialmente revogada. Não é tarefa fácil aquela a que se propõe a ACM, mas julgo que merece ser tentada.
O que propõe então a Academia?
Desde logo, regras mais claras e coerentes para a hifenização, um problema mais grave do que o das consoantes mudas mas de que se fala muito menos e que até alguns defensores do Acordo admitem existir. Que lógica há em obrigar a escrever cor-de-rosa e cor de laranja?
Quanto às consoantes mudas, admite-se que elas caiam, como até aqui, quando não se lêem, mas ressalva-se que possam manter-se quando a palavra existe, dessa forma, no Português do Brasil, como acontece em recepção.
Em relação à acentuação, defende-se uma revisão caso a caso, tendo especialmente em conta as confusões que a retirada do acento provocou. Por exemplo, em pára, que se passou a escrever para.
Para a ACL não faz sentido abrasileirar a ortografia do Português. Mas na verdade o que há é uma contradição de fundo quando por um lado se pretende uniformizar as regras da escrita e por outro se toma a oralidade como critério para essa uniformização. É que se nos vários países as palavras se pronunciam de formas diferentes, das duas uma: ou continuamos todos a escrever diferente ou aceitamos que uma das normas se torne dominante. E tendo o Brasil o maior número de falantes e sendo estes tradicionalmente avessos a imposições linguísticas impostas a partir de Portugal, vê-se bem para que lado todos estes processos acabam por pender.