Para onde vai a blogosfera docente?

guinote.JPG[…] Em 2008, 2009 e mesmo um pouco depois, a multiplicidade de vozes que na blogosfera contrastava com o quase vazio na comunicação social de escrita de opinião não alinhada politico-partidariamente sobre Educação. Mesmo que os resultados tenham sido escassos, existia a sensação de que algo era possível, que poderia ser alterada alguma coisa, mesmo que em pequena escala. E em alguns momentos, houve mesmo quem pensasse que as massas poderiam ter alguma força. Agora temos uma situação que não é inversa ou simétrica, mas em que a blogosfera que escreve sobre Educação parece ter perdido a pouca capacidade ou mesmo esperança em que algo mude […].

Percebo o desencanto de Paulo Guinote quando compara a agitação e a inquietude dos professores, que a chamada blogosfera docente então reflectia e amplificava, com o desencanto, o conformismo e a frustração que hoje em dia se vão instalando entre os professores. E claro que os blogues de professores espelham também esta realidade, sendo agora em menor número, tendo menor audiência e, sobretudo, muito menos comentários.

Concordando com o essencial da análise, tenho no entanto uma perspectiva um pouco diferente pois, ao contrário do Paulo, e de um grupo numeroso que se reuniu em torno da sua Educação do Meu Umbigo, nunca olhei para a blogosfera docente como o catalisador das mudanças e das reivindicações da classe, ou para dois ou três blogues de referência como os seus autênticos e legítimos representantes. Muitos o fizeram, é verdade, nos tempos áureos da contestação ao socratismo, mas a maioria depressa se fartou ao perceber que a luta era dura e de resultados incertos, as vitórias parciais e provisórias e que as negociações são isso mesmo, um jogo de ganhos e perdas em que mais ganha quem tiver maior poder negocial. A revolução não estava ao virar da esquina e muito menos se fazia com meia dúzia de cliques nos sítios certos, e por isso estes revolucionários equivocados andarão hoje pelos feicebuques onde mais fácil e despreocupadamente se seguem as ondas, as tendências e os gurus de cada momento.

Ora então, se os blogues não representam formalmente a classe – informalmente haverá alguns com essa ambição, até certo ponto legítima -, se não têm a visibilidade e as audiências de outrora, nem se envolvem em causas e lutas que os seus autores consideram perdidas à partida, qual será a sua razão de existir para além, obviamente, do gosto e do interesse pessoal dos seus autores em os manter?

Julgo que há uma, digamos assim, utilidade pública neste esforço que vamos fazendo para manter vivos os nossos blogues, que é a de promover, no espaço público da reflexão e discussão de ideias, um pensamento crítico, de professores, sobre a sua profissão e tudo o que com ela se relaciona.

De facto, durante décadas, fomo-nos habituando a que, desde os comentadores profissionais e generalistas do regime aos professores universitários, sobretudo da área das ciências da educação, todos fossem opinando, com mais ou menos informação ou acerto, acerca das políticas educativas, do exercício da profissão docente, dos objectivos e finalidades de cada um dos ciclos e níveis de ensino, do currículo, da avaliação e de tantas outras coisas mais que preenchem a vida profissional dos professores do básico e do secundário. E se de início muitos destes opinadores até diziam e escreviam muitas das coisas que nós próprios pensávamos, e por isso também fomos colaborando no apagamento da nossa própria voz do espaço público de discussão da educação portuguesa, a partir de certo ponto tornou-se nítida a vontade de retirar protagonismo aos professores no debate e na definição de rumo das políticas educativas. Exemplos dessa reiterada vontade são, por exemplo:

  • A menorização dos sindicatos representativos da classe, silenciados sempre que possível, nas suas acções, pela imprensa bem pensante, ou, quando não é possível ignorá-los, representados como grupos de demagogos ignorantes que apenas sabem reivindicar salários e regalias e promover greves e manifestações;
  • A criação do Conselho Nacional de Educação, um órgão pseudo-técnico que tende a alinhar politicamente com o governo em funções – como confirmaremos em breve quando David Justino terminar o seu mandato -, com uma clara dominância de agentes políticos e governamentais e representantes dos lobbies e uma presença residual de professores do ensino não superior ou de seus representantes, destinado precisamente a legitimar decisões políticas tomadas contra os interesses e as opiniões, críticas e fundamentadas, dos professores;
  • Mais recentemente, o aparecimento de tanques-de-pensar de inspiração anglo-saxónica, criados pelas fundações do regime e destinados a influenciar as políticas para a educação de acordo com os interesses dos grupos económicos que os financiam ou as visões ideológicas dos seus mentores.

A educação é hoje, quase como o futebol profissional, uma área onde todos se acham especialistas, mas onde a discussão alargada, que deve existir, não pode dispensar o contributo daqueles que melhor conhecem a realidade escolar: os professores.

Assim, quando políticos profissionais omitem dos seus currículos episódicas passagens pela docência, como se isso fosse para eles uma vergonha ou uma menos-valia, quando os professores são ostensivamente deixados de fora dos órgãos institucionais onde se discutem e decidem as políticas para a educação, e mesmo a comunicação social só ocasionalmente dá a palavra aos professores ou às suas iniciativas, é fundamental que continue a existir, na blogosfera, espaço para o pensamento crítico e reflexivo dos professores, para o debate de ideias e a troca de experiências, enfim para a afirmação do profissionalismo docente e do muito que temos a dizer acerca do presente e do futuro da nossa profissão, dos nossos alunos e das escolas onde trabalhamos.

É para o enriquecimento esse espaço de debate, reflexão e afirmação colectiva dos professores portugueses que a Escola Portuguesa, modestamente, pretende contribuir.

12 thoughts on “Para onde vai a blogosfera docente?

  1. ” nunca olhei para a blogosfera docente como o catalisador das mudanças e das reivindicações da classe, ou para dois ou três blogues de referência como os seus autênticos e legítimos representantes.”

    Eu também não.

    Mas não quero retirar o lado onírico à coisa- a blogosfera docente como a vanguarda da classe….docente.

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  2. Nunca algum blogger se considerou o representante de nada, muito menos de uma classe. Claro que isso foi escrito vezes sem fim, repetido e por vezes mesmo criticado por esse mesmo sublinhado. Claro que houve quem visse em outros as aspitações e ambições que, acaso, gostariam de ter…

    E houve, claro, quem se encavalitasse nos comentários do Umbigo mas, depois, nas suas escolas, nada fizesse que acrescentasse fosse ao que fosse e se limitasse a fazer o que os sindicatos mandavam.

    Certo, António?

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    • Repare-se no que eu escrevo “E em alguns momentos, houve mesmo quem pensasse que as massas poderiam ter alguma força” e repare-se a distorção da análise que tu fazes no sentido do papel individual?

      Claro que não vou dizer que fazes essa manipulação de forma consciente (como uma das tuas comentadoras o fez e faz, sempre que pode, com um alvo específico), mas o teu inconsciente parece mover-se por si mesmo nessa direcção.

      Porque não é normal que um tipo escreva uma coisa perfeitamente clara – o conjunto dos professores conseguir alguma coisa – e existirem extrapolações para “vanguardas”, quando tudo se tratava de partilha de informação.

      Vanguarda é um comité de sindicalistas assinar acordos, sem qualquer consulta às bases, às tantas da noite.
      Minto… consultavam por sms alguém para saberem a opinião de outros alguém que publicamente se amesquinhava(m).

      Mas devem ter apagado a seguir, não deve dar para provar a esta distância junto da operadora.

      Claro, desconheces.

      Acontece.

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    • Não, Paulo, não está certo.

      Primeiro, não pretendo pessoalizar ou abrir processos de intenções do que quer que seja: estou a falar, como julgo que se percebe, de uma dinâmica colectiva que se criou à volta de dois ou três blogues mais activos, onde obviamente se inclui o Umbigo, e que transcendeu os propósitos originais dos seus autores.

      Segundo, não sei o que pretendes insinuar no segundo parágrafo. O que faço ou deixo de fazer na escola onde trabalho é testemunhado por todos os que por lá andam – não é assunto para posts, por razões óbvias, mas não inclui nada que esteja em dissonância com as ideias que defendo. Ah, e o sindicalismo é livre e voluntário: os sindicatos não “mandam” em ninguém.

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      • O segundo parágrafo prende-se com as questões da credibilidade ou sinceridade de intenções que algumas pessoas – vamos deixá-lo assim, não ando numa de apontar demasiados dedos por estes tempos – sempre gostaram de apontar a alguns bloggers e de que eu fui vítima recorrente, em on e off.

        Ora… muitos dos críticos em relação à acção dos bloggers poderiam ter algo a demonstrar, mas nem sempre isso acontece(u), preferindo o conformismo do alinhamento na prática, mesmo se com declarações parciais de objecção de consciência a detalhes.

        Como calcularás, não pretendo entrar demasiado por esta via, pois não me movem quaisquer desejos de ajustes de contas, nem com os gajos lutadores que desertaram quando lhes deram umas senhas de presença como vereadores Muito menos no teu caso que, tantas vezes, entraste na carruagem das críticas aos protagonismos da blogosfera por manifesta falta de informação ou conhecimento pessoal.

        Abraço. Sempre.

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      • Para compreenderes as coisas, importa conhecê-las. Análise com informação errada ou deturpada, dificilmente chega a algum ponto. E, por vezes, criticas alguns bloggers sem sequer te teres dado ao trabalho de os conheceres, ao seu trajecto, antes e depois de 2008-09.

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        • Ora bem, acho que não me vês propriamente a fazer críticas aos bloggers, condição que, de há ano e meio a esta parte, também assumo. E se o fizer é em relação a posições ou opiniões concretas que assumam – nada tem a ver com as pessoas ou os seus trajectos.

          Abraço.

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  3. António,

    quando refere “A criação do Conselho Nacional de Educação…” julgo que falta “e o Conselho de Escolas”.

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