Heterodoxias: Reformar a sociedade de mercado, redefinir a democracia

Fomos integrados numa sociedade que pensa apenas em termos do valor monetário das coisas, mas esta forma de pensar diminui-nos. Precisamos de admitir que os preços não são o que cremos que são; só entraremos no caminho da recuperação quando deixarmos de inventar histórias sobre os preços.

raj patelDiscussão, regulação, confiança, generosidade e contenção são meios de reclamarmos aquilo que o mercado nos tirou psicologicamente. (…) Ninguém pode negar-se a agir, confrontando as desigualdades de poder, especialmente as geradas pelas pessoas artificiais, pelas grandes empresas e pelos governos que nos cercam. Se queremos viver num mundo mais justo, a acção directa é, sem dúvida, uma necessidade. Se as perspectivas são inquietantes, não deixam também de ser o reverso das políticas de acomodamento e de passividade que temos sido encorajados a aceitar. O estilhaçar das ilusões nunca é fácil, mas, para nos libertarmos das limitações do mercado, teremos necessidade de experimentar novas fórmulas de partilha do mundo e de estabelecermos os limites dos bens públicos. O que, em sectores como o dos cuidados de saúde e o sistema bancário, implicará nacionalizações. Em outros casos, implicará a procura de novos sistemas de partilha e de poupança. Em qualquer dos casos, envolve a construção de colectividades que valorizem o mundo de forma diferente. (…)

Para fazermos exigências políticas, necessitaremos de imaginação, de criatividade e de coragem. Precisaremos de nos lembrar que o triunfo da democracia não resulta da urna de voto, mas nasce das circunstâncias que tornam a democracia possível: igualdade, responsabilidade e políticas adequadas. Precisaremos de compreender que a nossa felicidade colectiva e individual só é prejudicada ao tornarmo-nos monstros de Greenspan, um papel para o qual muitos de nós estamos a ser preparados desde o nascimento, baptizados na cultura do consumo e carregados de desejos materiais até à morte. Um futuro sustentável precisará de mercados, desde que eles sejam firmemente mantidos no seu lugar, de modo a que os interesses, paixões e recursos de um reduzido grupo de indivíduos não continuem a usá-los para corromper o resto da sociedade e do planeta. Precisamos de avaliar, valorizar e conduzir o mundo com métodos mais democráticos, temos de perceber que o Estado e a propriedade podem ser mais flexíveis do que alguma vez julgámos possível. Tratar-se-á, afinal, de um tarefa colectiva, difícil mas infinitamente mais compensadora do que a actual sociedade de mercado. A nossa felicidade não pode provir de qualquer busca individual, terá de resultar da liberdade da procura conjunta, no seio da democracia política que nos ajudará a valorar o nosso futuro comum.

Raj Patel, O Valor de Nada (2009)

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